Quarta-feira,
25/4/2012
Digestivo nº 487
Julio
Daio Borges
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A COMPRA DO INSTAGRAM, PELO FACEBOOK, POR 1 BILHÃO DE DÓLARES
Quando se pensava que a "exuberância irracional" da época da primeira bolha de internet havia sido varrida para debaixo do tapete, junto com a reputação de Alan Greenspan pós-crise do subprime, eis que Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, age sorrateiramente e, durante um fim de semana de abril de 2012, adquire o Instagram por 1 bilhão de dólares. OK, a internet já viveu momentos semelhantes. Até hoje ninguém entende porque a Microsoft pagou 400 milhões de dólares, em 1997, pelo Hotmail. (Nem a Microsoft.) E até hoje ninguém entende porque o Google pagou 1,65 bilhão de dólares, em 2006, pelo YouTube. (Para tomar prejuízos anuais de 1/2 bilhão de dólares ― durante anos.) A lógica do Vale do Silício diz que se está comprando, na verdade, a base de usuários (a "user base"). Mark Zuckerberg já havia feito movimentos parecidos quando, em 2009, adquiriu o FriendFeed, na calada da noite, por 50 milhões. Naquela época, diziam, a estratégia era inibir o crescimento do Twitter. Este, por sua vez, ameaçava ser adquirido pelo Google, o que não aconteceu. Na realidade, Evan Williams, do Twitter, já havia sido adquirido pelo Google uma vez, quando era dono do Blogger, e sabia muito bem que a estratégia, nesses casos, é deixar o produto meio de lado... sem atualizações. Exatamente o que Mark Zuckerberg fez com o Friendfeed. (Se é que alguém se lembra dele.) No caso do Instagram, a história diz que Mark Zuckerberg ficou assustado com o crescimento da app no sistema Android: reza a lenda que adquiriram 1 milhão de usuários em 12 horas (na semana imediatamente anterior ao fechamento do negócio). Especialistas, igualmente, afirmam que o Facebook não é, assim, tão "forte" em smartphones. E, ainda, que o Instagram ameaçava dominar no campo em que o Facebook se consagrou: o compartilhamento de fotos. Mas 1 bilhão de dólares??? Kevin Systrom, CEO do Instagram, foi durão: pediu 2 bilhões. (2-bi-lhões-de-dó-la-res.) O aplicativo, que não é nem um "modelo de negócio" ainda, estava a ponto de ser avaliado em 500 milhões ― graças à injeção de capital de 50 milhões de dólares que receberia de um fundo (naquela mesma tal semana). Mark Zuckerberg não teve alternativa senão convidar Systrom para sua casa, em Palo Alto, e passar o fim de semana inteiro negociando. 1 bilhão ― para não arranhar os 100 bilhões de valuation do Facebook ― deve ter soado como uma barganha. Ou 1 bilhão para não ver o Instagram sendo adquirido pelo "Google+" (ou, pior, pelo Twitter)... No momento em que o Facebook ultrapassa o Google em audiência, no Brasil, muita gente boa, nos Estados Unidos, já diz que o "social graph" de Mark Zuckerber não é o único... Sendo que, nesta história, ainda não entrou o Pinterest! De uma galáxia muito distante do Vale do Silício, o estado de Iowa, a rede social, que já se ombreia com o LinkedIn, começou com um site para... mulheres. E, francamente, o que predomina são dicas de moda, instantâneos em branco e preto de personalidades e gotas de sabedoria como "all you need is love". Ocorre que o Pinterest funciona especialmente bem no celular e é um "refresco" para quem se cansou de "words, words and words" (em 140 caracteres ou mais). O fato é que a simplicidade de uso de iPhones, iPads e seus respectivos "copycats" vem transformando os sistemas operacionais, como atesta o novo Windows 8, e até a própria Apple (que incluiu funcionalidades de seus tablets e smartphones nos novos Macs). Nesse cenário, a internet pré-celular, pré-iPhone, pré-2007, teria de se adaptar ao chamando mundo "pós-PC". E o Facebook, de 2004, seria uma das plataformas mais afetadas (850 milhões de usuários). Enquanto o Instagram, de 2010, já teria o "DNA" desta nova era... Será que Mark Zuckerberg pensou nisso tudo? (Os investidores do Facebook dizem que pensou.) Seus detratores dizem que agiu por instinto, tomou a decisão sozinho, comunicando a posteriori o conselho do Facebook (restando a este, apenas, "lavrar a decisão"). Hoje já sabemos, razoavelmente bem, como o Google se comporta depois de perder seu toque de Midas... Agora vamos ver como Mark Zuckerberg se comportará depois da IPO.
