Sexta-feira,
24/10/2008
Digestivo nº 386
Julio
Daio Borges
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UM NOBEL PARA PAUL KRUGMAN
Se, nos nossos tempos, a cultura é reativa, preenchendo espaços onde os deixam vagos, a economia é ativa, assumindo sempre o papel de protagonista, explicando não só a atividade humana, mas produzindo crises e projetando (ou não) o futuro. Ninguém tem notícia de uma debacle cultural recente — talvez a televisão (ou qualquer outra "mídia de massas") —, mas o presente cataclismo econômico, para além de produzir um mal-estar entre seres pensantes, pode nos reconduzir à barbárie (e, não, no sentido figurado), extinguir en passant a humanidade e, quem sabe, até inutilizar o planeta para as baratas. Por isso, a importância de um Paul Krugman, alguém que, transcendendo o "economês" televisivo (e radiofônico) típico do Brasil, traduz a realidade usando chaves econômicas, dominando a matéria, mas, também, a língua, numa quase tradição humanística perdida — quando os humanistas, se é que eles ainda existem, se perderam em "ismos", não se recuperaram jamais do Muro de Berlim e acreditam conseguir explicar o momento histórico sem as ciências exatas ou até mesmo sem as ciências... O fato político de combater Bush foi importante, sim — algo que hoje não impressiona ("chutar cachorro morto"), mas que tem seu lado visionário, nas batalhas da época da "exuberância", que Krugman, como poucos, detectou (e denunciou). Como se disse muito por aí, é um dos poucos prêmios Nobel que a audiência, exatamente, sabe para quem foi. Enfim, uma personalidade com estofo — não um acadêmico mal barbeado, nem um arrivista de reality show. O século XXI precisava começar a reconhecer seus heróis.
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Paul Krugman |
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CARTAS, DE ANTÔNIO VIEIRA
Pouca gente leu o Imperador da Língua — Fernando Pessoa, por exemplo, leu. Mas, no Brasil, parece que menos gente ainda leu o Padre Vieira. Os Sermões ficaram famosos nas aulas de literatura, afinal, estamos falando do maior escritor do barroco brasileiro, mas suas últimas edições não fizeram o estardalhaço que deveriam e — na onda de Deus, um delírio — alguém pode ficar meio desconfiado de ler, justamente, um sermão... O importante, nessas horas, é lembrar Ariano Suassuna, que afirmou ler Euclides da Cunha não por seus erros em ciência e sociologia, mas pela beleza de estilo. Suassuna acrescentou, ainda, que preferia o nosso Euclides a Gilberto Freyre — que, efetivamente, "acertava" mais, porém, esteticamente, interessava menos. As Cartas, de Vieira, que a editora Globo agora lança, com prefácio de Alcir Pécora, podem servir, portanto, de "segunda chance", para quem se interessou pelo Padre nas aulas de literatura (ou nos versos de Pessoa), tentou os Sermões, mas, por conta do zeitgeist, não mergulhou no estilo do jesuíta. As cartas, propriamente ditas, são quase — o que chamaríamos hoje de — "cartas comerciais", relatórios, prestações de contas, a começar pela primeira: quando Vieira, impressionando seus superiores já aos 16 anos, redigiu, de próprio punho, uma longa carta sobre os feitos da Companhia de Jesus na colônia. Felizmente, para nós, mesmo quando tentava soar objetivo (se essa expressão, aliás, existisse), Vieira se derramava, "se colocava" sempre e compunha painéis vastíssimos. "Imperadores", como ele, nascem só um a cada século. Vale a pena, portanto, abandonar os soldados rasos da literatura contemporânea e cavalgar, altivamente, no estilo do Padre, que balançou, até, o "moderno" Pessoa.
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Cartas de Antônio Vieira |
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FAROFA MODERNA, DE VAGNER PITTA
"Entendidos" em música, no Brasil, são simplesmente aqueles que ouviram rock até os anos 70 e acham que impressionam alguém por percorrer discografias de mortos-vivos como Rolling Stones, Pink Floyd e Led Zeppelin. Ou, então, aqueles que pensam que "música brasileira" se resume a MPB até os anos 60, e se jactam de haver ouvido algumas fases "experimentais" de Chico e Caetano. Por sorte, música é muito mais que isso, mas, lamentavelmente, somos reféns desse pessoal, que faz a "curadoria" das produções contemporâneas, limita o alcance da programação das rádios, e pauta, para completar, a cobertura de jornais e revistas. Quem não quer ser prisioneiro só de algumas décadas de música, no Brasil e no mundo anglo-saxão, é convidado a explorar a internet, que, com todos os ataques do mainstream e das majors, sempre foi mais interessante que o establishment. E, entendendo mais que a média dos "entendidos" em música no Brasil, Vagner Pitta comanda o podcast Farofa Moderna. Nos seus programas, estamos temporariamente livres dos velhos clichês sobre a presença da guitarra elétrica no Tropicalismo, do minimalismo na estrutura da bossa nova e do fim da ditadura militar no rock BR. Crescendo em meio a tanta adversidade sonora, é quase milagroso que Vagner Pitta tenha formado um gosto além do padrão, escolhendo repertórios aparentemente ousados e se dando ao luxo, ainda, de se lançar em pormenorizadas explanações. O locutor de Farofa Moderna só precisa melhorar a pronúncia de algumas palavras estrangeiras, mas o resto é música como não se toca mais.
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Farofa Moderna |
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Julio Daio Borges
Editor |
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