Quinta-feira,
29/7/2010
Digestivo nº 467
Julio
Daio Borges
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A MORTE DO JORNAL DO BRASIL
Foi a Piauí que, fazendo piada, primeiro localizou o "último assinante" do JB. Mas, desde o dia 13 de julho, é oficial. Nelson Tanure — que já havia matado a Gazeta Mercantil em junho de 2009 — anunciou que o Jornal do Brasil "deixará de circular em papel" (em 2010). "Deixar de circular" se tornou um eufemismo para sinalizar que um jornal deixou de existir fisicamente. Morreu. Tanure também anunciou que o JB "continua na internet", mas isso nem sempre diz muita coisa. Afinal, a Gazeta igualmente "sobreviveria" dentro do portal InvestNews — uma hipótese levantada na ocasião de sua morte —, mas até agora... (nada de ressuscitar). A Gazeta Esportiva aventurou-se com sucesso pela internet e a Tribuna da Imprensa é mantida, em formato de blog, por Hélio Fernandes. Enfim, o que é melhor: morrer dignamente, sem espasmos, ou arriscar-se entre um portal e um blogspot? O mais surpreendente, contudo, não foi nem a morte de mais um jornal (algo que já vinha sendo previsto desde a década passada) — mas, sim, as reações coligidas pelo Blog do Noblat. Na redação do mesmo JB, por exemplo, diz-se que "o clima foi de tristeza e nervosismo". Enquanto o Sindicato dos Jornalistas quer "discutir o futuro dos empregados". A redação e os sindicatos que nos perdoem, mas alguém que trabalha em jornal de papel, em pleno século XXI, ainda achar que deve ter "emprego garantido", além de ser jornalista desinformado, deveria merecer demissão por justa causa. Já a Associação Nacional de Jornais apontou, como causa mortis do JB, "equívocos empresariais". "Equívoco empresarial", se houve, foi Nelson Tanure ter adquirido a Gazeta Mercantil, que encerrou suas atividades com 200 milhões em dívidas trabalhistas, e o Jornal do Brasil, que fecha suas portas com dívidas estimadas em 100 milhões de reais. Enquanto os "homens de visão" como esse continuarem adquirindo, lançando ou inventando coisas como "jornais do futuro", outros "equívocos", como esse, terão lugar. Afinal de contas, quando será que os jornalistas vão enxergar que o problema está, justamente, nos jornais?
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JB: apenas versão na Internet |
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ALFA, O LEITOR ELETRÔNICO DA POSITIVO
O mais recente "furo" em termos de notícias sobre o mercado editorial brasileiro foi dado pela IstoÉ Dinheiro que, na semana do dia 14 de julho, anunciou o lançamento do Alfa, o leitor de livros eletrônicos da Positivo Informática. Maior fabricante de computadores do Brasil, a Positivo teve um insight parecido com o de Steve Jobs: enxergou que caminhamos para um "mundo pós-PC", onde quem vai dominar serão os fabricantes de dispositivos móveis. A revista afirma que o leitor de e-books é apenas a ponta do iceberg de um movimento que prevê o lançamento de televisores, celulares e... tablets! Leitor da recente biografia não-autorizada de Jobs, Hélio Rotenberg, presidente da Positivo, reconhece que vai concorrer até com o superpoderoso iPad. Ambicioso, Rotenberg acredita que seu Alfa é mais fácil de usar que o Kindle, da Amazon, embora não ofereça conectividade Wi-Fi na primeira versão (prevista para agosto), só em 2011. A vantagem do Alfa, para as editoras brasileiras (que, até agora, fizeram cara feia para o Kindle), é que a Positivo não quer ser "dona" do formato, e promete um leitor compatível, por exemplo, com as recentíssimas iniciativas da Livraria Cultura e da Saraiva. Rotenberg, sabiamente, percebeu que, sem a adesão maciça do mercado editorial brasileiro, nenhum leitor eletrônico vai decolar no País. Que o diga o leitor da Gato Sabido, que atrai acessos, mas não vendas (proporcionalmente), já que faltam títulos. Mesmo o Kindle carece de mais títulos em português (ou seja: mesmo a gigante Amazon sofre com a retaliação de nossas editoras). A desvantagem do Alfa, no entanto, é o preço, de 750 reais (considerando-se, novamente, que o Kindle está sendo vendido por menos de 200 dólares agora). E como se não bastasse a Positivo, outro fabricante nacional, a Mix Tecnologia, também promete entrar na briga. E as nossas editoras... será que vão, finalmente, comprar a ideia do livro eletrônico? ;-)
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O concorrente brasileiro do Kindle |
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AMAR LA TRAMA, DE JORGE DREXLER