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A DIFFERENT KIND OF TRUTH, BY VAN HALEN
A novela do Van Halen já durava mais de dez anos. Desde o fracassado Van Halen III (1998), com Gary Cherone, a banda parecia ter pedido o rumo, para nunca mais voltar. Vale rememorar os problemas pessoais de Eddie Van Halen, nesse intervalo, com o alcoolismo, recorrente, e com o câncer (novidade). Portanto, A Different Kind of Truth, a volta em estúdio com David Lee Roth, desde 1984, é mais que uma superação, é um triunfo. É também verdade que, desde a saída de Sammy Hagar (depois de Balance, 1995), os irmãos Van Halen já haviam ensaiado seus passos com Dave Lee Roth, gravando duas faixas, para o The Best of - Volume I (de 1996), ainda com Michael Anthony no baixo. "Can't Get This Stuff No More" tem uma boa levada, mas soa hesitante, como numa dolorosa reaproximação. E "Me Wise Magic" quer passar um tom de malícia, e de intimidade, tem até um bom refrão, mas alguma coisa parece falhar... A julgar por essas duas amostras, de 1996, A Different Kind of Truth, um álbum completo em estúdio, se apresentava como uma aposta arriscada. Mas os irmãos Van Halen, mais David Lee Roth, agora suplementados por Wolfgang Van Halen (filho de Eddie, no lugar de Anthony), tiveram uma grande sacada: voltaram às origens em busca de inspiração. Se Alex havia recentemente declarado que tocar com Wolfgang era como tocar com o velho pai dos Van Halen (nos primórdios de sua formação musical), a salvação da banda, e a reaproximação sem traumas com Dave, poderia estar naquela demo tape perdida, de 1976, entregue a Gene Simmons, do Kiss (descobridor oficial do Van Halen). Também chamada de Van Halen Zero, aquela demo continha além de "Runnin' With the Devil" e "On Fire" (de Van Halen I, 1978), "Somebody Get Me a Doctor" (de Van Halen II, 1979), até "House of Pain" (de 1984). Ou seja, o primeiro Van Halen, com David Lee Roth, já havia bebido nessa mesma fonte em outras ocasiões... Assim, como se fosse um ponto de partida, "Let's Get Rockin'", "Big Trouble" e "Put Out the Lights", da demo de 1976, se converteram, respectivamente, em "Outta Space", "Big River" e "Beats Workin'", de A Different Kind of Truth, com grande parte do instrumental preservado e letras retrabalhadas. "She's the Woman" manteve-se, praticamente, a mesma. (A propósito, é a canção que abre a turnê...) Claro que quatro faixas não são suficientes para compor um álbum inteiro, mas criaram o arcabouço sobre o qual o Van Halen ― de novo, com Dave ― pôde trabalhar. Em termos de sonoridade, A Different Kind of Truth é meio chocante para os ouvintes da fase "Sammy Hagar", porque é muito mais barulhento e muito mais cru (como uma demo?). Dispensa totalmente os teclados, não tem nenhuma faixa com "love" no título, é mais acelerado que a média dos discos do Van Halen, e é mais pesado também. David Lee Roth, que parecia meio aposentado em Las Vegas, retornou no auge da sua loquacidade, não poupando o gogó e esbanjando vocabulário. "Tattoo", desde a estrutura rítmica até os versos, jamais poderia ter sido concebida sem Dave Lee Roth. Quem escreveria, por exemplo, "I got Elvis on my elbow"? Os irmãos Van Halen, ou melhor, a família Van Halen, por sua vez, não fica atrás. Alex consegue correr atrás de si mesmo em "China Town", Wolfgang passa no teste da abertura de "She's the Woman" e Eddie Van Halen, bem, Eddie Van Halen é como uma fênix ressurgindo das cinzas... Os vídeos do show de abertura da turnê, "fechado para a imprensa", mostram que, apesar de tudo, ele não perdeu a mão. Ou as mãos ;-) E Eddie se revela incasável nas velozes "China Town" (mais uma vez), "Bullethead", "As Is", e bastante atento nas complicadas "Honeybabysweetiedoll", "The Trouble With Never" e "Stay Frosty". Sorry, folks, no ballads this time, Dave parece anunciar. Até porque, pensando bem, ele não era o cara das baladas... Por fim, se ainda há espaço para uma comparação, o Chickenfoot ― de Hagar, Anthony, Satriani e Chad Smith ― soa como uma cópia fiel do "Van Halen com Sammy Hagar", mas nem se compara ao (renovado) "Van Halen com Dave". Joe Satriani pode até ser um mestre, mas Eddie Van Halen é que é o gênio revolucionário ;-)
