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Sexta-feira, 25/9/2009
Digestivo nº 434

Julio Daio Borges

>>> INTERNET-MANIFEST.DE No rastro do reiterado Cluetrain Manifesto, e talvez respondendo ao anúncio de Rupert Murdoch — de acabar com a "festa da internet" (e retomar a cobrança pelo acesso a seus jornais na Web) —, 15 autores alemães lançaram, recentemente, um Internet Manifesto (na versão para o inglês de Jenna L. Brinnning). São 17 declarações que visam reforçar a importância do jornalismo que se desenvolveu na internet e que, na visão dos manifestantes, não deve "regredir" agora. Começam, por exemplo, declarando que "na internet é diferente": "A velha mídia precisa adaptar seus procedimentos à tecnologia mais recente, em vez de ignorá-la ou mesmo tentar superá-la". "Se as velhas empresas de mídia pretendem continuar existindo, elas precisam entender as novas demandas de seus consumidores e suas novas formas de comunicação", alerta a 3ª declaração. "Na internet a informação venceu", proclama a 5ª, enquanto assegura: "Indivíduos, hoje, podem se informar melhor do que nunca". Segundo a 7ª, "a internet exige [até pelo nome] trabalho em grupo": "Aqueles que não lincam devidamente, estão se excluindo da conversa e do discurso". Num hábil jogo de palavras, a 10ª constata que "a liberdade de imprensa de hoje se traduz em liberdade de expressão", pois "a internet borra as fronteiras entre profissionais e amadores". Também alerta a 12ª: "Tradição não é [mais] modelo de negócio". E a 14ª sugere que, na Web, funciona ainda outro tipo de economia: "A internet tem muitas moedas" [e, consequentemente, formas de remuneração]. A 16ª, uma das últimas, conclui que: "Só aqueles que forem excepcionais, e conquistarem a confiança da audiência, vão sobreviver no longo prazo". Lembrando, por fim, que: "a Web rearranjará todas as estruturas de mídia, transcendendo velhos limites e derrubando antigos oligopólios" (2ª declaração). Doc Searls e David Weinberger teriam feito muito diferente?
>>> Internet-Manifest.de
 
>>> PROJETO PIANO FORTE, COM BRAD MEHLDAU Brad Mehldau desembarcou condenando aqueles que "roubam música" (pela internet) nos jornais, mas foi extremamente cortês na sua apresentação no Sesc Santana, dentro da série Piano Forte, até arranhando algum português (como é praxe) — ainda que economizando no discurso, e esbanjando em música (como deve ser, na verdade). Para variar, ignorou o setlist, a lista de músicas fornecida pelo pessoal do teatro. Justamente, os pontos altos da apresentação foram "Samba e Amor", de Chico Buarque, "Bittersweet Symphony", do The Verve, e "Retrato em Branco e Preto", de Tom e Chico. A primeira possivelmente resultado da sua convivência, recente, com o músico brasileiro Chico Pinheiro, com quem gravou um disco. A segunda executada num crescendo, mais violento que o rock original; para se tornar irreconhecível, de tão desconstruída, a partir do meio; para, finalmente, voltar ao normal. E a terceira minimalista, talvez evocando seu artífice, mas, igualmente, revelando os truques do compositor — por aproximá-la, logo no início, de "Insensatez" (sua irmã na simplicidade aparente). Soundgarden não deu as caras, desta vez, e Radiohead não era mais a vedete de outras eras. "Mother Nature's Son", dos Beatles — tão anunciada nas nossas gazetas — também ficou para a próxima. E se Mehldau ataca rocks óbvios, do hit parade, para estripá-los em termos de improviso, prefere standards do jazz não tão óbvios (ou não tão óbvios hoje), como "On the street where you leave", de Jerome Kern — porque, naturalmente, os standards já foram virados do avesso, enquanto os rocks, nem sempre... Bastante introspectivo em todos os momentos, e sério em excesso, em alguns deles, Mehldau parecia combinar com o tom lúgubre de Nick Drake (em "Things behind the sun"), ao mesmo tempo em que transformava Brian Wilson, dos outrora alegres Beach Boys, num verdadeiro místico (em "God only knows"). Alguém precisava convidar Brad Mehldau todos os anos, para ajudar a recuperar a densidade perdida na nossa própria música...
>>> Brad Mehldau no Projeto Piano Forte
 
>>> CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA: MARIO QUINTANA Depois de completar mais de dez anos, passando por autores clássicos como Machado de Assis e Guimarães Rosa, contemporâneos como Ferreira Gullar e Millôr Fernandes, fora outros grandes dos séculos XIX e XX, como Euclides da Cunha e João Cabral de Melo Neto, os Cadernos de Literatura Brasileira, do Instituto Moreira Salles, acabam de lançar sua 25ª edição, inteira dedicada a Mario Quintana (1906-1994), talvez o poeta brasileiro mais popular dos 1900s. Embora não seja tão considerado quanto Drummond, mesmo Cabral ou Bandeira, sem contar Cecília Meireles, Murilo Mendes e Jorge de Lima, a obra de Quintana é de "rara legibilidade", nas palavras da "folha de rosto" do seu Caderno, "expandindo a recepção da poesia entre o grande público". No mesmo volume, Luis Fernando Verissimo conta que Quintana, amigo de seu pai, quando no Rio de Janeiro, gostava de entrar em túneis, "para descansar da paisagem". E Lya Luft relembra "seu jeito de ogro", sempre "meio paternal". Os melhores momentos, contudo, ficam por conta das declarações do próprio Quintana, compiladas a partir de entrevistas. Quem sabe, à classificação de "ogro", ele tivesse respondido assim: "Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?". Sobre seu isolamento folclórico, tendo residido em hotéis no final da vida, possivelmente justificaria: "A poesia é flor do deserto, cresce na solidão". E, ainda que se desnudasse com muita franqueza, provavelmente teria abominado a ascensão das chamadas "celebridades" (literárias, inclusive): "Toda confissão não transfigurada pela arte é uma falta de linha, uma presunção. O que é que os outros têm a ver com isso?". Terminando por explicar seu método epífano: "Tenho uma certa tendência a me evadir, mas sempre faço um esforço por manter-me na terra — como um balão cativo". Além de uma "geografia pessoal", com belas fotos da sua Porto Alegre e do seu Alegrete, o Caderno se completa com uma boa seleção de manuscritos e inéditos.
>>> Cadernos de Literatura Brasileira: Mario Quintana
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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