Sexta-feira,
5/2/2010
Digestivo nº 452
Julio
Daio Borges
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O IPAD, DA APPLE E DE STEVE JOBS
A espera terminou. As especulações sobre o tablet da Apple — por mais que Steve Jobs negasse — eram fundamentadas. Até o nome "adivinharam", iPad. Só não foi um clímax total, porque foi, igualmente, confirmado que se tratava de um "iPhone grande". E o anticlímax também veio porque Steve Jobs pareceu não dar muita bola para a capacidade do iPad de "armazenar" livros eletrônicos (ainda que tenha prestado sua pequena "homenagem" ao Kindle e à Amazon). O iPad, também conforme previsto, foi vendido como uma nova tentativa de salvar o mainstream da imprensa. E, nesse sentido, a apresentação de representantes do New York Times foi emblemática. Acontece que a grande vitoriosa, na criação desse aparelho, é, novamente, a Web. Acessar softwares de fotos, de música ou até vídeos manualmente, numa tela maior, não é propriamente uma novidade (depois do iPhone). Mas navegar na internet, com uma tela portátil, mais próxima de um notebook, com a ponta dos dedos, e sem mouse, vai ser uma revolução. Esse era o tablet que todos estavam tentando desenvolver; agora, podem abandonar seus projetos; ou até continuá-los, mas se conformando com o "segundo lugar". Voltando aos livros: do que se viu, o iPad não conflita diretamente com o Kindle, porque, evidentemente, parece outra proposta. O "leitor" de Steve Jobs é uma tela, de excelente qualidade de imagem, mas uma tela — e, como tal, pretende emular, o melhor possível, a aparência de um livro real (de papel). Não é um novo conceito, de livro verdadeiramente eletrônico; é praticamente um livro digitalizado; preservando, se for adotado, o establishment editorial (sem focar em editores independentes ou, até, em "blogueiros" — como o Kindle e a Amazon). Jobs repetiu a estratégia que usou com as grandes gravadoras, as redes de televisão e os estúdio de cinema: "Minha tecnologia é inovadora, mas eu não quero acabar com o negócio de vocês". A disputa entre plataformas "abertas" de desenvolvimento (a Web e o PC) e "fechadas" (a Apple, sua linha de dispositivos e "lojas" on-line) entra num outro estágio com o iPad. Se a Microsoft, através do Windows, foi a plataforma de desenvolvimento por décadas, Steve Jobs parece afirmar que, finalmente, chegou a sua vez — mas, além da plataforma de software, ele quer controlar o hardware também. Por melhor que seja o novo aparelho, deveríamos pensar, como sempre sugere Tim O'Reilly (e Jonathan Zittrain, em seu livro premonitório), se é este o futuro que desejamos para a nossa velha "Rede Mundial de Computadores"...
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Steve Jobs apresentando o iPad |
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EDMUND WILSON E OS CHATOS DA LITERATURA
Chatos literários sempre existiram. O problema é que, com a internet, eles ampliaram seu alcance. Esteja on-line, e mostre algum interesse por literatura, para receber spams de "originais" por e-mail, indicações de blogs literários de poesia (com rima) e até livros ruins de autores independentes (pelo correio). Chatos são inventivos e, em matéria de tecnologia, engrossam a massa implorando atualmente por atenção. De súbito, porém, um "aviso" do crítico norte-americano Edmund Wilson (1895-1972), um dos mais célebres do século passado, circulou a partir do blog de Timothy Ferriss. Nele, percebemos que os chatos literários são antigos, e vêm importunando a crítica, com seus pedidos, há décadas (apesar de, sempre publicamente, desfazerem dela). Está escrito em letra de forma: "Edmund Wilson lamenta ser impossível para ele...". Seguido de uma lista das mais inoportunas solicitações literárias de todos os tempos: "Ler manuscritos". Wilson não procurava ter novos "gênios" à vista. "Escrever artigos sobre livros". Também: "Escrever prefácios e apresentações". "Emitir pareceres [favoráveis]". E, para completar: "Fazer qualquer tipo de trabalho editorial" (leia-se: envolvendo livros). Mais adiante: "Participar de concursos literários [julgando obras]". "Tomar parte em congressos de escritores". E, para encerrar: "Participar de simpósios ou 'painéis' de qualquer sorte". Em seguida: "Fazer palestras ou discursos". "Dar cursos". Ou, pior: "Falar no rádio [sobre literatura] ou aparecer na televisão". Na sequência: "Responder a questionários [sobre literatura]" (para estudantes que não querem fazer sua lição de casa). E, radicalizando: "Dar entrevistas". Edmund Wilson também dizia ser-lhe "impossível": "Doar seus livros para bibliotecas". E (item polêmico): "Dar autógrafos a desconhecidos". Por último, Wilson jamais poderia: "Fornecer informações sobre si mesmo". E "fornecer retratos de si mesmo". Se ainda restasse alguma dúvida, o último item: "Fornecer opiniões sobre literatura ou outros assuntos". Com um adendo, manuscrito (e assinado): "Não falo em público mesmo se me oferecerem uma grande soma". Edmund Wilson, se ainda vivesse, não teria celular, nem e-mail... Dois anacronismos que, se aplicados a chatos literários, deixam-nos hoje em dúvida...!
