Quinta-feira,
9/9/2010
Digestivo nº 470
Julio
Daio Borges
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A MORTE ANUNCIADA DA WEB, NA REVISTA WIRED
Não se sabe se para vender mais revistas (revistas ainda são vendidas?) ou se para satisfazer o ímpeto revolucionário de seu editor-chefe, a Wired veio estampando, na capa, nada mais nada menos que a "morte" da Web. Depois de tantas mortes anunciadas — algumas verdadeiras "mortes morridas" —, como a do CD, dos jornais, dos DVDs, até dos livros, matar o que, há quase 20 anos, tem sido praticamente sinônimo da internet parece um exagero, a princípio. Vale esclarecer que a internet é a rede ("física") e que a Web é a interface gráfica — inventada por Tim Berners-Lee em 1992 — pela qual navegam browsers. A tese da Wired se baseia no fato de que, nos Estados Unidos, todos estão supostamente migrando do desktop para os chamados "dispositivos móveis". Assim, o navegador ou browser (no PC) iria perdendo espaço para "aplicativos" em celulares como o iPhone e em tablets como o iPad. Segundo a Wired, deixaríamos progressivamente de navegar pela Web — uma plataforma, historicamente, mais aberta à inovação — para se deixar seduzir por "aplicações fechadas" como o iTunes, da Apple, e a Kindle Store, da Amazon. As consequências, até ideológicas, disso é que a internet terminaria dominada por gente como Steve Jobs, Jeff Bezos, até Eric Schmidt e Mark Zuckerberg. Enquanto outras iniciativas menos "vendáveis" — digamos assim —, como Wikipedia e WikiLeaks, deixariam de fazer sentido. Mais dia menos dia, a internet cairia na vala comum do velho mainstream, onde uma infinidade de players cederia lugar a uma meia dúzia de três ou quatro. Como acontece, justamente, na televisão, no rádio, na imprensa impressa... e em qualquer outra categoria da velha mídia que você conseguir elencar. Parece também que existe um certo "cansaço", por parte do velho mainstream media, de haver lutado, há quase duas décadas, para conquistar a Web e, ao contrário do Google, não ter encontrado (ainda) uma fórmula (leia-se: um modelo de negócio). Assim, enterrar os browsers (onde ninguém paga por nada) e introduzir os "aplicativos" em iPhones e iPads (onde nos obrigariam a pagar) soaria como música aos ouvidos dos decadentes barões da mídia. Entoando o canto da sereia, ninguém menos que Steve Jobs — o homem que fez as pessoas pagarem, novamente, por música (e que poderia, em tese, convencê-las a pagar por outros tipos de mídia digital). Todo esse discurso não parece combinar com a Wired e, sobretudo, com seu editor-chefe, Chris "Free" Anderson. A revista do futuro evocando o passado e o editor do "almoço grátis" nos incitando a pagar. A justificativa talvez resida no fato de a Wired pertencer a um (velho) grupo de mídia (que tenta sobreviver), e ter, recentemente, contratado um novo editor, Michael Wolff (coincidência ou não, o biógrafo de Rupert Murdoch). A revista de papel — antes de tudo — e o aliado do maior comprador de jornais impressos dos últimos anos. Chris "Long Tail" Anderson parece meio deslocado nestes "novos tempos" da Wired e, para compensar, chama, para um debate, Tim "Web 2.0" O'Reilly e John "The Search" Battelle. A conversa do trio, no fim das contas, termina mais interessante que o discurso retrô de Wolff. Ainda assim, a capa da Wired indica que o velho mainstream não vai capitular tão facilmente e que a velha mídia deve morrer lutando...
