Sexta-feira,
20/2/2009
Digestivo nº 403
Julio
Daio Borges
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A MORTE DOS JORNAIS, NA TIME
Depois da Economist e da New Yorker, chegou a vez da revista Time matar os jornais. Agora, das semanais mais importantes do mundo, só falta a Newsweek atestar o óbito. Humor negro à parte, mais do que diagnosticar o fato em si, a Time, através de um texto respeitável de Walter Isaacson, procura, como nenhuma outra antes, saídas. Que as tiragens em banca vêm caindo, todo mundo já sabe; que o número de assinantes vêm caindo, idem; que a publicidade vêm caindo, quase todo mundo... Desde o final do ano passado, a crise vem acelerando a queda nas vendas de anúncios em papel. E, para complicar a migração para o "on-line", na internet também. Ou seja: os jornais não conseguiram nem se manter no velho modelo de negócios (de cobrar por informação) e nem migrar para o novo (que não "suporta" o peso de suas velhas redações). Isaacson, na contramão da história, conclui que a mídia atual não vai conseguir viver de anúncios on-line e que a única saída, para a sobrevivência do jornalismo (e dos jornalistas), é cobrar pela informação eletronicamente. Isaacson refaz a trajetória desde os portais de conteúdo fechado, como a AOL (que cobrava por tempo de acesso), e suspeita que o erro, das empresas jornalísticas, foi ter aderido à Web (à chamada "internet aberta") e ter minado, ainda na década de 1990, a cobrança on-line por informação. Isaacson e a Time depositam suas esperanças nos "micropagamentos" (aquém do PayPal) e no já alardeado "iPod de textos", que tanto pode ser o Kindle 2 quanto pode ser um novo iPod touch, com tela maior. Falta convencer Jeff Bezos e Steve Jobs, e bilhões de potenciais leitores eletrônicos, como o próprio Walter Isaacson, que hoje se sentem lesados quando têm de pagar por informação...
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How to Save Your Newspaper |
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JOÃO GILBERTO NA CASA DE CHICO PEREIRA
Mais de cinquenta anos depois, parece impossível que se pudesse ter, no meio da sala de estar, um dos maiores intérpretes do século XX, esbanjando arte e atendendo, inclusive, a pedidos dos convivas. Mas aconteceu; e com o, hoje, intocável João Gilberto. Graças a um providencial vazamento na internet, circulam, atualmente, registros — originalmente em gravador de rolo (pré-cassete) —, feitos por Chico Pereira, fotógrafo e capista da gravadora Odeon, com o inventor da batida da bossa nova, por volta de 1958, antes da eclosão do movimento. Talvez, para leigos, não seja uma audição user friendly, com muitas paradas, performances entrecortadas e conversas difíceis de se acompanhar. Mas, para aficionados, é um prato cheio. João cantando, por exemplo, "João Valentão" (Dorival Caymmi), "Louco" (Henrique de Almeida/ Wilson Batista) e "Chão de Estrelas" (Sílvio Caldas/ Orestes Barbosa). Nesta última, confessando, inclusive, o ineditismo da execução: "Nunca cantei. Nunca. Acho que, de tanto ouvir, acertei, mais ou menos, a letra..." Mais ou menos? Depois de "Doralice" (que gravaria), divide mais opiniões com a audiência (entre risos): "Caymmi é danado, né? Você vê que ele foi um rapaz sensível..." E quando questionado sobre o maior violonista daquele então (fora ele próprio), dispensa Baden Powell, pelo excesso de virtuosismo, e elege um enigmático "Jacob": "Que eu gosto, assim, é um rapaz de São Paulo... Formidável. Tem 20 anos". Por onde andará Jacob? Além das indefectíveis gravações que João logo eternizaria na sua estreia solo em disco, constam, ainda: "Preconceito", "Mágoa" e "Beija-me". São 38 trechos em MP3, contabilizando as conversas e as repetições. Consoante às atuais discussões sobre genialidade, e realizações humanas de estrondoso sucesso, é o gênio forjando, como disse Joyce, a consciência (musical) incriada de sua raça.
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João Gilberto na Casa de Chico Pereira |
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ANTOLOGIA POÉTICA, DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
No saldo de anos caindo nos vestibulares e nos "vestibulinhos" da vida, a Antologia poética de Drummond afugentou futuros leitores adultos, depois de tanta dissecação interpretativa, dada a mania, professoral, de querer entender o poema além da poesia. Mas os versos continuaram lá, imbatíveis: "Perdi o bonde e a esperança" ("Soneto da Esperança Perdida"); "José, para onde?" ("José"); "O tempo ainda é de fezes, maus poemas, alucinações e espera" ("A Flor e a Náusea"); "(...)a vida não se perdeu/ (...)o coração continua" ("Consolo na Praia"). A Antologia, organizada pelo próprio Drummond, não tem a pretensão de esgotar a própria obra, mas de apresentar, no tempo, uma trajetória poética que varreu, como poucas, o século XX. "Dentro de mim, bem no fundo,/ há reservas colossais de tempo" ("Idade Madura"); "Sinto que o tempo sobre mim abate/ sua mão pesada. Rugas, dentes, calva.../ Uma aceitação maior de tudo,/ e o medo de novas descobertas" ("Versos à Boca da Noite"). Drummond foi, à sua maneira, também filósofo. E psicólogo: "Só não quer que seu amor/ seja uma prisão de dois,/ um contrato, entre bocejos/ e quatro pés de chinelo" ("A Mesa"). Foi, ainda, cronista que escreveu em jornal, mas o que valia mesmo era um poema, entre capas, como "Canto ao Homem do Povo Charlie Chaplin": "Eis o tenebroso, o viúvo, o inconsolado,/ o corvo, o nunca-mais, o chegado muito tarde/ a um mundo muito velho". E foi poeta, mais do que tudo: "A literatura estragou tuas melhores horas de amor" ("Elegia 1938"). Amou, naturalmente: "Minha vida, nossas vidas/ formam um só diamante" ("Canção Amiga"). E zombou da existência: "O mundo não vale o mundo,/ meu bem" ("Cantiga de Enganar"). Foi, ainda, profético: "E como ficou chato ser moderno" ("Eterno"). Até sair de cena: "Ah, não me tragam originais" ("Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz"). A Antologia poética é seu testamento.
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Antologia poética |
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Julio Daio Borges
Editor |
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