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Sexta-feira, 26/9/2008
Digestivo nº 383

Julio Daio Borges

>>> LOS HERMANOS NA FUNDIÇÃO PROGRESSO Nem parece que se passou mais de um ano do último show do Los Hermanos, parece que se passou muito mais. Como se aquela ingenuidade universitária, presente na derradeira utopia do rock BR, houvesse se dissipado na maturidade adulta — que conduziu Marcelo Camelo para seu trabalho solo de MPB, Sou, e Rodrigo Amarante, para experiências como a da Orquestra Imperial, com samba. Adeus, fase do grupo — agora é cada um por si, trilhando seu próprio caminho, sem parâmetros, sem referências, sem certezas. Crescer dói; é sofrido; deixa marcas. Se apoiar nos outros é mais fácil; fugir dos questionamentos, bem mais cômodo; adiar as responsabilidades, uma falsa garantia de felicidade. Ouvir e assistir Na Fundição Progresso, em CD e DVD, é uma constatação da alegria que passou, e que não pode ser mais. O Los Hermanos interrompeu suas atividades na hora certa, de maneira honesta — sem manter um rock na cadeira de rodas, sem apelar para frouxos revivals de almanaque, sem morrer de overdose ou fritar o cérebro nas drogas. Em resumo: uma história tão diferente das outras que as pessoas até estranham: "Eles não brigaram? Não se acidentaram? Faliram ou caíram de moda?" Não — apenas perceberam que o rock, parafraseando uma declaração de Chico Buarque sobre a música popular, é coisa para uma certa época da vida; depois, passa. Na Fundição Progresso é, portanto, a despedida digna de quem quer continuar se desenvolvendo, musicalmente, levando nosso cancioneiro adiante — mesmo que isso signifique desmanchar uma das bandas mais interessantes dos últimos tempos... o Los Hermanos.
>>> Los Hermanos na Fundição Progresso
 
>>> CRUEL, DE DEBORAH COLKER Já faz algum tempo que a "diretora de movimento" Deborah Colker se mostra preocupada com o desejo, com a natureza humana e até com a crueldade do amor, em entrevistas. Quase na fronteira entre os 40 e os 50 anos, ela, de repente, percebeu que — como o Vinicius de Moraes descrito por Ruy Castro — não se pode recuar diante da vida, e que "ela é muito perigosa para quem tem paixão". Cruel, o nono espetáculo da companhia que leva seu nome, e que passou pelo Teatro Alfa em setembro, ilustra, em forma de dança, as atuais preocupações da coreógrafa. Desde o "baile", a abertura onde os casais se encontram e se formam, passando pela "família", quando uma mesa intermedeia os conflitos (com rumores, diria Pedro Paulo de Sena Madureira, de facas), até a "revelação", de onde "emergem troncos, braços e pernas", evocando, finalmente, o desejo, as partes do corpo, a orgia no seu sentido mais amplo. O "baile", como o próprio nome já diz, é o que há de mais dançante, enfeitado com o globo de Gringo Cardia, e com toques até de música clássica barroca e romântica. A "família" retoma as características que fizeram de Colker uma representante do circo, das acrobacias, da "volta" à força física, com um fundo pesado de música eletrônica. Já "revelação" tenta, através de um grupo de espelhos giratórios, uma reconciliação com o corpo, com o aspecto fragmentário do desejo e com a "festa" da variedade humana. Um dos destaques fica para a trilha sonora, de Kassin e Berna Ceppas, preenchendo Cruel com a emoção que se quer passar através da história. Se antes era ignorada pelo circuito, hoje Deborah Colker coreografa para até o Cirque de Soleil (em novo espetáculo que estréia em 2009) — Cruel, portanto, é mais uma oportunidade de conhecer essa carioca que deve voar cada vez mais longe.
>>> Teatro Alfa
 
>>> LEIF OVE ANDSNES NA TEMPORADA 2008 DO MOZARTEUM Dante Pignatari, um dos mais rigorosos locutores da rádio Cultura FM, reverenciava, solenemente, Leif Ove Andsnes interpretando Schubert. Embora seja um "intérprete eloqüente" de uma variedade perturbadora de compositores, segundo o New York Times, Andsnes dedicou a Schubert uma série de CDs — desde as sonatas, a partir do início dos anos 2000, até o ciclo Winterreise, com Ian Bostridge (recentemente um de seus discos mais premiados). Norueguês, se notabilizou, igualmente, por ser um grande intérprete de Edvard Grieg — o herói de seu país, cujo centenário da morte mereceu, de Andsnes, um CD e um DVD. Sem medo das orquestras, encarou, freqüentemente, o desafio dos concertos para piano de Rachmaninoff, que enlouqueceram muitos performers (como mostra, literalmente, Geoffrey Rush no longa, mediano, Shine). E, como não poderia deixar de ser, Andsnes ainda leva jeito para a música de câmara, e registrou, nos últimos tempos, quintetos de Brahms e Schumann, ao lado do Artemis Quartet. Uma trajetória impressionante para quem nasceu em 1970, está há 15 anos sob a proteção da EMI, e tem uma agenda movimentada a ponto de fazer Glenn Gould desistir de abrir o piano só de espiar a lista, interminável, de grandes cidades. Brincadeiras à parte, é sempre um privilégio ter Leif Ove Andsnes entre nós — um artista com, ao mesmo tempo, "poder e personalidade", segundo o Financial Times. Desta vez, além do sempre inevitável Schubert (com a Sonata para piano no. 19, em dó menor, D 958), teremos a mais que conhecida Sonata para piano, em dó sustenido menor, op. 27, no. 2, "ao luar", de Ludwig van Beethoven. Completam o programa as peças de Quadros de uma exposição, de Modest Mussorgsky. E, depois de descobrir e redescobrir Leif Ove Andsnes nos especiais de Dante Pignatari, na Cultura FM, parece que ficamos esperando por ele muitos anos — mas ele, enfim, chegou.
>>> Mozarteum Brasileiro
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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