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The Web Is Dead. Long Live the Internet | The Web Is Dead? A Debate |
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REFLEXÕES SOBRE UM SÉCULO ESQUECIDO (1901-2000), POR TONY JUDT
Tony Judt comoveu, recentemente, o mundo, ao lutar contra uma doença rara, que ia paralisando-o, progressivamente, até a morte. O mal avançava a galope, e a morte não tardaria a ocorrer, mas Judt, supreendentemente, concedeu uma entrevista à Época — onde afirmava que continuaria escrevendo enquanto pudesse. Seu corpo quase não respondia, mas sua mente continuava límpida. Impossível não se lembrar dessa história ao ler Reflexões sobre um século esquecido (1901-2000), que acaba de sair pela editora Objetiva. Judt ficaria conhecido por Pós-guerra (2008), igualmente traduzido no Brasil, mas seus ensaios, coligidos neste novo volume, são tão interessantes quanto. E a sensação, ao avançar pela leitura, é que o mundo perdeu mais um ensaísta — do quilate de Juan Luis Cebrián; do tipo que não se forja mais (talvez porque se escreva cada vez menos em profundidade). E Judt é, deliciosamente, fluido — desde a introdução, que fisga o leitor ainda na livraria, até a última parte, quando aborda pesos pesados como Kissinger. Judt partiu convencido de que o século XXI assumiu o controle de nossa época aos borbotões: saímos dos 1900s propriamente sem nos despedir, nem ponderar o que "ganhamos" e o que deixamos para trás. Judt, por exemplo, lamenta — como Umberto Eco — o fim de uma "cultura comum", dada a profusão de informações, também na internet, isolando-nos de nossos contemporâneos e, em igual medida, de nossos antepassados. Judt observa — como Marco Antonio Villa, outro dia — que a política se esvaziou, que as discussões são majoritariamente econômicas e que não existem novas "metas sociais" a serem cumpridas. E Judt lamenta, sobretudo, o desaparecimento dos chamados "intelectuais públicos": "homens e mulheres que se dedicavam ao debate e a influenciar a opinião pública e a política" — "assumindo o papel de porta-vozes do interesse público e do povo, contra a autoridade do Estado". Tudo isso na supracitada "introdução", habilmente designada "O mundo que perdemos". Judt ainda relembra Koestler, Primo Levi e tem a audácia de criticar a quase unânime Hannah Arendt. Ressuscita Camus — sem poupá-lo —, e desconstrói, para espanto dos historiadores (ou simpatizantes), Eric Hobsbawn. Consegue retomar o interesse pela história do marxismo (quem diria) e discutir, como se fosse hoje, a "Queda da França" (em 1940). É possível supor — como Nélson Rodrigues afirmava — que Tony Judt tenha alcançado "a serenidade dos que vão morrer". O certo é que numa era de tantos "extremos" quanto a anterior, precisamos de novos faróis, como Tony Judt — pois, "se quisermos compreender o mundo do qual acabamos de emergir, precisamos ter em mente o poder das ideias".
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Reflexões sobre um século esquecido (1901-2000) |
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CENTENÁRIO DE NOEL ROSA, POR FRANCISCO BOSCO, NA RÁDIO BATUTA
Entre todas as homenagens ao centenário de nascimento de Noel Rosa, uma das melhores até agora foi a de Francisco Bosco, na nova Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles. Francisco Bosco, filho de João Bosco, era também conhecido por sua coluna na Cult — mas seu conhecimento, do Poeta da Vila, permitiu forjar um documentário que consegue ser original, sobre um personagem repisado há quase um século, quando outros grandes da MPB se perderam em "homenagens", como Caetano Veloso. O Instituto Moreira Salles (IMS) ficou conhecido, entre outras coisas, por adquirir todo o acervo musical de José Ramos Tinhorão. Em que pesem suas acusações históricas à bossa nova e a Tom Jobim, Tinhorão sempre foi um dos maiores pesquisadores da música brasileira — e, se não fosse pelo IMS, seus tesouros acabariam dispersados (ou, irremediavelmente, perdidos). Já a Rádio Batuta é uma maneira, dentro do site do mesmo Instituto (no UOL), de disponibilizar acervos musicais, como esse, para interessados. Num momento em que as rádios comerciais ficaram sem o jabá — porque ficaram sem as gravadoras (que, por sua vez, ficaram sem o CD) —, as rádios, na internet, são as poucas que ainda conseguem correr riscos. E os podcasts, naturalmente, forçaram as velhas rádios a oferecer — além do streaming óbvio — a programação para ser ouvida "sob demanda". Assim, já funciona, exemplarmente, a rádio Cultura (AM e FM), aqui no Brasil; e, evidentemente, há mais tempo, as rádios "BBC", para o mundo todo. O mérito de Francisco Bosco foi o de reconstituir toda a trajetória de Noel, estruturando o roteiro, logicamente, em cima de seus sambas — mas costurando, como ninguém mais neste ano, depoimentos de gente como João Máximo e Carlos Didier (os melhores biógrafos do Filósofo do Samba), Sérgio Cabral (o biógrafo e jornalista, não o político), Carlos Rennó (letrista e jornalista) e até Caetano Veloso (primeiro o músico, depois o polemista), entre outros (e outras). Sabiás, pardocas e feitiçarias, o documentário, contextualiza, ainda, o Poeta da Vila, recontando a história do samba desde suas origens, traçando um panorama da sociedade no Rio da época e dando exemplos de por que Noel Rosa foi tão revolucionário (e arriscando por que continua tão clássico). Dividido em algumas partes, Sabiás, pardocas e feitiçarias abre com o reconhecimento do Noel Rosa poeta, como um Vinicius de Moraes avant la lettre, e, de certa forma, encerra com a explicação do Noel Rosa filósofo, ao conceber uma visão particular de mundo e ao legar uma inegável sabedoria às próximas gerações. Noel, mesmo irreverente e antiacadêmico, teria aprovado, pois sempre teve o apuro e brilho em alta conta — qualidades que não faltam ao documentário de Francisco Bosco.