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Edmund Wilson regrets that it is impossible for him to... |
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PARTIMPIM 2, DE ADRIANA CALCANHOTTO
Se Adriana Partimpim (2004) foi um sucesso de crítica e de público, e sua turnê provavelmente foi um sucesso comercial, por que não repetir a dose (enquanto testa novos formatos na sua carreira "adulta")? Adriana Calcanhotto, possivelmente, deve ter pensado isso, ao retornar ao último disco seu que marcou época, ao show do qual muitos ainda se lembram e, sobretudo, a um momento em que habilmente conciliou — tipos diferentes de "animal" — crítica e público. Partimpim 2, refletindo talvez a indecisão de Maré (2008) e do projeto "Três", não é tão inspirado, e redondo, quanto Partimpim 1, mas provoca um grande alívio, trazendo Adriana para um terreno que aprendeu a conhecer, e revelando versões criativamente trabalhadas para o público infantil. O CD abre com um frevo à la Moraes Moreira (exultando a democracia do nosso Carnaval): "Baile Partimcundum". Segue com a "arnaldo-antunesca" (ou seria "tribalística"?): "Ringtone de Amor". O disco começa a engrenar com a bela interpretação de "Trenzinho do Caipira" (evocando o cinquentenário da morte de Villa-Lobos, embora a letra não seja dele, e nem tão boa). Já "Alface" evoca os arranjos do celebrado Beto Villares, enquanto as crianças aprendem a comer salada. "Menina, Menino" incita a amar, com uma espécie de baião eletrônico, mas, aproximando-se de "Meninos e Meninas", leva à conclusão de que a sexualidade deve ser vivida livremente. "Na Massa" é puro "+2", Cantada (2002) ou, atualmente, "Três" — uma excelente introdução à vanguarda da música brasileira para infantes. "O Homem deu nome a todos os animais" é um feliz encontro de Bob Dylan com Zé Ramalho e, naturalmente, com Adriana Calcanhotto. "Alexandre", na batida do Olodum, é de Caetano Veloso, mas, infelizmente, uma de suas letras mais macarrônicas. "Gatinha Manhosa" flerta com trilha sonora de novela e é uma salutar homenagem a Leo Jaime, ainda que tenha sido composta por Erasmo Carlos. "Bim Bom" é uma típica armadilha de João Gilberto, mas Adriana se salva com a ajuda dos tambores do Olodum, de novo. "As Borboletas" é o gran finale — naturalmente fazendo menção à "Farfalla" de Partimpim —, uma parceria do mestre da nossa canção, Vinicius de Moraes. Descrito assim, este segundo Partimpim termina mais "para adultos" do que "para crianças" — mas, como esse foi o segredo do primeiro, Adriana, se caprichar no show, vai repetir, merecidamente, a consagração. Partimpim 2 não é uma obra-prima, mas permite um retorno ao "bon chemin"...
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Partimpim 2 |
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Julio Daio Borges
Editor |
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