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A Different Kind of Truth |
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CHAMADAS TELEFÔNICAS, DE ROBERTO BOLAÑO
Roberto Bolaño tem sido ovacionado, em prosa e verso, como o novo herói trágico da literatura latino-americana. O fato de não ter sido devidamente reconhecido, o fato de não ter alcançado sucesso e o fato de desfrutar de uma glória póstuma, complementada por uma morte precoce, fazem de Bolaño o eleito para uma literatura que vê a geração do "realismo fantástico" à beira da aposentadoria. A verdade é que Roberto Bolaño é, mesmo, um grande escritor, apesar de toda a ovação que hoje o precede, e que, transformando-o num sucesso póstumo, gera desconfiança em leitores de agora. Uma boa introdução para Bolaño é, justamente, Chamadas Telefônicas, aparentemente mais uma coletânea de contos (para ele, que escreveu tanto...). Acontece que o livro fisga o leitor desde o primeiro conto, "Sensini". Desde as primeiras frases se percebe a observação fina e as colocações sábias de quem entende do que fala. Uma das obsessões de Bolaño era o mundo literário. Falou de sua geração como ninguém. Mas falou de escritores, em geral, como poucos também. Sensini, o personagem, aliás, conclui: "O mundo da literatura é terrível, além de ridículo". Bolaño não esquece os detalhes comezinhos, da literatura como trabalho (ou quase isso): "De vez em quando recebia um cheque por algum de seus numerosos livros publicados, mas a maioria das editoras se fazia de esquecida ou havia quebrado". Ou das tentativas de sobrevivência dos escritores (latino-americanos ou não): "Quis voltar para a universidade mas, entre trâmites burocráticos e invejas e rancores dos de sempre, o acesso lhe foi negado e ele teve que se conformar em fazer traduções para algumas editoras". A ironia de Bolaño lembra Villa-Matas, o espanhol, um dos grandes do nosso tempo: "Os maus poetas costumam sofrer como animais de laboratório, sobretudo ao longo de sua dilatada juventude". Esse trecho, inclusive, é do conto "Enrique Martín", dedicado a ninguém menos que... Enrique Villa-Matas (!): "Naquela época eu tinha vinte e cinco anos e pensava que já tinha feito de tudo. Enrique, pelo contrário, queria fazer de tudo e se preparava à sua maneira para engolir o mundo". O que pensavam da obra um do outro? Bolãno teria influenciado Villa-Matas? Ou teria sido o contrário? Uma pergunta que as vindas de Villa-Matas ao Brasil provavelmente nos deixaram sem resposta. "A princípio, seu livro passa despercebido. Depois, num dos principais jornais do país, publica[-se] um resenha absolutamente elogiosa, entusiasta, que arrasta os demais críticos e transforma o livro num discreto sucesso de vendas". Mas nem só de escritores vive Chamadas Telefônicas. Um dos contos mais líricos, e um dos mais tristes também, é "Joana Silvestri": sobre uma atriz pornô italiana que vai reencontrar o amor em Los Angeles. "(...)ele tinha me chamado de Joannie, por uns segundos flutuei no ar como que drogada ou como se estivesse tecendo uma crisálida ao meu redor, mas depois me dei conta e ri e Jack soube do que eu ria sem precisar perguntar e sem precisar que eu dissesse nada". Outro dos melhores contos do volume é "Vida de Anne Moore": praticamente a crônica de desamores da personagem, que, em grande parte, transcorre nos Estados Unidos, sendo de uma verossimilhança quase absurda, para um autor "latino". Nessa história, Bolaño não fala de escritores, mas fala de arte (ou de, ao menos, um artista): "Às vezes era insuportável, mas também sabia quando era insuportável e tinha então a virtude de se trancar no ateliê e pintar o tempo todo em que estivesse insuportável(...)". No Brasil, a consagração de Roberto Bolaño tem se dado, logicamente, por Os Detetives Selvagens, sua obra-prima. Mas canhestramente, também, por 2666, uma obra póstuma, incompleta, que, na sua ambição, tem sido comparada até ao Dom Quixote. Nem tanto à terra, nem tanto ao mar: antes de encarar o gênio de Roberto Bolaño e se engasgar com sua inventividade, numa obra magna ou inacabada, a sugestão é se embrenhar pelos contos. Afinal, todo grande escritor se manifesta em qualquer formato, ou não se manifesta jamais.
