Sexta-feira,
10/10/2008
Digestivo nº 384
Julio
Daio Borges
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FLORES AZUIS, DE CAROLA SAAVEDRA
Não tem sido exagerada a recepção positiva ao novo livro de Carola Saavedra, Flores Azuis. Assim como Longe da água foi um turning point para Michel Laub, Flores Azuis deve representar a mesma coisa para essa escritora e tradutora que nasceu no Chile. Ao contrário dos amores quase infantis da maioria dos jovens autores, a história do romance de Saavedra é madura, falando em casamento e, principalmente, em separação. Construído através da alternância de dois tipos de registro — o que, naturalmente, já não é simples —, uma carta em primeira pessoa e uma narrativa em terceira pessoa, Saavedra ousa mais ainda, alternando, como se não bastasse, as vozes feminina e masculina. E se a literatura feminina das atuais aspirantes era desinteressante, com cenas passadas em cozinhas e repetitivos pastiches de Clarice, a feminilidade de Saavedra justamente nos comove pela fala de sua missivista, atordoando e envolvendo, como só uma mulher de verdade faria. E se a "literatura masculina" dos candidatos brasileiros a beatnik era praticamente palavrões, diatribes contra o mundo e revelações sobre o próprio oblívio, o personagem de Saavedra é supreendentemente frágil, complexo e subjetivo, como só um homem de verdade, hoje, seria. Flores Azuis não é uma obra-prima em matéria de linguagem, mas tem lá a sua carga de poesia — o que pode ensinar a nossos obcecados por Ulisses que, inicialmente, é mais importante ser compreendido, para, mais adiante, quem sabe, perder-se em delírios ao redor do umbigo. Na realidade, Flores Azuis, de Carola Saavedra, é tão bem realizado, como livro, que nem mereceria a comparação com seus contemporâneos (nem mesmo por contraste). Para o leitor leigo, junto com Contardo Calligaris, é uma das melhores surpresas de 2008.
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Flores Azuis |
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SOU, DE MARCELO CAMELO
A espera terminou. Se o final do Los Hermanos deixou um vácuo, não só no rock brasileiro, mas na música brasileira contemporânea, as anunciadas carreiras solo de Camelo e Amarante geraram muita expectativa em fãs curiosos. O disco Sou de Marcelo Camelo, assim como o Little Joy (a nova banda de Rodrigo Amarante; com faixas já disponíveis), traz, porém, mais dúvidas do que certezas — afinal, são trabalhos de transição, como se ambos os artistas tivessem começado de novo. Portanto, não há como emitir juízos definitivos agora; apenas observar e especular sobre o que poderá, num futuro, se consolidar. Sou é uma espécie de continuação de 4, o último dos Hermanos em estúdio. Se no álbum da banda, surgia o contraste entre o elétrico e o acústico, em Sou fica claro que a opção de Camelo era mesmo pela MPB e pelo que se chama, atualmente, de novo folk. Se a primeira faixa é uma homenagem aos tempos do grupo, com uma introdução relativamente pesada e instrumental, não é representativa do restante da obra. Camelo evoca, novamente, Qualquer Coisa (1975), de Caetano Veloso, em "Passeando", e, quase sem querer, Devendra Banhart, em "Janta", como uma Mallu Magalhães que é 100% CocoRosie. "Mais Tarde" poderia caber num quinto disco do Los Hermanos e "Menina Bordada" seria um hit instantâneo se o rádio, como mídia, não estivesse morto. Dominguinhos confirma as intenções sérias do rapaz, assim como Clara Sverner, mas ainda pesam as conexões com o passado em "Santa Chuva" (embora só Maria Rita a tenha gravado antes). Com pinta de demo tape, Sou talvez se revele melhor no show. Por enquanto, é Marcelo Camelo tocando de si para si, e ponto.
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Sou |
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JUNO, DE DIABLO CODY
Pôr em destaque a adolescência foi importante no final dos anos 80 e no início dos 90 — e está aí a comemoração do slogan do "primeiro sutiã", em livro, para confirmar —, pois era interessante "aparelhar" esse novo consumidor que então surgia. Agora, enfatizar essa fase, em plenos anos 2000, além de ser notícia velha de jornal (pleonasmo redundante?), congela a temática por mais uma década, sendo que esse veio já se esgotou faz anos. Juno, consagrado como "independente", é um tipo de filme que insiste nesse cacoete — como direi? — "adolescente", sem nenhuma novidade, ainda mais no país das meninas-mães, com uma protagonista estilo Mafalda (mais antiga que os mesmos anos 80) e com um coadjuvante estilo Beavis & Butt-Head ou, pior, Wayne's World (e, aqui, vale o título, Quanto mais idiota, melhor...). Alguém precisaria avisar os distribuidores e, principalmente, os entusiastas da fita que a moda do VJ Thunderbird já passou (até para Globo), que a MTV virou commodity (até nos Estados Unidos) e que "a primeira transa" não é mais pauta nem na revista Capricho (a da "gatinha", miau). Como se não bastasse, Juno é um péssimo exemplo, colocando, em primeiro plano, uma família desestruturada (ou duas, ou três), onde fracassados, ou losers, reinam absolutos, deixando que uma adolescente — que não sabe nem por que ficou grávida, nem por que resolveu ter o bebê e nem por que decidiu dá-lo (depois) — comanda o show. Claro que adolescente nenhum segue o exemplo de ninguém (o que talvez, em Juno, seja bom — como contra-exemplo), mas os pais, muitas vezes, seguem, e as pedagogas e os psicólogos, igualmente, seguem. Não se trata, contudo, de moralismo — se Juno fosse um grande filme, tudo estaria perdoado, mas é apenas bobinho e não merece a atenção que tem recebido.
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Juno |
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Julio Daio Borges
Editor |
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