Sexta-feira,
13/2/2009
Digestivo nº 402
Julio
Daio Borges
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ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, POR FERNANDO MEIRELLES
Chegou em DVD o filme mais superestimado do ano passado, no Brasil: Ensaio sobre a Cegueira, com direção de Fernando Meirelles. Não bastasse o superestimado prêmio Nobel concedido a José Saramago — quando Borges nunca recebeu, nem Fernando Pessoa, nem o nosso Drummond —, agora essa mesma "sacralidade" é atribuída a um longa que, internacionalmente, não foi unânime (tanto quanto gostariam) e a um diretor que, se não fosse brasileiro, não seria tão bajulado por aqui. Saramago, evidentemente, tem bons momentos, como até Millôr Fernandes já reconheceu, mas não merece toda essa aura de santidade de 1998 pra cá. Muito menos Fernando Meirelles e sua distopia em película que, no máximo, pode alcançar o grau de um sub-George "1984" Orwell ou de um sub-Aldous "Admirável Mundo Novo" Huxley. No nosso País, além do selo do Nobel, Saramago recebeu o selo da Companhia das Letras, a editora mais prestigiosa do nosso tempo, então ninguém ousa criticá-lo no mass media, embora todo o establishment literário saiba que seus últimos livros estão abaixo da média. Do mesmo jeito, Meirelles acertou a mão com Cidade de Deus, mas errou ao criticar Glauber Rocha em público, não foi unânime com O Jardineiro Fiel e, muito menos, agora, quando atingiu menos da metade das críticas favoráveis no balanço do Rotten Tomatoes e três notas zero (0.0) no mesmo júri de Cannes. Não há nada de errado em torcer pela própria pátria e pela própria língua, mas a consagração sem limites pode ser, também, uma das piores formas de cegueira coletiva.
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Ensaio sobre a Cegueira |
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O QUADRINHO EXTRAORDINÁRIO DE RAFAEL SICA
Apesar de ter tido passagens pela Folha de S. Paulo, de 2003 a 2006, e de ter publicado na breve revista F e no fanzine Tarja Preta, Rafael Sica parece que sobressaiu, recentemente, na Piauí, ornando alguns dos textos mais bem escritos do que restou do nosso jornalismo. Embora ele mesmo não acredite no embrulha-peixe: "Não conto com carreira em jornal. Isso não existe mais"; e sobre a inesgotável competição entre papel e Web, pontue sem medo de arrependimento: "A internet tem repercussão maior que jornal". Com menos de 30 anos, Sica é apontado como o mais influente quadrinista da nova geração. Já ganhou exposição em Porto Alegre (ele é de Pelotas/RS) e se prepara para lançar o primeiro livro, pela nova editora Barba Negra, uma dissidência da Desiderata (que ressuscitou, entre capas, o velho Pasquim). Sua produção pode ser conferida, amplamente, no blog Quadrinho Ordinário, que mantém atualizado desde 2007. Descende, claro, de Crumb e do grupo que fundou a revista Chiclete com Banana, nos anos 80, mas, além da acidez, do inconformismo e da veia cínica, que caracterizam toda a turma de Sica, ele reserva, para si, um lado de artista. Apesar do clima de fim de mundo (sempre tragicômico), da desilusão e, muitas vezes, da falta de saída, paira, de repente, um certo lirismo, uma epifania, e até uma certa poesia. Desenhar bem, todos desenham; passar a mensagem, todos passam — mas Sica faz arte; e isso nem todos conseguem fazer... Se a chamada Web 2.0 revelou Hugh MacLeod — seu maior tradutor em forma de rabiscos —, esperamos que a internet brasileira consagre Rafael Sica, permitindo-o viver dignamente de seu trabalho, afinal talentos como o dele não florescem todos os dias.
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Rafael Sica |
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CASA DO SABER NO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2009
Se à atual crise — ou ao seu impacto psicológico — pudéssemos atribuir, no Brasil, algo de bom, então o curso do professor Luiz Gonzaga Belluzzo, sobre John Maynard Keynes, na Casa do Saber, estaria no topo da lista. Nele, nosso também eminente economista vai percorrer desde a célebre crítica ao capitalismo (liberal) de Keynes até suas origens, como filósofo da moral, no grupo de Bloomsbury, passando pela carreira de funcionário público, pela formação como teórico monetário e pela independência como pensador. Puxando, ainda, pela realidade, neste semestre, igualmente, a Casa do Saber repete a bem-sucedida iniciativa do curso "Grandes Executivos", com mediação de Jair Ribeiro, Ana Maria Diniz e Luiz Felipe D'Avila. (Mesmo que permaneça a expectativa por uma nova edição do "Grandes Empreendedores"...) O professor Giacóia não economizará, como sempre, energia e pretende confrontar, desta vez, Espinosa e Hobbes. Já o sempre clássico Antonio Medina Rodrigues abordará nada mais nada menos que a Teogonia, de Hesíodo. Enquanto Renato Janine Ribeiro explorará temas "menos usuais" da filosofia. Ainda entre os destaques estará o curso de jazz, com Zuza Homem de Mello, e aquele voltado para a "alma da música negra", com Carlos Calado. Entre as estrelas, figuram, para completar, Laurentino Gomes, que falará sobre o Brasil Império (claro), até o nosso prefeito, Gilberto Kassab, que caberá no curso "Sampa", e, inclusive, o ascendente Daniel Daibem, que ensinará a "ouvir" jazz. Fora pratas da Casa, com suas especialidades: Agnaldo Farias (Arte Brasileira), Sergio Rizzo (Clássicos do Cinema) e Tereza Aline Pereira de Queiroz (variando com "Chocolate"). Ana Maria Bahiana, para encerrar, amplia seu leque com um especial sobre o Oscar e outro sobre a cinematografia norte-americana. E, mesmo com a crise nos puxando para a realidade mais chã, a Casa do Saber segue nos permitindo alçar vôos pelo conhecimento humano, com os heróis da nossa cultura e do humanismo à brasileira.
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Julio Daio Borges
Editor |
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