Quarta-feira,
19/9/2001
Digestivo nº 50
Julio
Daio Borges
>>>
PARA VER COMO É QUE FICA
O líder Taleban provou que também tem o seu estoque de "bravatas bélicas". Afirmou com todas as letras que eles não vão entregar Osama bin Laden, enquanto não existirem provas contra ele. Afirmou também que, se os Estados Unidos insistirem muito, declaram "guerra santa" contra a nação mais poderosa do globo - e contra todos os que se dispuserem a apoiar. É o mesmíssimo "with us or against us", só que em sentido contrário. E o mundo não contava com a valentia de países que, como o Afeganistão, são só areia e pedra. Instala-se um impasse "diplomático" que seria cômico se não fosse trágico. Enquanto George W. Bush se empolga com suas arbitrariedades, ao invocar as "cruzadas" e ao proclamar uma "new war", nova-iorquinos ainda morrem de inanição e de dor, embaixo do que sobrou das torres. É desumano, mas os episódios envolvendo o atentado mais violento da História tendem a se acomodar, no que se poderia chamar de uma "rotina". Para o bem ou para o mal, não existe mais aquela "instabilidade iminente" que exigia uma resposta imediata - e não o jogo ensaiado da política e da mídia que, tirando esses desnorteamentos eventuais, vive de falsificar a realidade. Algumas coisas ficaram provadas, no entanto. Ficou provado, por exemplo, que as bolsas, as moedas e as economias de países periféricos como o Brasil são, na verdade, pura ficção: altamente dependentes do que se faz ou do que se deixa de fazer lá na América do Norte. Ficou provado também que o "noticiário internacional tupiniquim" se resume ao que se consegue traduzir das principais agências internacionais, como Bloomberg e Reuters. Baseando-se nisso, Nirlando Beirão cunhou uma máxima: "No fundo, o que as tevês do Brasil fizeram foi dublar a CNN". Dada a fragilidade do planeta que hoje ainda depende dos Estados Unidos para "caminhar", "pensar" e "se defender", é de se perguntar o que aconteceria se o gigante tombasse de vez. Certos ou errados, bons ou maus, vencidos ou vencedores, eles ainda são a grande referência.
|
|
>>>
Carta Capital |
|
>>>
PÓS-RETÓRICA?
"Olha, eu sei que eu não tenho te dado a menor bola em todos estes anos, nem economicamente, nem militarmente - mas eu exijo que você vá lá e obrigue eles a me entregarem o meu inimigo número 1. Como você vai fazer isso, eu não sei - mas saiba que eu me sinto muito ultrajado na minha honra e que, se você não estiver do meu lado (fazendo o que eu estou te mandando), você será considerado meu inimigo número 1. Também." (Trechos do possível diálogo entre Estados Unidos e Paquistão, sobre o Afeganistão e Osama bin Laden.) A eleição meia-boca, ou meia-sola (alguns falam em votos comprados e, portanto, fraude), que elegeu George W. Bush, volta a ser desenterrada num momento de instabilidade e incerteza como o atual. É flagrante que o ex-governador do Texas não tem o pulso firme para seguir adiante - nem a certeza cega para invadir um país - e fica, assim, "fazendo média" com a Europa: "Vocês vão lá comigo? Se vocês forem, eu vou. Se vocês não forem, eu não vou." Por outro lado, Colin Powell, assume as rédeas das Forças Armadas, e proclama que não vai esperar os três dias de ultimato que o Paquistão impôs ao Afeganistão para entregar Bin Laden. George W. Bush e Colin Powell estão se distanciando, no que se refere à intensidade e à ênfase com que cada qual pretende conduzir a "guerra". É provável que o último perca a paciência com o primeiro, afinal, lá se vão mais de dez anos desde a Guerra do Golfo, um episódio que atesta a inabilidade da Dinastia Bush em lidar com assuntos que envolvam o Oriente Médio. Mas não há de ser nada. Esta nova revolução, esta novíssima ordem (como diria George "sem o W" Bush), certamente deixará o lodo de uma nova burocracia (como diria Kafka). De concreto, ficarão as perseguições e as humilhações ao cidadão comum, terceiro-mundista, dado que os serviços de "inteligência" falharam e não previram o ataque terrorista. Nos aviões, além do cobrador e do motorista, agora também a bordo uma delegacia.
