Quinta-feira,
29/4/2010
Digestivo nº 461
Julio
Daio Borges
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E O IPAD NÃO SALVOU OS JORNAIS E AS REVISTAS...
E o iPad não vai ser a tábua de salvação pela qual toda a mídia impressa esperava... Segundo se imaginava, as "aplicações" do aparelho, mais do que a Web, iriam reinar e todos os usuários voltariam, alegre e bovinamente, a pagar por conteúdo. A pior notícia nesse sentido não é nem que os usuários não queiram pagar por conteúdo (algo que só se confirmará mais adiante), mas a simples constatação de que as agências de notícias estão cobrando "zero" pelas suas aplicações no iPad, enquanto os jornais e as revistas tentam vender as suas por preços equivalentes às edições impressas. (No Brasil, seria algo como a Agência Estado e a Folhapress cobrando "zero" pelas suas versões no iPad, enquanto os jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo tentariam vender suas edições diárias no mesmo aparelho.) Novamente, as agências, que faturaram alto em cima dos portais de internet, vão levar a melhor sobre as publicações impressas. A revista eletrônica Salon inclusive sugere que o iPad funcionará como uma "distração fatal" para jornais e revistas. Na tentativa de cobrar, mais uma vez, por conteúdo, periódicos impressos fugiriam, novamente, da "realidade da internet", desperdiçando, como de costume, tempo e dinheiro. Marc Andreessen, fundador da Netscape, investidor do Ning e membro do conselho do Facebook, em entrevista ao TechCrunch, foi menos diplomático ao afirmar que: nenhum aparelho, por mais bem-sucedido que seja (em vendas), vai superar a base instalada de mais de 1 bilhão de usuários da World Wide Web. De novo: milhões de consumidores "pagantes" de aplicações no iPad não vão reverter os bilhões de usuários "grátis" da internet (salvando, da bancarrota, veículos originalmente impressos...). Jeff Jarvis — onipresentemente — observou que a noção de "conteúdo" mudou depois do Google; e que a velha ferramenta de busca é a grande vencedora, mais do que a Apple, no iPad. As especulações variam, mas, em pouquíssimo tempo de uso, já se sabe que a principal "aplicação" do iPad é, mesmo, a Web, seguida do velho e bom e-mail, seguido das aplicações musicais. Em vez de jogar a bóia ou o colete salva-vidas, Steve Jobs enche de água a boca dos jornais e revistas que hoje se debatem na chamada "economia da abundância".
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Google's Chief Economist: The iPad Is Not Going To Save Newspapers |
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CHÁ DAS CINCO COM O VAMPIRO, DE MIGUEL SANCHES NETO
Como se costuma dizer, alguns escritores parece que escrevem sempre o mesmo livro. É uma maneira de se interpretar Chá das Cinco com o Vampiro (Objetiva, 2010), onde retornam dois temas caros a Miguel Sanches Neto: Dalton Trevisan (que já aparecia em Herdando uma biblioteca, Record/2004) e os anos de formação do escritor (presentes no autobiográfico Chove sobre minha infância, Record/2000). Da maneira como o livro foi divulgado — principalmente em Veja —, Chá das Cinco é, inicialmente, identificado com o tom do "reproche", ecoando uma possível briga de Miguel com o Vampiro de Curitiba, expondo a intimidade deste último (que lhe é bastante cara). Mas essa primeira impressão se dissolve na história paralela do jovem autor, que chega da província, vence na cidade grande — terminando (essa é a novidade) por se desiludir com a "vida literária". Em Chove sobre minha infância, a literatura era uma espécie de salvação, para aquele rapaz que fugia da vida no campo, e de um pai opressor. Em Chá das Cinco, a literatura é como a mulher conquistada que não interessa mais, fonte de intrigas, batalha de egos, glória vazia, imensa desilusão. Sem querer, talvez, Chá das Cinco está "em linha" com De cabeça baixa (2008), de Flávio Izhaki, e com o recentíssimo Sobrescritos, de Sérgio Rodrigues. Parece que aquela "euforia" dos anos 90, com as mais variadas editoras investindo em "jovens talentos", seguida da explosão de "autores de internet", finalmente, cessou. Nesses três livros, é como se a "bolha literária" da Geração 90 — seguida pela Geração 00 —, tivesse estourado e surgisse, então, o choque de realidade. Em Chá das Cinco, o maior contista brasileiro vivo — descobre-se — tinha uma vida pessoal medíocre. E o protagonista, que ansiava por lançar seu primeiro romance, entedia-se logo na noite de autógrafos, terminando a história com um retorno à província. É bem possível que a tão sonhada "glória literária" não mais exista. Principalmente no Brasil. A novidade talvez resida no fato de que nossos autores pararam de vender essa ilusão aos estreantes.
