Quinta-feira,
15/4/2010
Digestivo nº 460
Julio
Daio Borges
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BORGES E OSVALDO FERRARI, DIÁLOGOS
Quando se lê Platão e se descobre Sócrates, a primeira sensação é de que a arte do diálogo se perdeu através dos séculos. Como disse alguém, Sócrates é uma grande presença cênica (muito difícil encontrar uma pessoa que se iguale). Mas Borges, nosso contemporâneo no século passado, esteve muito próximo disso, se não reviveu a velha arte, com seus próprios diálogos. Wittgenstein, nos seus últimos anos, concluiu que não conseguia mais escrever filosofia, mas que ainda poderia falar sobre ela. E fez isso enquanto pôde. Borges, apesar da cegueira (que não o abateu), continuou "escrevendo", ditando textos seus, mas talvez tenha se especializado em falar de literatura, mais do que qualquer coisa. Se, em anos recentes, a Globo retomou os diálogos com Ernesto Sabato (que enfrentava Borges, mas que não estava à altura dele), em 2009, a Hedra trouxe uma caixa com os diálogos de Osvaldo Ferrari (que, mais sábio, deixou Borges falar livremente). Cada volume, em princípio, enfoca um tema ("Amizade", "Filosofia", "Sonhos"), mas a melhor ideia talvez seja percorrer o índice e ouvir o bruxo argentino no ponto certo. São especialíssimas suas considerações, por exemplo, sobre Spinoza, Virgílio, Sócrates (claro) e Flaubert. Ainda que ele se debruce sobre contemporâneos seus como Kafka, Bertrand Russell, Rubén Darío e Bioy Casares (naturalmente). Registrados entre 1984 e 1985, os diálogos pegaram Borges, exatamente, no penúltimo e no antepenúltimo ano de sua vida, quando já havia atingido, praticamente, um estado de clarividência. Exalava literatura, filosofia e erudição por todos os poros e escutá-lo nunca era uma perda de tempo. Com a televisão cedendo ao populismo há décadas, o rádio decaindo na inércia da indústria musical e os nossos jornais virando pó com a internet, só o YouTube nos permite, de relance, imaginar o que teria sido Borges naqueles tempos. Daqui a pouco, estaremos tão longe dele quanto estamos de Sócrates — o que lhes permitirá um encontro, nem que seja, nas esquinas do pensamento...
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Borges e Osvaldo Ferrari |
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JEFF JARVIS ATACANDO RUPERT MURDOCH NO GUARDIAN
Mesmo que estejam fazendo bobagem, ninguém pode, hoje, acusar os jornais de não estarem, pelo menos, tentando. Se antes a mídia impressa parecia surda para o barulho produzido pelas mudanças na comunicação via internet, atualmente periódicos seculares se redesenham inteiros a cada década e modelos de negócio, mesmo os mais estapafúrdios, são colocados em prática com frequência. Se alguém lutava para que essa ficha "caísse" (para os jornais), pode considerar-se vitorioso, porque ela caiu definitivamente — e os jornais estão se mexendo, ainda que atabalhoadamente. No tiroteio de veículos que abrem seu site (para não perder audiência), enquanto outros apostam todas suas fichas no iPad (o New York Times, por exemplo), Rupert Murdoch, o outrora temível barão da imprensa, foi esculhambado, recentemente, por Jeff Jarvis, no Guardian. Jarvis, um ex-empregado de Murdoch, que ascendeu na blogosfera com o livro O que o Google faria?, acha que — além de ser amigo do mago Coelho — pode se dar ao desfrute de enterrar a velha imprensa, atacando diretamente seu maior ícone, como se ele fosse um animal ferido para sempre. A razão da grita é a decisão, de Murdoch, de fechar os sites de seus jornais, começando pelo Wall Street Journal, exigindo, dos leitores, pagamento, mesmo que seja para ler na tela. Jarvis ataca o fato de Murdoch não ser, pessoalmente, ligado em tecnologia (segundo seu biógrafo), tendo aderido ao e-mail só ultimamente e não podendo, talvez, tomar decisões no âmbito da internet. Professor de empreendedorismo para jornalistas, Jarvis promete treinar seus discípulos para combater, na internet, o monopólio da velha mídia até o fim dos tempos. E é espantoso que o Guardian tenha patrocinado essa diatribe; e, ainda, que a falta de respeito pelos vultos da imprensa tenha atingido patamares como esse. Chega a dar pena de Murdoch, mas não pelas razões de Jarvis (ao contrário do que ele desejava). A velha mídia cometeu muitos erros na internet, mas está pagando por eles. Tripudiar em cima — como Jeff Jarvis está fazendo — talvez não combine, justamente, com o espírito da internet.
