Quinta-feira,
30/9/2010
Digestivo nº 471
Julio
Daio Borges
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PING, A REDE SOCIAL DA APPLE
Até o sucesso do Facebook, a história das redes sociais era uma história de prejuízos incalculáveis. As redes sociais bateram sempre recordes em número de páginas navegadas (pageviews), mas eram ineficientes para a veiculação de anúncios. Os usuários simplesmente não clicavam. Logo, não havia um "Google das redes sociais". Mesmo o Orkut, aqui no Brasil, era um portento, em termos de audiência, mas assustadoramente dispendiosa, como rede social — até por conta dos eternos processos judiciais (pedofilia etc.). O Facebook não só mudou essa história, com seus produtos virtuais, e jogos no estilo FarmVille, como se tornou o endereço mais acessado da internet. Mais acessado que o outrora todo-poderoso Google... Steve Jobs, o mago da computação na Apple, deve ter feito um raciocínio parecido. Como Bill Gates, Jobs nunca quis entrar na internet para perder dinheiro. Como já tinha a iTunes Store, a maior base de compradores de música da internet pós-pirataria, lhe pareceu lógico criar uma rede social a partir daí. Vale lembrar que o MySpace, a maior aposta de Rupert Mudoch na internet, começou originalmente como uma rede social "musical". Do mesmo modo, a Last.fm — a "última FM" —, teve o seu momento. A estratégia se juntaria ao movimento da Apple no sentido de se tornar uma "rede proprietária", para além da Web — alicerçada em dispositivos móveis como o iPhone e o iPad. Depois da apresentação oficial em setembro, no famoso estilo "Jobs", o mercado de internet tremeu, e imaginou que a Apple dominaria as redes sociais também. Ocorre que Steve Jobs ainda é um empresário old school, quase do velho mainstream: à medida que vai ficando poderoso, vai revelando sua ambição de controle — tanto quanto... Bill Gates? Jason Calacanis, que vem provocando Mark Zuckerberg, ironizou, em sua newsletter, dizendo que o Facebook tem os e-mails das pessoas, enquanto que a rede social Ping, da Apple, tem os seus cartões de crédito... Mas Dave Winer, num segundo momento, acertou mais em dizer que Jobs não está preparado — ainda — para a Web. A rede social Ping foi construída para incentivar o consumo de faixas, jogos e vídeos na iTunes Store. Não é uma ferramenta de publicação e sequer permite grande interação entre os participantes. Vale lembrar, ainda, que a Apple "pediu uma ajuda" ao Facebook, a fim de aproximar, "na Ping", as pessoas que já estavam conectadas na rede de Zuckerberg — mas a "parceria" durou só algumas horas, pois logo o Facebook acusou a Apple de tentar acessar dados sensíveis... E, conforme vai se desenvolvendo, a rede Ping sutilmente revela uma disposição de trabalhar em favor das velhas gravadoras (como a Last.fm hoje?). Nos anos 80, Steve Jobs lutou, contra a IBM, a batalha do computador pessoal. Depois, nos 90, lutou a batalha do software, contra a Microsoft. Nos anos 2000, reergueu a Apple, e, nos 2010, parece estar vencendo a batalha dos dispositivos móveis. Sua estratégia atual parece querer sobrepor a Web e reabilitar o velho mainstream falido. Será que vai conseguir? Será que a Web permite?
