Quarta-feira,
25/5/2011
Digestivo nº 479
Julio
Daio Borges
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SOBRE OS ENGANOS DO MUNDO, DE SÊNECA
Por que a autoajuda faz tanto sucesso? (Todo mundo se pergunta...) Porque, apesar de Nietzsche ter matado Deus, todos os homens, em todas as épocas, procuram alguma sabedoria para viver. E, se antes se encontrava abrigo moral nas religiões, hoje estamos procurando "a arte de bem viver"... até na autoajuda! Por isso, igualmente, a filosofia tem feito cada vez mais sucesso. Os filósofos, em sua acepção, sempre foram os "amigos da sabedoria", e o que hoje rejeitamos na religião, por seus dogmas, sua intolerância e seu anacronismo, encontramos na filosofia antes ou depois da filosofia religiosa, ou cristã (às vezes até na filosofia oriental!)... Se você duvida que o interesse pela autoajuda tem raízes na mesma inquietação que suscita uma busca pela filosofia, observe estas frases de Lúcio Sêneca (3 a.C.—65 d.C, um dos maiores nomes do estoicismo imperial romano): "Regremos nossas contas com a vida, dia a dia" e "Não posso dizer que não perco nada, mas poderei dizer o que perco, por que e como" ― poderiam ou não poderiam figurar num manual de "finanças pessoais"? Já: "Quanto tempo serei, não me pertence. Pertence-me o que serei, enquanto for" e "O essencial não é viver por muito tempo, mas viver plenamente" ― poderiam ou não se encaixar num manual de "administração do tempo"??? Claro que Sêneca é muito mais do que sonha a nossa vã autoajuda (tupiniquim). Não estimula, por exemplo, o enriquecimento: "Saibam que as melhores coisas pertencem a todos". Nem o consumo: "O fato de não mais se desejar o prazer talvez seja o prazer supremo". Não acredita nas buscas espirituais em outros continentes: "Para onde quer que fores, teus vícios te seguirão". Pois: "A arte de viver bem pode ser encontrada em qualquer lugar". Para variar, advoga o equilíbrio (hoje perdido): "Se estás equilibrado, nada te atingirá". E o próprio estoicismo (óbvio!): "Nada te será mais eficaz que a confiança em ti e o firme propósito de suportar tudo". Também a independência: "O que desejo para ti é a livre disposição de si mesmo". A liberdade: "Só é livre aquele que vive uma vida plena". E a previdência: "O que pode acontecer a qualquer hora pode ser que aconteça agora". Para concluir, Sêneca encerra (retomando nosso argumento lá do começo): "Queres saber qual é a vida mais longa? Aquela que tem seu termo na sabedoria"... Sobre os enganos do mundo, que compila essas e outras pílulas, a partir das famosas Cartas a Lucílio, pertencem à nova coleção Ideias Vivas, da WMF Martins Fontes. Em menos de 100 páginas, com tradução muito acertada de Gustavo Piqueira, milênios de sabedoria nos contemplam. Ao lado de Sêneca, neste primeiro momento, estão Plutarco (Como distinguir o amigo do bajulador) e Pascal (Diversão e tédio). Portanto, antes de comprar o primeiro mago-letrista, político-religioso ou padre-cantor, consulte as fontes primárias. E não confie em best-sellers, pois já diria o mesmo Sêneca: "O povo é mau conselheiro em tudo e, nesse ponto como em todos os demais, é modelo de inconstância".
