Sexta-feira,
12/12/2008
Digestivo nº 393
Julio
Daio Borges
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O BANHEIRO DO PAPA
O Banheiro do Papa, por mais curioso que pareça o título, é sobre empreendedorismo à latino-americana... Quando uma cidade fronteiriça do Uruguai se prepara para receber o Santíssimo — e seus vizinhos brasileiros —, armando barracas de comes e bebes ao longo da avenida principal. O protagonista, um iconoclasta ou um insensato (como preferirem), decide instalar um banheiro — não para o Santíssimo, como sugere o título, mas para seus fiéis aguardadíssimos. A América Latina, em meio à atual crise, tem servido de inspiração para os países desenvolvidos (dizem...), afinal vive em crise permanentemente desde a colonização. Menos para China (que vê em toda crise uma oportunidade) do que para Argentina (que vê em toda oportunidade uma crise), a América Latina pode até entender de confusão na economia, de eterno subdesenvolvimento e de tragédias sociais, mas será que entende, igualmente, de empreendedorismo, de empresas e de empreendimentos? O filme é impiedoso na sua conclusão. Baseados unicamente no sensacionalismo da TV local, o povo da cidadezinha se lança de cabeça, sem pesquisa, nem planejamento, e se pautando mais pela emoção do que pelo cálculo. Fora os problemas pessoais. Nosso protagonista — o do banheiro do Santíssimo — é mau pai, péssimo marido, de honestidade assaz duvidosa e com um fraco para a bebida. A pobreza compromete, igualmente, o caráter, ou um caráter malformado arruína qualquer iniciativa? O Banheiro do Papa tem seus momentos engraçados, na opção pelo gênero tragicômico, mas não salva a América Latina da crise sem fim, nem o Brasil.
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O Banheiro do Papa |
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OS AXIOMAS DE ZURIQUE, DE MAX GUNTHER
Best-seller no Brasil desde antes da debacle dos mercados, Os Axiomas de Zurique é um manual bem-humorado para todo e qualquer tempo, afinal foi escrito depois da crise dos 80 e publicado originalmente em 1985. Por mais que investimentos em ações estejam meio fora de moda — com as bolsas desabando dia sim, dia sim —, os Axiomas têm uma aplicação também no reino das finanças pessoais e, como todo arrasa-quarteirão de livraria, embute ainda conselhos de vida. Max Gunther, descendente de um dos formuladores dos Axiomas, parte do princípio que, de dinheiro, os suíços devem entender, pois seu país não é pródigo em riquezas naturais, não se destaca por nenhuma invenção ou especial aptidão, mas abriga bancos de reputação internacional e fortunas de monta. Os Axiomas são sucintos e, apesar das explicações de Gunther, podem ser resumidos assim... Risco, como stress, faz parte da vida — e investir é especular, sempre (não se iluda). Ao contrário dos personagens de O Jogador, de Dostoiévski, é fundamental saber quando parar. Algumas empreitadas não têm mesmo salvação, abandone-as na primeira oportunidade. E fuja de quem consegue prever ou "padronizar" o futuro; não seja "apegado", para não afundar junto. Cultive, sim, um certo feeling, mas saiba que Deus não vai te ajudar a prosperar. Espere pelo melhor, mas planeje-se para o pior. Consenso e unanimidade, geralmente, são só burros, muito burros. Não insista no erro e lembre-se do velho e bom Keynes: no longuíssimo prazo, estaremos todos mortos, todos. Max Gunther pode não ser um literato em questões de estilo, mas seus Axiomas valem a sentada, até porque são apenas 150 (e poucas) páginas.
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Os Axiomas de Zurique |
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MONTEIRO LOBATO EDITOR
João Luís Ceccantini, em ensaio para Monteiro Lobato Livro a Livro (com organização de Marisa Lajolo e dele próprio), evoca o Lobato editor e ele merece ser lembrado mesmo em tempos de e-book. "Ah, fui um editor revolucionário", declararia o próprio, em retrospecto, depois. E foi. Aproveitando-se, inicialmente, da polêmica por conta de artigos de sua lavra no velho Estado de S. Paulo, tomaria emprestada a gráfica do mesmo para imprimir sua coletânea de lendas sobre o saci, enviadas pelos leitores do jornal numa campanha, e, em seguida, emplacaria Urupês, o primeiro best-seller de sua autoria, consolidando a figura do jeca-tatu. Na seqüência viriam, para arrebentar, as Reinações de Narizinho, sua longa incursão pela literatura infantil, e um sucesso atrás do outro, até a crise, a de 29 (nossa aparentada, agora). Lobato abandonaria as capas tipográficas de influência francesa, com fundo amarelo, e ilustraria os livros brasileiros que só tinham, antes dele, letras. Horrorizaria os puristas com propagandas, para baixar o custo de impressão, e transformaria desde farmácias até açougues em pontos-de-venda, quando as livrarias mesmo eram escassas no País. Elevaria, nesse esforço, as tiragens de algumas centenas para vários milhares, batendo recordes históricos. Para complementar, concluiria: "Nosso gosto era lançar nomes novos, exatamente o contrário dos velhos editores que só queriam saber de 'consagrados'". (Qualquer semelhança com quem aposta, hoje, na nova geração, em vez de apostar nas múmias de outrora, não é mera coincidência...) Monteiro Lobato Livro a Livro foca, justamente, na obra infantil do polemista, agitador e empreendedor cultural. O editor, contudo, salta, e faz falta, em meio ao marasmo editorial. Quem sabe o e-book, justamente, não virá para inspirar novos Lobatos?
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Monteiro Lobato por Emanoel Felipe |
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Monteiro Lobato Livro a Livro |
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Julio Daio Borges
Editor |
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