Quem assistiu às apresentações de Jorge Drexler no Brasil, naturalmente percebeu que ele era um verdadeiro músico. Se os primeiros registros em estúdio flertavam com o pop comercial, Drexler adquiriu uma nova dimensão ao compor, justamente, a trilha sonora de Diários de Motocicleta (2004, a convite do próprio Walter Salles). Levando, inclusive, o Oscar específico. Assim, este Amar la Trama é mais um degrau no crescimento de Drexler, que havia ido mais longe do que nunca em Cara B (2008), um show quase acústico que, para os nossos ouvidos, flertava com a MPB e com outros gêneros mais tradicionais de música popular espanhola e hispano-americana. Uruguaio, Drexler abraçou a causa da América Latina, incluindo o Brasil, com muito respeito, e tem sido bem-sucedido, e aceito, desde a Europa até a mesma América. Em La Trama, exercita sua prática musical no velho formato de banda, adicionando metais e sopros, e perseguindo uma sonoridade quase vintage — com semi-acústicas, slide guitars, guitarras españolas, clarinetes e trompetes (à la letreiros de Woody Allen). O CD abre com duas faixas que lançam o conceito do álbum: "Amar la trama, más que el desenlace". Preferir, mais do que a chegada, o caminho. A "travessia". Assim escreve Drexler e canta: "Estoy aquí de paso./ Yo soy un pasajero./(...) Estoy aquí si nombre/ Y sin saber mi paradero". La Trama, o disco, alterna momentos de muita alegria, de tocar em conjunto, com outros temas mais reflexivos, quiçá evocando o trio que passou por nós. A terceira faixa, mais um exemplo, é de um lirismo que indica um novo patamar (desta vez, nas letras de Drexler): "Que es lo que viste em mí?/ Que es lo que te hizo abrir así/ Tus miedos, tus piernas, tu calendario/ Las 7 puertas sagradas de tu santuário". Da terceira, pulamos para a sexta: um momento Frida (na fossa); ou Buena Vista, com Leonor Watling fazendo as vezes de Omara Portuondo (que, aliás, gravou Drexler). Outra "feliz da vida" (a sétima), e outra bluesy (a oitava). Da nona, participa Ben Sidran e, na décima, mais versos inspirados: "La noche estaba cerrada/ Y las heridas abiertas/(...) Tenía la edad aquella/ En que la certeza caduca/(...) Algo de aquel asombro/ Debió anunciarme que llegarías". Jorge Drexler, enfim, carrega o frescor, talvez ingênuo, que a música em geral perdeu, que a indústria matou e que os músicos, em sua maioria, não conseguiram reencontrar. Afinal, conforme a epígrafe do próprio encarte: "People used to make records/ as in a record of an event:/ The event of people/ playing music in a room./ Now everything is cross-marketing,/ it's about sunglasses and shoes,/ or guns or drugs, you choose" (Ani Di Franco).
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Amar la Trama |
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CACHALOTE, DE DANIEL GALERA E RAFAEL COUTINHO
Se alguém ainda se lembra do Amores Expressos, foi um projeto que hospedou escritores brasileiros em algumas capitais do mundo, durante um mês, com a incumbência de, posteriormente, produzir uma "história de amor" naquele cenário. Desentendimentos à parte, foram criados alguns bons diários do projeto, alguns dos romances já vieram a lume, e, de repente, alguma coisa ainda pode virar filme. O fato é que, da experiência do Amores Expressos, nasceu um novo projeto da RT/features que reúne um escritor e um artista gráfico, a fim de produzir uma história em quadrinhos (que poderá, eventualmente, ser adaptada para cinema). Cachalote, que agora sai pelo selo "quadrinístico" da Companhia das Letras, com argumento de Daniel Galera e desenhos de Rafael Coutinho, é o primeiro fruto dessa nova safra. Cachalote se compõe de cinco histórias que acontecem em vários planos, mas que, ao contrário de filmes como Short Cuts (de Robert Altman), não se entrecruzam. A do escritor esquizofrênico, por exemplo, pode até lembrar a de alguém da geração de Galera, mas as outras são altas elaborações, que não permitem identificação imediata. A melhor delas talvez seja a do vendedor da loja de ferragens, que atrai mulheres sadomasoquistas, mas que acaba se apaixonando por uma maluca autodestrutiva. Em seguida, a história do playboy abandonado à própria sorte em Paris e na Espanha (como tanta gente que foi "para a Europa" ou "pra fora", e se perdeu mais). Boa, ainda, a história do escultor, que, embora recluso, aceita um convite para atuar numa filmagem (mas que termina sem saber se foi realizada ou não). E boa, também, a do ator decadente, que está condenado a uma roda-viva de fama, eventos... e excessos perigosos. Galera, mais uma vez, exercita sua versatilidade como escritor, afinal seus textos já haviam sido adaptados para cinema e para teatro. E ganha uma nova ocupação: a de roteirista, profissional, de histórias em quadrinhos. Já os desenhos de Rafael Coutinho não deixam nada a dever à arte de seu pai, Laerte (igualmente pai dos Piratas do Tietê e de tantos outros personagens). Cachalote, enfim, lançou, com muita competência, o novo empreendimento da RT/features. Aguardamos as novas "duplas" (com mais ansiedade a que terá roteiro de Daniel Pellizzari — e que sairá pela célebre Dark Horse).
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Cachalote |
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Julio Daio Borges
Editor |
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