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Ping, a rede social da Apple |
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EMERGING ADULTHOOD OU 'ADULTOS EMERGENTES', POR JEFFREY JENSEN ARNETT
Todo mundo conhece alguém entre 20 e 30 anos que não quer crescer. Geralmente saiu da faculdade e não quer encarar o mercado de trabalho. Muitas vezes não tem um relacionamento e prefere continuar na balada, indefinidamente. O tempo da faculdade não cumpriu suas promessas e a realidade está batendo à porta. Sem emprego fixo, ou sem a tal remuneração esperada, a pessoa não abandona o "ninho" — até porque não deseja encarar um padrão de vida mais baixo. E sem um parceiro fixo, casamento/"união estável", igualmente, está fora das possibilidades. Que tal uma viagem? Uma pós-graduação? Novas opções surgem... Uma mudança de carreira? Dar a volta completa e — de repente — cair no mesmo lugar. Enquanto as coisas não se definem, volta-se ao começo... Durante anos. De repente, os 20 se acabaram, os 30 estão aí... E nada... Você conhece alguém que vive assim? Soa como um problema do Brasil, ou dos países emergentes, ou dos "latinos". Acontece que o termo "emerging adulthood" ou "idade adulta emergente" (em tradução literal) foi cunhado, em 2000, nos Estados Unidos. Lá, essas pessoas — que não crescem — estão sendo chamadas de "boomerang kids". Pois: como nos EUA os filhos saem de casa para estudar... — quando não se tornam adultos... voltam pra casa! 40% já estão voltando, para a casa dos pais, ao menos uma vez depois que saíram. Tornar-se adulto (ou o que antes se considerava "idade adulta") costumava implicar em: 1) terminar os estudos; 2) sair de casa; 3) tornar-se financeiramente independente; 4) casar-se; e 5) ter um filho. Nos anos 60, 77% das mulheres e 65% dos homens, aos 30 anos, já haviam se tornado "adultos". Já nos anos 2000, menos da metade das mulheres e só um terço dos homens, aos 30 anos, atingiram o mesmo status. Jeffrey Jensen Arnett, psicólogo e professor da universidade de Clark (em Worcester/Massachusetts), cunhou a expressão "emerging adulthood" — pois acredita que estamos assistindo ao surgimento de uma nova fase (analogamente ao "surgimento" da adolescência, há um século). Arnett defende os "adultos emergentes", uma vez que: 1) se exige mais educação para a sobrevivência na "sociedade de informação"; 2) as vagas para "recém-formados" só diminuem (mesmo depois de todo o estudo); 3) os jovens de hoje sentem menos pressa para casar, pela liberação do sexo, o controle de natalidade e o famoso "morar junto"; 4) e as mulheres sentem menos pressa para engravidar, dadas as opções de carreira — e a tecnologia que lhes permite a procriação mais tarde. Neurocientistas explicam os "adultos emergentes" justificando que o cérebro humano, ao contrário do que se pensava, continua em desenvolvimento após os 20 anos. (Até os 25, no mínimo.) Com um córtex não 100% formado, as emoções continuariam dominando a razão (nessas pessoas). Sem uma estratégia de longo prazo, os "adultos emergentes" não conseguiriam responder à filosófica pergunta: "O que é que eu vou fazer da minha vida?". Matéria do New York Times, a publicação, por fim, questiona: "É isso mesmo uma 'fase' ou apenas falta de vergonha na cara?". (O que você acha?)
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Why are so many people taking so long to grow up? |
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A VIDA INTELECTUAL, DE A.-D. SERTILLANGES
Apesar dos BRICs, em países emergentes como o Brasil, alguns jovens se lançam na chamada "vida intelectual" sem compreender, muito bem, o que isso significa — e, sobretudo, no que isso implica. Vida intelectual, para muita gente no Brasil, não é vida — pois não existe "carreira intelectual" constituída. Os românticos, como Álvares de Azevedo, prestavam Direito; os realistas, como Machado de Assis, seguiam para o serviço público. Outros, como Guimarães Rosa e João Cabral de Melo Neto, seguiam carreira diplomática. A vida intelectual, mesmo, ficava restrita às horas livres. Ninguém se preparava, formalmente, para isso — porque, a rigor, a "vida intelectual" não existia. Ocorre, porém, que a prática intelectual — embora a sociedade brasileira não reconheça isso — não se dá no vácuo. Exige preparação. E dá trabalho... Talvez pensando nisso, a É Realizações, em sua coleção Educação Clássica, lançou, justamente, A Vida Intelectual, de A.