Quinta-feira,
10/6/2010
Digestivo nº 464
Julio
Daio Borges
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A LINGUAGEM DAS COISAS, DE DEYAN SUDJIC
Na alardeada guerra entre imagens e palavras, é raro encontrar um homem de letras que entenda profundamente de artes plásticas; ou, na via oposta, um artista plástico que maneje, com habilidade, as ferramentas da expressão escrita. Deyan Sudjic, diretor do Design Museum de Londres, é uma dessas raras exceções, tendo produzido um livro que fala de objetos, até de moda e de luxo - num tom diametralmente oposto ao das revistas de fofoca - em profundidade. A Linguagem das Coisas, pela editora Intrínseca, não se rende só à estética, à publicidade e ao consumo - frequentes nesse tipo de "literatura" -, evoca a história, os costumes e - imprescindíveis no nosso tempo - a técnica e a tecnologia. Enquanto a crítica de arte no Brasil parou em Andy Warhol e no século XX, Sudjic abre o texto com a aquisição de seu MacBook e desvenda, por exemplo, as origens do "desenho" do iPhone, de Jonathan Ive (a calculadora Braun, de Dieter Rams). Consegue, com admirável ironia, pensar o luxo, além da futilidade, do desperdício e da pobreza de espírito: "Luxo era a trégua que a humanidade encontrava para si da luta diária pela sobrevivência". Ou: "Para certos objetos, o conceito de luxo é usado para criar a aura antes propiciada pela arte". Ou, ainda: "O luxo contemporâneo depende da descoberta de novas coisas para torná-las difíceis". Encerrando com Thorstein Veblen: "Só os que estão seguros de sua riqueza se sentem à vontade vivendo sem exibir suas posses". E Sudjic não se intimida nem com o establishment da moda, começando por: "Moda não é arte. Mas nunca antes se esforçou tanto para sugerir que poderia ser". Cutucando, também, a sociedade do espetáculo: "Inevitavelmente, o processo de oferecer uma dieta de espetáculo constante é sujeita à lei dos rendimentos decrescentes". Sem deixar passar os "artistas" contemporâneos: "A arte é de uma eficiência extraordinária em transformar tela, fibra de vidro, carne de tubarão ou videoteipe em matéria-prima de leilões". Para concluir com ninguém menos que Frank Lloyd Wright: "Os motores de locomotiva, os motores de guerra, os navios a vapor tomam o lugar que as obras de arte antes ocupavam na história. Hoje temos um cientista ou um inventor no lugar de um Shakespeare ou de um Dante". E, nas suas próprias palavras: "Diz-se sempre que a verdadeira arte do mundo moderno é a engenharia". (Alguém falou aí na Apple e em Steve Jobs?) A Linguagem das Coisas tem pouco mais de 200 páginas, mas é denso como a gramatura de seu papel (150g/m2). Sua edição lembra um coffee table book, também pelo peso, pela capa dura e até pelo assunto. Mas o volume de Deyan Sudjic pode enganar na aparência, mas não engana no conteúdo: é, além de atualíssimo, pertinente e, de forma inédita, profundo. Talvez sua principal mensagem seja a de que, justamente, também na nossa sociedade a aparência esconde muito.
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A Linguagem das Coisas |
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PRÓLOGO, COM UM PRÓLOGO DOS PRÓLOGOS, DE JORGE LUIS BORGES
Talvez mais que um escritor, Borges fosse um leitor. Possivelmente, o maior leitor do século XX. A impressão, em seus escritos, é a de que leu tudo e que, embora vítima de cegueira progressiva, alcançou uma espécie de clarividência em vida. Como entregou sua existência à literatura, esta parece que escolheu-o como seu porta-voz. Ler Borges, ouvir Borges ou, ainda, ler as transcrições das falas de Borges é tomar contato com a melhor tradição da literatura. Borges conseguiu ser a literatura em pessoa. E seus contos podem ser tomados como verdadeiros ensaios literários. Não é diferente neste Prólogo, com um Prólogo dos Prólogos (1975), que a Companhia das Letras acaba de reeditar. Conforme sugere o título, o volume reúne prefácios que Borges escreveu para obras ou autores que conhecia intimamente, ou para alguns contemporâneos (ninguém é perfeito). Logo, Prólogo... é Borges no seu elemento, falando de literatura, como o leitor de maior autoridade do seu tempo. Nesta coleção de prólogos, estão naturalmente as obsessões, como Cervantes (obsessão comum a quase todos os autores de língua espanhola e à maioria dos romancistas em qualquer língua): "As frases truncadas do realismo de nosso tempo lhe teriam parecido uma grosseria indigna da arte literária". Carlyle — também uma leitura de Nietzsche —, ainda que seu gosto aristocrático chocasse a futura correção política: "A história do mundo é a biografia dos grandes homens" (alguém falou aí em povo?). Também Emerson (outro preferido de Nietzsche, e de Harold Bloom), Gibbon, e, para sempre, Kafka: "Sua mais indiscutível virtude é a invenção de situações intoleráveis(...) Preferia ter escrito uma obra feliz e serena, não a uniforme série de pesadelos que sua sinceridade lhe ditou". Somos brindados, ainda, com análises do Bartleby, de Melville, Folhas de Relva, do imenso Whitman, e até Valéry. Sem contar, a tentação de "obras de amigos" como Adolfo Bioy Casares. Quem ama a literatura, no nosso século, terá Borges para sempre como guia. E este Prólogos é mais uma oportunidade de retomar essa rica tradição.