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Sobre os enganos do mundo |
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THE SOCIAL NETWORK OU A REDE SOCIAL, O FILME
A Rede Social, o filme, é a verdadeira Vingança dos Nerds (1984). Quem poderia imaginar que, décadas depois, os nerds seriam aceitos pela sociedade, a ponto de dominarem o mundo? Claro, antes de Mark Zuckerberg, houve Bill Gates, mas este, em seu período hegemônico, não gozava de muito boa reputação, levando tortas na cara, entre outras coisas. Se os nerds eram aqueles que sofriam bullying, se davam mal com as garotas — embora tivessem boas notas —, depois do advento da computação, os nerds — pelo menos nos Estados Unidos — foram promovidos a "geeks", e adquiriram uma importância, e encontraram seu espaço. O Zuckerberg, do filme, provavelmente sofreu bullying, dado o seu medo de regressar a Harvard, mas, em vez voltar para os bancos escolares atirando nas meninas — como o nosso Wellington Menezes —, resolveu criar o Facebook, conquistando-as na marra ;-) No que concerne à verdade dos fatos, nunca vamos saber quem tem razão. Até porque o filme usa de "licença poética" para contrariar o próprio livro usado na adaptação. Sean Parker, na narrativa de Ben Mezrich, não aparece como o espertalhão vivido por Justin Timberlake. Mesmo porque, no livro, toma uma bela rasteira dos investidores do Facebook e acaba, como Eduardo Saverin, "diluído". Fora que, na vida real, Sean Parker não rompeu relações com Mark Zuckerberg e — segundo um perfil recente na Vanity Fair — aconselha o jovem nerd até hoje. Independente de quem tem razão, de Zuckerberg ser mocinho ou vilão, o grande mérito do filme é transportar o universo da internet para o cinema, sem parecer, justamente, "coisa de nerd", de gente que não lida bem com a "vida real", ou de ser marketing para inflar uma nova "bolha" (ainda que a do Facebook seja preocupante). Qualquer pessoa que tenha participado de uma iniciativa bem-sucedida na internet, desde um blog até uma rede social, vai se identificar com a empreitada começada num quarto, espalhando-se de modo "viral" entre pessoas "comuns", até chamar a atenção do mainstream. A diferença entre o Facebook e tantas outras iniciativas que vimos nascer e morrer, desde o advento da Web nos anos 90, não é apenas o "fator" Mark Zuckerberg, mas, principalmente, o ambiente favorável no Vale do Silício, que permite a uma ideia florescer, plenamente, sem preocupações de curto prazo, como "despesas", "receitas" e "lucros", firmemente apoiada no dinheiro dos investidores. Fazendo uma comparação bastante grosseira, não é preciso dizer que um Facebook nunca prosperaria no Brasil: no seu primeiro salto viral, derrubando a rede de uma universidade, seu custo de manutenção se tornaria inviável, matando no nascedouro o empreendedor Zuckerberg, que acabaria trabalhando em consultoria ou banco. Sem contar que o Brasil não teve uma Web 1.0, muito menos uma Web 2.0, e, com blogueiros que simples e apenasmente "se lançam" para conseguir "uma vaga" nas velhas mídias, nunca vamos ter inovação de verdade, nunca vamos ter um Facebook ;-(
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The Social Network |
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O PAPEL DA OPOSIÇÃO, ARTIGO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Quase havíamos esquecido o que era um Presidente da República falando português direito. Depois de oito anos ratificando o erro, não surpreende que agora surjam "cartilhas" institucionalizando o português errado, sob as bençãos do Ministério da Educação (Orwelliano?), no governo do mesmo partido do ex-Presidente que desrespeitava a ortografia e a gramática diuturnamente. Se nos acostumamos com esse português sofrível há quase dez anos, nos esquecemos completamente ― se é que um dia soubemos ― o que era ter um Presidente da República que se expressasse por escrito, como Fernando Henrique Cardoso em "O Papel da Oposição", artigo publicado na Revista Interesse Nacional. Ninguém nega que as chamadas "oposições" se perderam, que a derrota na última eleição foi humilhante e que a crise do principal partido de oposição era inevitável. Mas coube a presidente de honra do PSDB a coragem de reconhecer isso; a habilidade de desenvolver esse raciocínio; e a iniciativa de sugerir novos caminhos. Colocando o dedo na ferida da indecisão que caracterizou o pleito do ano passado, FHC ratifica: "Cabe às oposições se oporem ao governo"; "Não há oposição sem 'lado'. Mais do que ser um partido, é preciso 'tomar partido'"; e "Não é hora das oposições serem mais afirmativas?". O artigo, nas entrelinhas, questiona o marketing político de ficar mais "em cima do muro" do que nunca, querendo agradar a gregos e troianos, mas passando por "genérico" inofensivo: "É a sinceridade que comove a população e não a hipocrisia que pretende não ver o óbvio". Num trecho contra o qual seu sucessor gritou, FHC aconselhou que a oposição não dispute mais "influência sobre os 'movimentos sociais' ou o 'povão'" ― "sobre as massas carentes e pouco informadas" ―, mas que procure, por exemplo, as "classes médias, que mantiveram certa reserva diante de Lula". FHC, sabiamente, conclui que "não existe apenas uma oposição, a da arena institucional": "existem vários focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade". E num momento de rara lucidez, pega o exemplo da agitação recente no Oriente Médio, através das mídias sociais, e sugere que a oposição use "redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter etc.", organizando-se "pelos meios eletrônicos". Lamenta que os "partidos abandonaram as ruas" e assume, lá no finalzinho, que ― ao PSDB ― "falta estratégia". Uma seria, digamos, "cobrar o atraso do País", da "infraestrutura", "de portos, aeroportos, geração de energia etc.". E outra seria defender "mecanismos de mercado, competição, regras jurídicas e transparência nas decisões", que "são fundamentais para o Brasil se modernizar, crescer economicamente e se desenvolver como sociedade democrática". FHC teme que "um bloco de poder capitalista-burocrático" esteja sufocando "empresas medias e pequenas", "concentrando renda". E reforça que "é preciso ter coragem de dar nome aos bois". José Serra respondeu ao artigo inaugurando o próprio site e escrevendo sua própria versão. Já Aécio Neves prepara o terreno para disputar o pleito de 2014. Inexplicavelmente, o PSDB continua ignorando a sabedoria de seu presidente de honra...