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Sabiás, pardocas e feitiçarias |
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CAMINHOS DE UM BRASIL SOLIDÁRIO, DE LUIS EDUARDO E ANA ELISA SALVATORE
Naquela idade em que todo mundo descobre o Brasil, Luis Eduardo e Ana Elisa Salvatore descobriram o País também, mas desenvolveram uma relação diferente daquela que a maioria das pessoas desenvolve com o Brasil e os brasileiros. Sua descoberta do País não ficou só em algumas viagens, mas se converteu numa sistemática de percorrer o Brasil de norte a sul, primeiro registrando suas paisagem e seu povo. Luis Eduardo tomou para si a herança do avô fotógrafo e montou, junto com a irmã Ana Elisa, um dos maiores arquivos iconográficos sobre o País nos últimos anos. Fruto dessa iniciativa, O Brasil na visão do brasileiro foi o primeiro livro da dupla, ainda em 2003. O sentimento de descoberta e o registro dos primeiros anos, imediatamente, deu lugar a um instinto de solidariedade — de modo que Luis Eduardo e Ana Elisa concluíram que não bastava apenas mostrar esse Brasil (para os demais brasileiros), mas que era igualmente necessário transformar a realidade dessas pessoas. Nasceria, então, o Trilha Brasil, que combinaria o evento do Rally dos Sertões com ações solitárias — e, posteriormente, o Instituto Brasil Solidário (IBS), que, a partir de uma bem-sucedida iniciativa periódica, lançaria as bases para uma verdadeira ONG. Em 2009, por exemplo, o IBS atendeu 27 municípios, 60 escolas, doando mais de 100 mil livros e levando mais de 20 mil kits escolares. No mesmo ano, o IBS promoveu centenas de atendimentos ginecológicos, oftalmológicos, odontológicos (entregando mais de 20 mil kits médicos). Também em 2009, o IBS plantou mais de mil árvores e distribuiu quase 3 mil cestas básicas. E, ainda no ano passado, o IBS envolveu mais de 2 mil professores e beneficiou mais de 650 mil pessoas em seus projetos sociais. Como se não bastasse, agora em 2010, Luis Eduardo e Ana Elisa Salvatore lançam um segundo livro, Caminhos de um Brasil Solidário (pela editora Melhoramentos). Nele, misturam — com a mesma habilidade de sempre — as incríveis fotos de Luis Eduardo, das paisagens e das pessoas, com as histórias, dele, de Ana Elisa Salvatore e de outros participantes do projeto, como o cartunista, articulista e podcaster Diogo Salles. Caminhos... se divide nas cinco regiões do Brasil e, além de homenagear os lugares pelos quais Luis Eduardo e Ana Elisa se apaixonaram, enfoca alguns brasileiros, que, apesar da distância, eles efetivamente amaram — personagens-símbolo, de uma cultura; exemplos, de uma transformação... promovida... pelo Instituto Brasil Solidário.
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Caminhos de um Brasil Solidário |
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Julio Daio Borges
Editor |
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