Sexta-feira,
18/4/2008
Digestivo nº 363
Julio
Daio Borges
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PARIS NÃO TEM FIM, DE ENRIQUE VILA-MATAS
Enrique Vila-Matas fala de literatura como pouca gente hoje. Porque conhece literatura, como pouca gente hoje. Logo, Paris não tem fim, como seu Bartleby, é mais um conjunto de reminiscências do escritor, e do seu mundo, atualmente tão distante... Pois, embora se escreva como nunca, há o mesmo tanto de pressa, e a convivência de décadas com os livros, hoje, tem de ser concentrada em alguns anos... — o que, na escrita, não resulta no mesmo efeito que um Vila-Matas provoca. Ou seja: às vezes, não adianta nem ler, como alguns ases da internet, neste momento, fazem — o importante, mesmo, é conviver. E convivência, com os grandes textos, não se improvisa. Convivência, de décadas, e juventude... não combinam. "Jovens, envelheçam!" — já dizia Nélson Rodrigues. E leiam Vila-Matas, em Paris não tem fim — até para compreender que o jovem escrevinhador, principalmente se almeja publicar em livro, só consegue ser ridículo. Tudo bem: Vila-Matas confessa que descobriu a ironia depois de velho, e que ela foi sua salvação. Ridicularizando sua juventude de escritor, eleva-se na maturidade, e produz muito mais literatura do que tentou, naqueles verdes anos, produzindo trapalhadas apenas. Misturando, como deixa sugerido, ensaio com biografia, revela-se muito mais interessante que os escritores "sérios" de hoje, mesmo os maduros, que pensam produzir literatura... Rindo, Vila-Matas afirma que as veleidades literárias, além de não se realizarem mais, acabam motivo de chacota, tempos depois. Paris não tem fim guarda ainda um quê de Juventude, de J.M. Coetzee — com a diferença de que, enquanto Coetzee é mais seco (e trágico), Vila-Matas se considera tão insignificante, em jovem, que nem se tentasse causaria algum dano. Dois dos maiores autores da atualidade, mais uma vez, mostram que estreantes, além de não produzirem literatura, só atormentam seus contemporâneos.
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Paris não tem fim |
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INFLIKTED, DO CAVALERA CONSPIRACY
Continua irreconciliável, a maior banda do Brasil no exterior — mas os irmãos-fundadores voltaram a se falar (e a tocar), depois de mais de dez anos. Iggor Cavalera (agora com "gg") precisou se casar de novo — ou, ao menos, assim contou à Rolling Stone — para telefonar a Max e, sob as bençãos de Gloria (ex-empresária de sua ex-banda), fazer as pazes já no aeroporto. Como tocam juntos desde 1986 pelo menos (registra o YouTube; ainda em BH), os irmãos Cavalera, com menos de 40 anos hoje, não sabem fazer muito mais da vida... Iggor se dizia "desiludido com o metal", até virou DJ com sua nova esposa (ex-MAM), tocou com Lenine (melhor do que com o Sepultura de hoje), mas fala com segurança mesmo, em entrevista, ao lado do irmão (descartando, inclusive, todo o sucesso da grife homônima...). O nome do novo projeto é Cavalera Conspiracy e do álbum, Inflikted. Completam o conjunto, Marc Rizzo (guitarras também no Soulfly de Max) e Joe Duplantier (baixo no Gorija). Conforme admite o primogênito dos Cavalera, o disco retrocede quase até Morbid Visions (1986), é certamente pré-Beneath the Remains (1989), embora tenha havido referências constantes a Arise (1991). Nada daquela produção de Chaos A.D. (1993) e, sobretudo, de Roots (1996), o último do melhor Sepultura. E, conforme relatos acerca da gravação, não houve qualquer intenção de retomar a "linha evolutiva" anterior — o que pode decepcionar alguns fãs. Ao mesmo tempo, Inflikted se aproxima do Nailbomb, projeto paralelo ao velho Sepultura, que, despojado de efeitos de estúdio, valia pela espontaneidade, e contava ainda com Alex Newport. Em resumo, Max continua gutural, Ig(g)or palpitando bastante nas composições, os títulos se mantêm interessantes (e as letras, idem), só a guitarra de Rizzo aparece mais atrapalhando do que ajudando (exigindo seções inteiras para seus solos...). Inflikted não é um primor de originalidade, mas a reunião, independentemente de qualquer outra coisa, atrairá a maioria dos fãs, de novo.
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Cavalera Conspiracy |
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CONDUTA DE RISCO, COM GEORGE CLOONEY
Conduta de Risco é uma alegoria do fim do mainstream. Pagamos com milhões de vidas, durante o século XX, pelos erros de interpretação de Marx, mas parece que ele tinha razão quando disse que as megacorporações implodiriam em seu gigantismo. No filme, George Clooney descobre que um advogado de uma grande empresa não havia simplesmente enlouquecido e "mudado de lado", numa causa de 3 bilhões de dólares — ele havia percebido que a grande corporação, deliberadamente, envenenava seus consumidores. Foi eliminado, claro; mas o personagem de Clooney seguiu na investigação sozinho. Quase morreu, lógico — nos primeiros 5 minutos do DVD —, mas sobreviveu para derrubar a mesma empresa no final — causando falta de ar na sua dirigente, e delírios de grandeza no seu presidente. Na internet, fazendo um paralelo, temos assistido, de camarote, à ruína das majors da indústria fonográfica, quase concomitantemente aos grandes estúdios de cinema, passando pelos tropeços da grande mídia, pela reinvenção da comunicação como um todo (Skype; adeus, empresas de telefonia), pelas transformações na televisão (YouTube e Joost), pela metamorfose do livro (Kindle) e até pela reviravolta política (blogosfera "de direita" nos EUA). A metáfora de George Clooney, do cidadão atormentado, com relacionamentos frágeis, sujeito às tentações da vida, derrubando o monstro impessoal do mainstream, enquanto burocratas e carreiristas tentam dissuadi-lo, é bastante plausível. De repente, as razões de um suposto pária, desvinculado de interesses ou grupos, agindo por conta própria, são fortes o suficiente para se impor, ou apenas captam o que já é uma verdade, mas que precisa de uma revelação. Ainda que o caos tenha se instalado, ainda que as incertezas reinem absolutas, o personagem de Clooney caminha pelos escombros, expondo as derradeiras mentiras da civilização... O que sobra? Ou quem sobra? O mainstream não é mais o oráculo; e não tem mais a resposta.
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Conduta de Risco |
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Julio Daio Borges
Editor |
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