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Chá das Cinco com o Vampiro | Blog do Livro |
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COCO ANTES DE CHANEL, COM AUDREY TAUTOU
A protagonista de Amélie Poulain não era conhecida por ser uma excepcional atriz, ainda que tenha participado de sucessos de bilheteria. Depois de levar milhões ao cinema na França — no início dos anos 2000 —, previsivelmente foi parar em Hollywood, estreando ao lado de Tom Hanks, no fiasco Código Da Vinci. Todo mundo sabe que o livro vendeu, e levou multidões às salas, mas conseguiu, também, a proeza de ser pior que sua continuação, o surpreendente Anjos e Demônios. Tautou no Código encarnou uma Sophie assexuada, não chamando quase a atenção, o que deve tê-la "liberado" da bem-sucedida sequência. O fato é que Audrey Tautou, sabiamente, voltou a falar francês, ao interpretar Chanel-antes-de-Coco, na sugestão do título (agora em DVD). Se pareceu desinteressante em Hollywood, Tautou acertou ao viver a andrógina Coco, que fazia amor por esporte e que, aparentemente, só se apaixonou uma vez, mais madura, pouco antes de ser tornar... Chanel. Talvez inspirado no estrutura do ovacionado Piaf, Coco também parte do abandono, na infância, passa pelo abuso na adolescência e desemboca no sucesso, na idade adulta. Ao contrário de Piaf, porém, a Chanel cinematográfica não nos mostra sua decadência. Num tom menos dramático, Coco triunfa, com seu tailleur e suas modelos, ainda que solitária, eternamente solteira e trabalhando incansavelmente (aos domingos e feriados). Audrey Tatou, embora mais veterana, não é melhor performer que Marion Cotillard. Portanto, Piaf é mais impressionante que Chanel. O último, no entanto, consegue ser "entretenimento acima da média", mesmo não sendo uma obra-prima. Até quem não se interessa pelo assunto "moda", pode ter boas lições de comportamento e da vida em sociedade, no princípio do século passado. Se neste momento o "mundinho fashion" é uma fogueira das vaidades destinada primordialmente ao consumo, revela-se, de certa maneira, reconfortante observar que a moda nem sempre foi essa indústria e que, por trás de uma mudança nas vestimentas, havia uma transformação social em curso.
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Coco antes de Chanel |
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FRANZ KAFKA, POR LOUIS BEGLEY
Kafka talvez seja o maior escritor do século XX. Maior do que Joyce, maior do que Proust. Afinal, mais que um inventor da linguagem, mais que um grande memorialista, Kafka profetizou os horrores do nazismo, das grandes guerras, da opressão e mesmo da burocracia. Morreu em 1924, mas a "acusação sem motivo" já estava presente em O Processo; a discriminação já estava em A Metamorfose; e toda a subjetividade moderna já estava contida em Carta ao Pai. Vila-Matas, um dos maiores autores contemporâneos, outro dia, confirmou; mas não é esta a tese de Louis Begley, em seu ensaio biográfico O mundo prodigioso que tenho na cabeça (Companhia das Letras, 2010). Kafka, cuja obra nunca cabe naquela vidinha de burocrata em Praga, tenta ser explicado, desta vez, pela linhagem familiar, pelo judaísmo ambíguo, pela parca vida sexual, pela poderosa literatura e pelo seu legado para a posteridade. Numa boa exploração de suas cartas, por exemplo, Begley mostra o quanto Kafka podia ser manipulador, estranho e irascível. Seu grande sofrimento, nas relações mais próximas, talvez revelasse — mais que a tirania de um pai ou a incompreensão de uma bem-amada — uma simples incapacidade de se relacionar. Ainda que enfrentasse uma porção de contratempos — que talvez ele quisesse exorcizar em suas obras —, Kafka viveu para seu trabalho literário, meramente suportando a vida prática e, no fundo, não fazendo muita questão das pessoas ao redor. Entre terminar a Metamorfose, trabalhar no romance Amerika e ir encontrar a noiva em outra cidade, Kafka não hesitava — deixava a noiva esperando. Em outros grandes escritores, isso é também nítido, como quando Fernando Pessoa dispensa sua única namorada, porque deveria atender ao chamamento de "outros mestres". O ensaio de Begley ainda vale pelas entradas nos diários de Kafka, habilmente citadas. Não é uma grande obra de interpretação do escritor tcheco, mas talvez mate um pouco da nossa insaciável fome de Kafka — enquanto Modesto Carone não nos brinda com uma tradução, justamente, das cartas e dos diários...
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O mundo prodigioso que tenho na cabeça |
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Julio Daio Borges
Editor |
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