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Chamadas Telefônicas |
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DEZ ANOS QUE ENCOLHERAM O MUNDO, DE DANIEL PIZA
Dez Anos que Encolheram o Mundo (2011) foi o último livro de Daniel Piza. Dando continuidade a seu bom relacionamento com a editora Leya, a ideia era fazer uma retrospectiva da primeira década dos anos 2000. Assim, Daniel dividiu a tarefa em cinco partes, ou assuntos: Política & Economia, Cultura & Comportamento, Ciência & Tecnologia, Meio Ambiente & Metrópoles e Esportes. No programa Pânico, onde foi para fazer a divulgação (quem diria...), alguém fez a piada de que ele "já tinha o livro pronto", "antes de a década haver terminado". E, de fato, um balanço, em 2011, era mesmo precoce. Mas como Daniel Piza foi precoce em tudo... Infelizmente, porém, seu último livro não é seu melhor livro. Talvez por excessiva influência do jornalismo diário ― Daniel Piza foi editor-executivo do jornal O Estado de S. Paulo ― , a retrospectiva de Dez Anos que Encolheram o Mundo soa um tanto quanto burocrática, como um clipping, onde o desejo de informar prejudica a reflexão, e o pensamento original (uma das marcas registradas de Daniel Piza). A divulgação, aliás, que passou por outros programas inusitados (onde Daniel nunca havia estado, como o de Otavio Mesquita), revela, igualmente, um desejo de mais público. Juntando as peças, Dez Anos que Encolheram o Mundo foi planejado para ser um best-seller, por isso, talvez, as concessões. Para que se tenha uma ideia de como Daniel sacrificou a originalidade, o título, que parece um conceito novo, na realidade deriva do insight de Thomas Friedman, em seu livro O Mundo é Plano, de 2005. Ambos se inspiram na globalização, uma palavra que tinha mais força nos anos 90 (o auge de Daniel na Gazeta Mercantil), e na expressão, quase aposentada hoje, "aldeia global". Ainda assim, Dez Anos... tem bons momentos, como a parte de "Esportes", a melhor de todas ― não à toa uma das editorias às quais Daniel mais se dedicou, nos últimos anos, como colunista e comentarista de futebol. Na parte de "Política & Economia" se destacam os capítulos dedicados a Barack Obama e à era Lula. Na de "Cultura & Comportamento" (outra das especialidades de Daniel) se destaca o capítulo "Literatura Minguante". E na de "Esportes" (já citada), os capítulos "O Negócio do Espetáculo" e "Ídolos, Recordes e Polêmicas". E Daniel Piza, claro, erra, como não poderia deixar de ser (ao abranger um escopo tão grande)... Apesar de "economia" ser um "adendo" da primeira parte, como muitos outros jornalistas brasileiros antes dele, Daniel se atrapalha ao tentar explicar a crise de 2008 e o subprime, quando diz que "dívidas eram repassadas adiante por instituições sem capacidade de lastreá-las" (pág. 22). Na realidade, as instituições que faziam a "originação" (em economês) dessas dívidas não eram necessariamente obrigadas a lastreá-las. Quem deveria "lastreá-las" eram os devedores, mas como não tinham nem renda, nem emprego, nem ativos ("nijas")... O erro, portanto, não foi de lastro, foi de avaliação de risco. Mais adiante (pág. 35), quando fala do WikiLeaks, chama Julian Assange de "jornalista australiano". Assange nunca foi jornalista e, inclusive, menosprezada a inteligência dos jornalistas (como conta seu ex-associado "Daniel Schmitt"). Por fim, na página 60, ao falar de animação, classifica a Pixar como "produtora" e diz que foi batizada assim, em 1986, por Steve Jobs. Bem, primeiro que a Pixar não é uma produtora, é um estudio. Depois, Steve Jobs não a batizou, o nome surgiu num brainstorm com os fundadores da Pixar (Jobs não era orignalmente fundador), que gostavam do verbo "pixer" (a partir de pixel), convertendo-o para o espanhol, "pixar". Enfim: Daniel se ressentia com aqueles que apontavam "pequenos erros" em seus livros, qualificando-os como "bobagens" ― mas, dependendo do erro, pode até não ser "pequeno" e pode estar em jogo a credibilidade de todo o livro. Mas essa é outra discussão... E por falar em discussão, aliás, surpreende que Daniel Piza tenha dado tanto crédito à internet no capítulo "Google, Facebook e a web 2.0" (sendo que criticou a grande rede duramente ao longo dos anos 2000): "Poucas coisas definiram tão bem a década quanto a expansão e a consolidação da internet no dia a dia de pessoas no mundo todo". Continuando: "(...)não foi apenas uma mudança no cotidiano dos consumidores: foi uma transformação profunda, e ainda por ser inteiramente compreendida". Dez Anos que Encolheram o Mundo, agora, serve aos leitores que desejam matar a saudade dos textos de Daniel Piza. Tanto de seus acertos quanto de seus erros, quanto de suas reviravoltas ;-)
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Dez Anos que Encolheram o Mundo |
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Julio Daio Borges
Editor |
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