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O Papel da Oposição |
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O SUCATEAMENTO DA RÁDIO ELDORADO PELO GRUPO ESTADO
Quando começou a CBN (90,5 MHz), no final dos anos 90, "a rádio que toca notícia" soava estranha, no dial das FMs. Mas, com o sucesso da Rádio SulAmérica (92,1 MHz), "a rádio do trânsito", e com o avanço da própria Bandeirantes (90,9 MHz), no ambiente noticioso, o Grupo Estado se viu obrigado a dar uma resposta. Primeiro tentou diversificar a programação da Eldorado (92,9 MHz) com mais boletins, mais colunistas e mais "prestação de serviço". A rádio chegou num bom equilíbrio, para o ouvinte, mas não foi suficiente para sensibilizar o mercado (anunciantes). A saída encontrada foi empurrar a Eldorado para o final do dial, fundindo-a com a antiga Brasil 2000 (107,3 MHz), criando — na frequência original (92,9 MHz) — uma nova rádio 100% noticiosa, com foco nos esportes, visando a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Do lado dos ouvintes, porém, o tiro saiu pela culatra. Sem um trabalho mínimo de comunicação, a rádio "mudou" da noite para o dia, amanhecendo não mais "Eldorado", mas, sim, "Estadão ESPN". De repente, o jornal da manhã foi extirpado, junto com seu apresentador, para entrar um casal de apresentadores inexpressivos, que tentavam encaixar alguns dos velhos comentaristas, mas nem todos, mal equilibrando notícias de esportes, que nem todo mundo aprecia, com as de interesse geral. Na outra ponta do dial, a "nova" Eldorado, denominada "Eldorado Brasil 3000" (!), converteu-se numa simples playlist, com sinal ruim, prevalecendo a indeterminação sobre sua antiga programação (não-musical). Se os idealizadores da mudança queriam que os "melhores ouvintes" da Eldorado tirassem da sua memória a CBN ou alguma rádio do Grupo Bandeirantes, acrescentando a "Brasil 3000", caíram do cavalo: os velhos ouvintes não só desistiram de escutar a nova "Estadão ESPN" — que é muito chata para quem não é fã de esportes — como, igualmente, não adotaram a "nova Eldorado", que, além de chiar, na sua falta de personalidade atual soa mais adaptada a elevadores ou consultórios... Na realidade, não é de agora que a Eldorado tem sido um "problema" para o Grupo Estado. Afinal, no início dos anos 2000, o próprio "Caderno2", do Estadão, publicou um matéria afirmando que a média de idade do ouvinte da Eldorado era de 50 anos. Todo mundo sabe que uma audiência nessa faixa não dura para sempre, e, se não houver como renová-la, o veículo simplesmente morre, como estão morrendo, aliás, os jornais ;-) A programação da Eldorado, nos últimos anos, não pode, no entanto, ser acusada de acomodação. A grande maioria dos colunistas do jornal fizeram suas experiências na rádio, nesse mesmo período, mas, até com um programa que tem "blog" no nome, os ouvintes mais jovens não responderam a contento e nem, principalmente, os anunciantes (que costumam pagar a conta). É verdade que o Grupo Estado tem lidado mal com sua audiência potencialmente jovem, criticando os blogs e lançando iniciativas atabalhoadas como o "portal" Limão. Agora, contudo, a estratégia parece ser desistir dos ativos que não vem dando lucro, e o sucateamento da Eldorado soa como apenas o primeiro passo...
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A morte da rádio Eldorado |
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Julio Daio Borges
Editor |
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