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Sexta-feira, 26/12/2008
Digestivo nº 395

Julio Daio Borges

>>> O MUNDO PÓS-AMERICANO, DE FAREED ZAKARIA O Mundo Pós-Americano é o must-read da estação. Se tiver de escolher um volume para acompanhar nos recessos de final de ano, ele deve ser o livro de Fareed Zakaria, sem hesitação. Além de ter sido o livro de cabeceira de Barack Obama durante a eleição, Zakaria conseguiu antecipar a virada pela qual estamos passando agora — neste momento agudo de crise —, onde o Brasil e "emergentes" como a China e a Índia ganham relevo, sem discussão. Zakaria nasceu na Índia, mas ascendeu nos Estados Unidos, tendo chegado a editor da Newsweek Internacional e a apresentador da CNN — logo, embora nutra uma simpatia natural pelo seu país de origem, quer que os EUA consigam se reerguer como superpotência mundial. Portanto, ainda que o título do livro aponte para uma planeta "pós"-Estados Unidos, a grande tese de Zakaria não é sobre a debacle dos EUA, como potência, mas, sim, sobre o que ele chama de "a ascensão do resto". Qualquer semelhança com o discurso multipolar de Obama não é mera coincidência. Afinal, como diz aquele adágio — já popular — "os Estados Unidos da América globalizaram o mundo, mas esqueceram de globalizar-se a si próprios"... Zakaria abre com a mudança de eixo no globo, do Ocidente para o Oriente, analisa as principais "antagonistas" dos EUA — China e Índia — e conclui com algo que Hillary Clinton sintetizou em sua posse como Secretária de Estado: o mundo não pode prescindir dos Estados Unidos tanto quanto os Estados Unidos não pode prescindir do mundo hoje. Escritor por um jornalista, com o mínimo de erudição de quem ambiciona o respeito de um historiador, O Mundo Pós-Americano é prazeirosamente legível e riquíssimo em informações — em resumo, um guia para quem quer conhecer "o mundo em que vive", como diria Paulo Francis.
>>> O Mundo Pós-Americano
 
>>> VICKY CRISTINA BARCELONA, DE WOODY ALLEN No embalo do sucesso de Vicky Cristina Barcelona, a prefeitura do Rio de Janeiro quer convidar Woody Allen, para usar a cidade maravilhosa como cenário em um de seus longas, daqui a dois anos. Pode parecer factível, visto que o cineasta norte-americano tem a agenda livre para 2010, e que a prefeitura de Barcelona (junto com o governo da Catalunha) efetivamente injetara(m) 10% da verba do orçamento de Vicky Cristina, mas, artisticamente falando, não faz o menor sentido, porque — para começar — o Brasil não tem nenhum Pedro Almodóvar. Vicky Cristina Barcelona é, conforme a crítica apontou, um diálogo bem construído entre o universo nova-iorquino de Allen e o mundo espanhol de Almodóvar. Desde os atores, Javier "Carne Trêmula" Bardem e Penélope "Volver" Cruz até a tragédia que encontra a comédia, a aventura que encontra os excessos e a racionalidade que cede aos apelos da paixão. Scarlett "Cristina" Johansson — a musa sexy, já há três longas, do diretor (1 e 2) — faz, justamente, a ponte entre a existência altamente estruturada de sua amiga Vicky e ao caos existencial de Javier "Juan Antonio" Bardem e sua problemática musa, Penélope "María Elena" Cruz. O filme funciona porque o diálogo efetivamente acontece, entre as duas cinematografias — o que está longe de ocorrer entre Nova York e o Rio, em matéria de sétima arte contemporânea. A não ser que Woody Allen puxe por, sei lá, Carmen Miranda... Glauber Rocha — se vivo fosse — poderia se converter numa opção, mas não seus atuais colegas de Cinema Novo — que: ou já passaram da idade; ou se renderam aos apelos da televisão; ou, tout simplement, abandonaram o metier. O Rio de Janeiro não vai morrer se não tiver sua obra-prima nova-iorquina em película. Vicky Cristina parece naturalíssimo, mas só foi possível porque a Espanha, de alguma forma, "investiu" em cinema nas últimas décadas; o Brasil, nem tanto. Assisti-lo — e deleitar-se com ele — é menos risco, por enquanto.
>>> Vicky Cristina Barcelona
 
>>> O SUPLÍCIO DO PAPAI NOEL, POR CLAUDE LÉVI-STRAUSS Papai Noel nem sempre foi essa unanimidade que todos bem conhecemos. Em meados do século passado, em Dijon na França, ele foi incinerado por um grupo de padres, na frente de um orfanato, numa tentativa, extrema, de banir esse símbolo do Natal, então associado ao consumismo norte-americano. Como se sabe, a igreja perdeu mais essa batalha e Papai Noel ressuscitou, dias depois, na prefeitura da mesma cidade, em todo seu esplendor, sem nenhum arranhão. Quem nos lembra desse episódio hoje cômico, ontem lamentável, é Claude Lévi-Strauss num ensaio que usa o Papai Noel como tema, recém-editado pela Cosac Naify. A imagem do bom velhinho se consagrou no mundo inteiro não porque os Estados Unidos fossem superpoderosos, mas simplesmente porque, como mito, ele conseguiu galvanizar lendas, desde as indígenas — nas aldeias que presenteavam suas crianças — até as do Império Romano — nas festas em homenagem a Saturno em dezembro —, passando pela árvore mágica associada ao Rei Artur e pelo fausto dos monarcas, em seu manto vermelho e em suas peles para proteção. Lévi-Strauss ficou conhecido, entre nós, por conta de Tristes Trópicos e por sua passagem pela USP, no momento de sua fundação, mas a editora de O Suplício do Papai Noel nos relembra que o célebre antropólogo completou 100 anos — isso mesmo — no último 28 de novembro. Nos aniversários redondos da Universidade de São Paulo, ele é sempre convocado para rememorar seus feitos como professor e suas expedições entre os silvícolas. Lévi-Strauss demonstrou — neste pequeno livro, de novo — que entender a alma selvagem é entender a alma da civilização, a alma do mundo, ponto.
>>> O Suplício do Papai Noel
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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