Sexta-feira,
4/7/2008
Digestivo nº 371
Julio
Daio Borges
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DOT.COM, DE LUÍS GALVÃO TELES
Com muito humor e argúcia, Luís Galvão Teles desembarca no Brasil com Dot.com, um filme sobre os impactos da chegada da internet a uma aldeia, no interior de Portugal. Mais do que as disputas com a mídia antes estabelecida, a chamada velha economia e o antigo status quo, anterior à era do conhecimento, a internet veio para mudar a vida de pessoas comuns, seus hábitos, suas visões de mundo. E isso o longa do realizador português mostra com perfeição. Tudo começa quando uma multinacional espanhola, dona de uma marca internacional, a Águas Altas, resolve disputar o domínio "aguasaltas.com", registrado pela aldeia portuguesa (coincidentemente, de mesmo nome). A briga pelo endereço na World Wide Web subitamente se transforma em questão nacional, envolvendo o primeiro-ministro e atentando contra a soberania de Portugal. Os espanhóis, claro, não deixam por menos e ameaçam retaliar com um exército de advogados corporativos. Enquanto isso, a vida na aldeia se transforma, o povo de Águas Altas alcança, enfim, a globalização e seus pequenos problemas, de repente, repercutem no mundo todo. Luís Galvão Teles é bastante hábil em não converter a questão num tratado sociológico, nem numa discussão acadêmica chatíssima. Com muita graça, contando a simples história dos aldeões, e sua inserção atribulada na WWW, exemplifica (em vez de debater) e termina produzindo um filme que também se sustenta por si — tendo a internet como pano de fundo. O público brasileiro, certamente, vai se identificar, pois em Dot.com estão retratados os mesmos dramas (e as mesmas personagens) das pequenas cidades do interior do nosso País. E a VideoFilmes, dos irmãos Moreira Salles, mais uma vez acerta em trazer esta produção de Luís Galvão Teles, permitindo que ele estréie, de forma inédita, no Brasil.
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Dot.com |
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SENHORA DOS AFOGADOS, POR ANTUNES FILHO
Não é uma obra-prima a montagem de Senhora dos Afogados, de Nélson Rodrigues, por Antunes Filho — mas é, como diria Paulo Francis, provavelmente o melhor Nélson disponível, sendo, talvez, Antunes Filho, quase octogenário, a última reserva do teatro brasileiro. Como afirmava e reafirmava o mesmo Francis, o texto é de grande poesia — para ele, a maior em Nélson (mas, possivelmente, não maior do que em Álbum de Família) —, Antunes Filho e o Grupo Macunaíma, porém, acrescentaram trechos, criando seqüências inteiras, às vezes alongando cenas, já que o público da televisão (majoritário, ainda hoje) talvez não suporte a tragicidade plena, os desvios comportamentais incuráveis e o destino impiedoso na história da família Drummond. Ler Senhora dos Afogados — como ler as maiores obras-primas de Nélson Rodrigues para teatro — é uma experiência brutal, para quem justamente tem sensibilidade literária — mas, hoje, os espectadores, mesmo no cinema, não suportam a tragédia sem concessões, guardando um riso de canto de boca, para o momento da abertura à comédia, transformando o sério em ridículo e suspendendo toda a gravidade. Nos estertores do pós-modernismo, "tudo é relativo" e nada pode ser completamente "sem saída" — mesmo Nélson Rodrigues; e Antunes Filho, nesta montagem, não foge disso. O núcleo da família Drummond, obviamente, está bem representado, com destaque para a filha remanescente, entre uma mãe corretamente hipnotizada (por vezes, um pouco sonsa) e um pai distante (em algumas situações, um pouco robótico). Rindo na hora errada (é para rir em alguma hora?) e jamais relacionando o que acontece com o seu próprio inconsciente (Nélson tem soado apenas exótico, ultimamente), o público deve ter sustentado a temporada mas não está à altura de um clássico Antunes Filho. Ainda há tempo, contudo, para revisitar Nélson Rodrigues, segundo um de seus mais ardentes representantes.
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Senhora dos Afogados |
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QUARTETO SZYMANOWSKI NO TEATRO ALFA
Abriu com o Classicismo Vienense de Haydn, a primeira noite do Quarteto Szymanowski, no Teatro Alfa em meados de junho, dentro da Temporada 2008 do Mozarteum Brasileiro. O Quarteto de cordas nš 67, em fá maior, op. 77, nš 2, Hob.III: 82, executado corretamente, exemplificou bem a herança do Barroco, enquanto anunciava já um pouco do Romantismo (Haydn foi professor do jovem Beethoven). Se no primeiro, segundo e até terceiro movimentos o diálogo, ou até o contraponto, de um solista (geralmente o violino) com o conjunto era grande, por vezes desafiador (inclusive o cello), no quarto, e último, movimento, os ânimos se exaltaram, trocando o fraseado, e mesmo o virtuosismo, por algum barulho, se podemos assim dizer, e verdadeiros golpes de percussão, da haste nas cordas, encerrando em aparente caos e confusão. Já Karol Maciej Szymanowski, com seu Quarteto de cordas nš 2, op. 56, de 1927 — obviamente uma homenagem às origens do ensemble, em Varsóvia, nos anos 90 — serviu como um intervalo contemporâneo durante a apresentação. Entre tenso, desesperado, melancólico e até cinematográfico nas imagens, chamou a atenção mas não se sabe se alcançou, aqui, compreensão plena. Schubert, por sua vez, com o Quarteto de cordas nš 14, em ré menor, D 810 "A Morte e a Donzela" foi, compensando tudo, um dos grandes momentos desta Temporada 2008 (que ainda não chegou no meio). Se Haydn foi alegre e divertido, como seu pupilo Mozart, Schubert foi denso, meditativo, exigindo o máximo dos executantes, até para justificar a fama de "o mais poeta entre os músicos", segundo Liszt. O Quarteto Szymanowski esteve não menos que preciso, bastante vigoroso, mas também sutil e delicado, quando necessário — perfeito nas variações do longo e conhecido segundo movimento. A reflexão voltou no terceiro e o quarto finalizou com velocidade, sacrificando o cello e dispersando-se em zumbidos pelo ar. A Morte e a Donzela justificou, novamente, a fama que tem. E o Mozarteum justificou, como sempre, sua Temporada.
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Mozarteum Brasileiro |
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Julio Daio Borges
Editor |
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