Sexta-feira,
27/3/2009
Digestivo nº 408
Julio
Daio Borges
>>>
WAGNER EM BAYREUTH, DE FRIEDRICH NIETZSCHE
Foi em 1868 — outro ano que não terminou — que o orientalista Hermann Brockhaus promoveu um dos encontros mais importantes da história da cultura alemã, apresentando o jovem filólogo Friedrich Nietzsche ao já respeitado compositor de óperas Richard Wagner. "Ele corresponde a todas as minhas expectativas", registraria Nietzsche sobre Wagner. "Ele é o mais significativo de nossos amigos", registraria, pelo seu lado, Cosima Wagner, mulher do compositor, sobre Nietzsche. Equivalente ao encontro do consagrado Goethe com o jovem Schiller, as conversas entre Nietzsche e Wagner resultaram no conceito de "obra-de-arte total", do último, e em toda a relação entre vida e arte, que o primeiro elaboraria pela existência afora. Felizmente, para nós, restou Wagner em Bayreuth, o texto em que Nietzsche, subindo nos ombros de Wagner, reflete sobre a arte moderna e sobre como reconduzi-la ao seu ideal. Depois de ler, Wagner afirmaria: "Amigo! Seu livro é extraordinário! Como pôde aprender a me conhecer de tal modo?". Já no século XIX, Nietzsche desdenharia do público que procurava, na arte, apenas diversão. Seu ideal de arte, a tragédia grega, não era exatamente "um divertimento". Apoiando-se, justamente, no exemplo da mitologia grega, Wagner procuraria se inspirar nos mitos nascidos das tradições do povo alemão e levaria suas obras para um teatro novo, que teria de ser construído especialmente para tal — entre Berlim e Munique —, Bayreuth. Nietzsche queria que o homem moderno deixasse de ser um trabalhador "dócil e útil" — "entorpecido e embotado" pela diversão da arte moderna —, redescobrindo-se livre, para reconquistar sua natureza, através da criação de sentido para sua própria existência. Será que um teatro, um artista e um filósofo seriam capazes de tanto? A introdução de Anna Hartmann Cavalcanti não nos responde, mas nem precisaria, uma vez que nos conduz irresistivelmente à leitura Wagner em Bayreuth.
|
|
>>>
Wagner em Bayreuth |
|
>>>
BRAINSESSIONS, NA BRAINCAST TV
Cristiano Dias, ou Cris Dias como é mais conhecido, foi um dos poucos "pais fundadores" da blogosfera brasileira que conseguiu permanecer relevante ao longo dos anos 2000. Tendo despontado igualmente como programador, à frente do hoje extinto TopLinks, foi responsável pelo primeiro ranking da blogosfera brasileira, muito antes do BlogBlogs e antes mesmo do Technorati. Atualmente, mantém, como hobby, o único ranking da "twittosfera" em língua portuguesa, enquanto vive da sua empresa de hospedagem de sites, a Vilago. Ainda despeja, religiosamente, suas inquietações sobre a Rede no blog que leva o seu nome, ao mesmo tempo em que empreende com ninguém menos que Carlos Merigo, do blog (também referência) Brainstorm #9, nas áreas de áudio e vídeo. Foi assim, em sociedade, que eles mantiveram o podcast Braincast e, mais recentemente, investiram na Braincast TV. Mais ou menos no passo da internet, que começou com texto, assimilou imagens, despontou com áudio e explodiu com vídeo — graças à banda larga —, Cris Dias e Merigo querem se manter na vanguarda de produção para a Web. A TV do Braincast — um "videocast", na realidade — não perde para nenhum programa da nossa velha televisão e já trouxe personalidades internéticas como Marcelo Tas, Luli Radfahrer e Jean Boechat. Agora, por conta da inspiração do TED (entre outras), Cris Dias e Merigo criaram as Brainsessions — palestras de, no máximo, 15 minutos, com luminares e, obviamente, montes de insights. Da primeira edição, gravada no último dia 16, participaram Michel Lent e Rosana Hermann. A platéia, formada pelo "crème de la créme" da internet BR, conseguiu se divertir e se deleitar. Esperamos que aconteça o mesmo com o grande público e que as Brainsessions se mantenham como uma rara oportunidade de refletir sobre as nossas existências on-line.
|
|
>>>
Braincast TV |
|
>>>
LINHA DE PASSE, DE WALTER SALLES E DANIELA THOMAS
Que pena que vamos ter de desfazer a imagem de Walter Salles em Diários de Motocicleta, trocando seu Che "Gael" Guevara — mesmo que idílico — por motoqueiros de bem menor estirpe... O cinema brasileiro, infelizmente, vem se perdendo na "realidade", no seu desejo, impossível, de refleti-la e de converter-se em instrumento de "conscientização" (ainda hoje), para "transformar" a sociedade... Motoboys, candidatos a Ronaldinhos e crentes de igrejas evangélicas não viram o filme e nem irão vê-lo. Já "as elites" — apesar de ter essa opção — dificilmente vão "se sensibilizar" com um longa que, na melhor das hipóteses, incita a luta de classes, ensina a técnica do assalto sobre rodas e celebra a ética do mundo cão (condenando os personagens ao absurdo generalizado). Desde Cidade de Deus — um filme importante — vem prevalecendo, mais uma vez, a sociologia sobre a arte e o cinema se vale do panfletário, a fim de combater a indústria, mas termina nem tocando a realidade dos que procura retratar, nem despertando os bons sentimentos dos que poderiam melhorar esse quadro... Claro que a França vai premiar, desde o "exotismo" dos romances de Jorge Amado, que fascinaram os existencialistas, eles esperam que nós não tenhamos mudado muito, na nossa selvageria, na nossa violência (até amorosa), na nossa incurável barbárie. Walter Salles — talvez não querendo repetir a história do "Pixote", que, da realidade, o cinema não salvou — sente que tem uma dívida com Vinícius de Oliveira, o mesmo de Central do Brasil, e aí está ele, preso ao mito de que só o futebol salva... Depois que Lula chegou ao poder, não precisamos mais de uma elite com complexo de culpa, tentando reverter as mazelas sociais em tela grande. Elite, se assim o for, serve para pensar as grandes questões, para compor as grandes obras, para dar os saltos que os demais, justamente, não podem. Chega de fazer cinema sobre (e para) quem nem ao cinema vai.
|
|
>>>
Linha de Passe |
|
|
|
>>>
Julio Daio Borges
Editor |
|
|