-D. Sertillanges, filósofo e teólogo francês do século passado. Neotomista, Sertillanges se inspirou numa carta de Santo Tomás a um certo frei João, onde o pensador enumera "Dezesseis Preceitos para adquirir o Tesouro da Ciência". No primeiro capítulo, "A Vocação Intelectual", Sertillanges, por exemplo, afirma que "o intelectual é um consagrado" e que "o intelectual pertence a seu tempo". Há, claro, influência da religião, como no capítulo "As Virtudes de um Intelectual Cristão" — mas nada que atrapalhe a fruição da obra. Alguns capítulos como "A Organização da Vida" podem soar até ofensivos a nós, mas seus conselhos seguem valendo: "Simplifique", "Conserve a Solidão", "Mantenha a dose necessária de Ação". Em "A Preparação do Trabalho", no subcapítulo "A Leitura", é surpreendente encontrar um conselho como "Leia pouco". Também: "Escolha". E inevitavelmente: "Do contato com os Gênios". Sertillanges ainda ensina a "organizar a memória" e até a "fazer anotações". Se didático por um lado, A Vida Intelectual é exigente por outro: "Uma vocação não se satisfaz de modo algum com leituras soltas e trabalhinhos esparsos". Ainda: "A verdade só está a serviço de seus escravos". E evocando a frase clássica: "O gênio é uma longa paciência". Contrariando a urgência em publicar (até dos blogs): "Quero que sejas lento para falar e lento para dirigir-te ao parlatório" (novamente, Santo Tomás). E prevendo até as "redes" e "mídias sociais": "Não sejas familiar demais com ninguém, pois familiaridade demais gera desprezo e dá ensejo a muitas distrações" (sempre Santo Tomás). A coleção Educação Clássica lança, no mesmo formato, os volumes: Introdução às Artes do Belo, O Trivium — As artes liberais da lógica, gramática e retórica e Como Ler Livros (entre outros). Se alguém lembrou de autoajuda, seguramente podemos afirmar que a "autoajuda" nunca esteve tão bem aparelhada.
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A Vida Intelectual |
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PONTO FINAL, DE MIKAL GILMORE
Mikal Gilmore, jornalista veterano da Rolling Stone, tem uma tese interessante. Os anos 60 foram uma "janela no tempo" — que se fechou, a partir dos 70. "The dream is over", "O sonho acabou" — e aquela história toda... A Segunda Guerra produziu um baby boom. E os baby boomers dominaram os anos 60, com seu "poder jovem". Pela primeira vez na História, o mundo estava mudando, a uma tal velocidade, que entendê-lo se tornou uma tarefa para os mais jovens. E os mais velhos... foram destronados. Nunca mais o planeta quis ser "velho" e foi inaugurada, já naquela época, a fixação pela juventude eterna. A pílula anticoncepcional produziu a liberação sexual ("a tecnologia vem antes da ideologia" [Millôr Fernandes]). E o "amor livre", combinado à libido de Freud (e da psicanálise), minou o conceito de virgindade antes do casamento — e o próprio conceito de casamento... O idealismo juvenil se globalizou e as utopias cresceram como nunca — temperadas por supostas alternativas ao capitalismo, desde a Rússia até Cuba. Como todo jovem sempre quis mudar o mundo, explodiu a luta pelos direitos civis, nos Estados Unidos, e as manifestações antiguerra, do Vietnã. Os artistas — assim como os poetas, "antenas da raça" (Pound) — vocalizaram essas transformações, redefiniram o conceito de liberdade e catapultaram essa mesma juventude num círculo virtuoso (às vezes, vicioso). O mundo virou de cabeça para baixo. E todos nós herdamos essas mudanças... Mas vieram os anos 70. Os Beatles acabaram. Subiu Nixon. "Heróis morreram de overdose". John Lennon foi deportado. Ditaduras se consolidaram. John Lennon foi morto. Caiu o muro. A União Soviética se desmembrou. Os baby boomers morrem agora... (Neste momento, pensamos: será que a internet, também, não é uma "janela" que pode, de repente, se fechar para sempre?) Em Ponto Final, com tradução de Oscar Pilagallo pela Companhia das Letras, Mikal Gilmore reúne perfis de gente como John Lennon, Jim Morrison e Bob Marley. E de conjuntos como Pink Floyd, Led Zeppelin e The Doors. As minibiografias são interessantes para quem não os conhece. Já quem conhece, vai descobrir que os melhores insights estão na introdução. Gilmore fala em "desilusões dos anos 60", tentando aceitar que o espírito daquela época não poderia durar uma eternidade... E, sem querer, evoca Murilo Mendes: os poetas e os artistas são aqueles que se sacrificam em nosso nome, pela expressão de um sentimento... Poderia — em resumo — haver maior sacrifício que o de mudar o mundo?
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Ponto Final |
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Julio Daio Borges
Editor |
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