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Rupert Murdoch's pathetic paywall |
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SOBRESCRITOS, DE SÉRGIO RODRIGUES
Além de ser talvez o principal crítico literário hoje em atividade - depois que Wilson Martins se foi -, Sérgio Rodrigues consegue ser, em paralelo, um dos nossos principais escritores contemporâneos. O que é um feito digno de admiração, porque não consta que haja mais alguém na paisagem brasileira fazendo bem as duas coisas. Os críticos nacionais, em geral, escrevem literatura que não convence muito; e os escritores fazem tanto lobby - quando se arriscam na crítica - que acabam não resistindo na função. Sérgio Rodrigues, como crítico, já havia se consagrado no NoMínimo; e, como a escritor, a consagração veio através de As sementes de Flowerville. Com a dissolução do No, Sérgio persistiu com o seu Todoprosa em novo endereço, ainda que não tenha podido se dedicar full time, como antes. Já com a literatura, ele prossegue com este Sobrescritos, que é um dos melhores livros de contos dos últimos tempos e forte candidato a "melhor livro de contos do ano" (ainda que estejamos só no fim do primeiro trimestre). Ironicamente, Sobrescritos foi coligido a partir da produção ficcional de Sérgio Rodrigues no Todoprosa. Ou seja, o crítico arranjou uma maneira de conviver com o escritor, no mesmo espaço, e o resultado, mais uma vez, é surpreendente, porque o livro se sustenta, como poucos, fora da tela. Para completar, Sérgio resolveu explorar, tematicamente, o ambiente da própria internet e sua interseção, recente, com a literatura brasileira (ou com o que sobrou dela). São 40 histórias breves, cheias de humor, para ler - como diz o clichê - "numa sentada" e que mereciam produzir um best-seller. Desde a jovem blogueira que seduz o catedrático decadente até a correção política inapropriadamente aplicada a Machado de Assis, passando pelo editor de revista que humilha a assessoria de imprensa, Sérgio Rodrigues não esquece ninguém e, corajosamente, não poupa ninguém. No rastro da sobrevalorizada Geração 90 - que produziu edições de escritores duvidosos - convivendo com a explosão de escritores de blogs (tão duvidosos quanto os anteriores), Sérgio assistiu a tudo de camarote e soube, como pouquíssimos, fazer o balanço dos "novos autores", produzindo literatura, ele próprio. Sobrescritos é um pouco da nossa história e deve ser lido, simplesmente, porque é um grande feito.
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Sobrescritos: 40 histórias de escritores, excretores E outros insensatos |
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TUDO O QUE OS HOMENS NÃO ENTENDEM, DR. HERB GOLBERG
É clássica, e até piegas, a frase de que "os homens não entendem as mulheres". Acontece que, desde meados do século passado, os homens andaram meio "fora de moda". Quer dizer, a revolução, na vida profissional (e na sexual), era das mulheres, e ninguém dava muita trela para os problemas psicológicos deles. As mulheres, segundo as históricas reivindicações, tinham sido oprimidas durante séculos - era, simplesmente, a vez delas. (Os homens que se adaptassem ao novo modelo.) Como se sabe, não funcionou 100% a contento. A teoria do Dr. Golberg é que, embora tenham conquistado posições no mercado de trabalho, as mulheres ainda esperam dos homens que tomem a maioria das iniciativas, no que diz respeito a relacionamentos homem-mulher, e, quando acontecem problemas, quem tomou a iniciativa, geralmente, assume a responsabilidade pelos erros. Os homens, ultimamente, reclamam que são mais cobrados - pelas mulheres, agora, "independentes" -, mas que continuam assumindo, sozinhos, as responsabilidades pelo sucesso no relacionamento. Dr. Herb Golberg pensa que os homens estão numa encruzilhada e que é preciso resgatá-los com urgência. E os prejuízos, para o gênero masculino, incluem, ainda, problemas nos relacionamentos com os filhos e dificuldade para estabelecer (e manter) laços de amizade. Com a "competição" profissional das mulheres, os homens se voltaram cada vez mais "para fora" - para a posição que ocupam na sociedade -, abdicando progressivamente de sua intimidade, do seu "self", que foi sempre um domínio mais naturalmente governado pelas mulheres. Em resumo: se tudo falhar, as mulheres têm sempre a esfera da vida privada, para se resguardar (um porto seguro há séculos); enquanto que os homens - além de não poderem falhar socialmente -, estão perdendo a última ligação com a sua intimidade e com o seu "eu". O livro do Dr. Golberg é mais interessante, e bombástico, logo no começo; e talvez seja, na parte técnica, mais indicado a psicólogos do que a leigos - mas conhecê-lo é uma grande oportunidade de reconhecer que a revolução dos anos 60 teve sérias consequências.
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Tudo o que os homens não entendem: mulheres, relacionamento, amor |
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Julio Daio Borges
Editor |
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