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Prólogo, com um Prólogo dos Prólogos |
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O MENSALÃO, 5 ANOS DEPOIS, PELO VALOR ECONÔMICO
Enquanto os jornalões se perdem em "reformas gráficas" que aprofundam, ainda mais, sua crise de identidade ("alguma coisa" entre papel e internet), e numa miríade de colunistas reforçam a cacofonia e o embotamento de quem, justamente, não sabe o que quer (falta de visão e estratégia), o Valor Econômico, depois de provocar a extinção definitiva da Gazeta Mercantil (1920-2009), completou uma década e produziu a melhor análise do mensalão, 5 anos depois. Por muito tempo negado, e juridicamente considerado "suposto" pelo mainstream, o mensalão de fato existiu e, o Valor sugere, era de amplo conhecimento do presidente Lula. Tanto que a cúpula do governo federal — o Valor revela — estava se preparando para o impeachment. Por incrível que pareça, foi Fernando Henrique Cardoso, representante máximo da oposição, quem negociou uma solução com Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça de Lula, numa longa noite de cafezinhos e muita água, servidos por dona Ruth. FHC não queria ir para a rua — ao contrário dos anos 90: não havia minissérie da Globo, nem clamor popular — e temia uma "divisão" que pudesse tornar o País ingovernável. Pela lei — depois da confissão bombástica de Duda Mendonça, na CPI dos Correios — Fernando Henrique queria a eleição de 2002 anulada e o candidato em segundo lugar, José Serra, empossado. A fim de preservar as instituições, contudo, reconsiderou. O Valor também destaca que o depoimento arrasador do marqueteiro Mendonça teve o dedo do falecido senador Antonio Carlos Magalhães... Revisitar o lamentável episódio do mensalão é, particularmente, útil num ano de eleição. Servindo, ainda, para relativizar a popularidade, aparentemente incontrastável, do presidente Lula, numa era de BRICs, capas da Economist e da Time. Infelizmente, para a oposição (e talvez para o Brasil), os prognósticos, até o momento, repetem o quadro de "popularidade insuficiente" dos candidatos do PSDB (contando com um "efeito surpresa" que muito provavelmente não se realizará), tendo como esteio, ainda, as ideias, a coragem e o que restou da autoridade do mesmo FHC. Se o presidente Lula "deu a volta por cima", depois de chegar ao fundo do poço, a oposição e/ou o PSDB não se reinventaram no mesmo período — o que pode privar o Brasil da alternância de poder, tão necessária, nos próximos 8 anos...
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Como Lula superou o mensalão |
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RONNIE JAMES DIO (1942-2010)
A imprensa, na sua eterna falta de assunto, preferiu associar Ronnie James Dio ao símbolo do heavy metal — aquele sinal feito com as mãos, indicando dois chifres — do que analisar qual teria sido seu legado para o rock em geral e, particularmente, para esse estilo. Dio encarou, pelo menos, dois desafios de monta, como vocalista. Primeiro, um guitarrista que saía da segunda melhor formação do Deep Purple para formar seu próprio conjunto; estamos falando de Ritchie Blackmore e do Rainbow. Depois, um guitarrista, um baixista e um baterista que viram sua banda à beira do abismo, após a saída de seu legendário vocalista; estamos falando do que restara do Black Sabbath, agora sem Ozzy Osbourne. Dio não só fez a glória do Rainbow, reinterpretando clássicos como "Mistreated", como fez a glória da segunda encarnação do Sabbath, ajudando a forjar clássicos como "Neon Knights", "Heaven and Hell" e "Die Young" (entre outros). Sem contar sua carreira solo, com álbuns também clássicos como Holy Diver (1983) e The Last in Line (1984). Obviamente, Dio não foi nenhum santo. Terminou acusado de adulterar o volume dos vocais na mixagem final de Live Evil (1982), seu "ao vivo" com o Sabbath, ofuscando o resto da banda e inutilizando o disco. E, já nos anos 90, recusou-se a "abrir" a reunião histórica do Sabbath com Osbourne, sendo substituído, com louvor, por Sabbath ("versão Vinnie Appice") mais Rob Halford. Dio — como praticamente todos os conjuntos de rock depois — não resistiu ao canto da sereia da "volta", reunindo-se ao "seu" Black Sabbath (antes da reunião com Ozzy), para um disco medíocre, Dehumanizer (1992), mas para uma turnê até que razoável (que, inclusive, passou pelo Brasil). Dio ainda voltaria com sua própria banda, para Holy Diver Live (2006) — antecipando, desta vez, a linha nostálgica do Somewhere Back in Time do Iron Maiden —, também com passagens pelo Brasil, mas já literalmente sem voz, conforme atesta o YouTube. O Heaven & Hell — na verdade o Black Sabbath "versão Dio" (impedido de usar o nome por... Ozzy Osbourne) — seria o canto do cisne do vocalista que começou cedo, mas que se consagrou, relativamente, tarde. Seus vocais impressionantemente musculosos, para alguém de sua estatura, e guturais, influenciaram toda a posterior linhagem do heavy metal "mais rápido" e "mais pesado" do final dos anos 80, início dos anos 90 (Sepultura incluso). Mesmo criativamente pouco inspirado e afônico, Dio morreu "em combate" — o que parece ser o destino de quase todos os ídolos do rock que, a exemplo de Mick Jagger e, sim, de Ozzy Osbourne, não desistem jamais. ;-)
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Ronnie James Dio |
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Julio Daio Borges
Editor |
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