|
|
>>>
CNN |
|
>>>
UM ESTRANHO FERIADO
O fim-de-semana se arrasta como uma tentativa frustrada de "metabolizar" e de "incorporar" toda a desgraça que se abateu sobre Nova York e o World Trade Center. Uma das maneiras de se fazer isso é acreditar em George W. Bush, e no Governo dos EUA, imaginando que uma invasão ou um bombardeiro ao Afeganistão vai devolver toda a tranqüilidade e toda crença num "mundo melhor". É preciso, portanto, muita fé no Tio Sam (que, em matéria de segurança e de terrorismo, aliás, não fez sua "lição de casa"). Outra maneira é tentar encaixar a dura realidade dos atentados, importada do Oriente Médio e das disputas religiosas, no dia-a-dia das grandes cidades do Ocidente. É conviver com a possibilidade de uma bomba no metrô, de uma faca dentro de um vôo doméstico, de um míssil que, perseguindo um "símbolo" qualquer, pode desabar como o céu na cabeça de milhares de inocentes. E é lamentável informar: mas a guerra contra o terrorismo é, de algum modo, uma guerra perdida, assim como a eterna (e velha conhecida) guerra contra as drogas. Um dos maiores temores, portanto, agora, é o de que o terror - e todas as iniciativas macabras que conduzem a ele - sejam "culturalmente" absorvidos, como práticas e como procedimentos, de modo a infernizar sociedades que nunca experimentaram esse gênero de retaliação entre "oprimidos e opressores". Por exemplo: nos Estados Unidos, neste momento, dezenas, centenas ou milhares de "terroristas amadores" estão aprendendo, a cada nova reportagem da CNN, exatamente como é que se faz. Tão logo possam, não resta dúvida, ensaiarão também um "sequestro com facas", emulando os camicazes de 11 de setembro (talvez não com a mesma contundência). Enfim, o desastre do WTC não se encerra em si mesmo. O melhor que se faz, portanto, é abraçar um comprensão "histórica" dos fatos e uma ação "global" frente ao problema. Qualquer reducionismo (texano ou não) vai reverter em novas ondas de terror e medo. A humanidade é hoje uma só. Junto com a globalização da economia, veio a globalização também das "diferenças".
|
|
>>>
Carta Capital |
|
>>>
WITH US OR AGAINST US
Não se pode mais dizer que o inimigo não tem rosto. Ou nacionalidade. Qual a sensação de ser o vilão mais procurado pelo "mundo civilizado" desde a Guerra Fria? Desde o Eixo? Dentro do contexto ocidental, Osama bin Laden e o Afeganistão (em muito menor intensidade, é claro) estão na "lista negra" do que se considera a "humanidade" (como se depois do atentado eles houvessem traído a própria raça e se aliassem aos alienígenas de "ficção científica", que planejam invadir a Terra). Conforme anunciou o presidente Bush (que, approposito, não é lá muito original em seus pronunciamentos): é "o bem contra o mal" ou "good versus evil". (E você, de que lado está? - só faltava perguntar.) Os discursos no Congresso e no Senado andaram inflamados no dia subseqüente aos atentados, mas - afora as investigações (que deram um salto) - pode-se afirmar que os "ânimos bélicos" dos EUA se arrefeceram no terceiro dia de terror. Fala-se em 18 terroristas identificados nas aeronaves (5 em duas delas, e 4 nas duas outras). Calcula-se uma rede de, no mínimo, 50 pessoas envolvidas no planejamento da catástrofe. Por uma coincidência de algarismos, o Exército dos Estados Unidos pretende convocar 50 mil reservistas. A desproporção de recursos mobilizados atravessa a ordem dos milhares e dos bilhões (quando se pensa em dólares). O fato é que os USA estão se armando em escala industrial (a cada novo pronunciamento), de tal forma que, se não houver conflito homem-a-homem, a audiência global vai ficar frustrada (se eles simplesmente resolverem enforcar meia dúzia de orientais detidos que, de qualquer jeito, estariam preparados para morrer ou se suicidar). Mas o que significa, de repente, jogar uma bomba atômica no Afeganistão ou executar Bin Laden com uma injeção letal? Não significa nada: as torres não vão se reerguer e as vítimas fatais não vão ressuscitar. Eis aí uma encruzilhada histórica. Morrendo ou matando, o desastre é - para todo o sempre - irremediável.
|
|
>>>
http://www.osamabinladen.com/ |
|
>>>
DAY AFTER DAY, ALONE ON THE HILL
Amanhecidos do pesadelo, os EUA iniciam a contagem (estimativa) de seus mortos e feridos. Vozes se fazem ouvir por entre os escombros, como fantasmas, numa "catacumba" de pessoas enterradas vivas. A mais alta tecnologia dos celulares cruza o oceano, enquanto seres humanos padecem em meio ao desabamento (primitivo) de duas, três, quatro... - quantas forem as montanhas de concreto. De repente, a civilização com mais "meios" de todos os tempos, encontra-se numa das situações mais precárias da História, digna do homem das cavernas. Mas o "american people" está longe de ser a única vítima. O World Trade Center é, além de tudo, o retrato de uma Babel moderna, em que múltiplas nacionalidades costumavam conviver profissionalmente. E nenhuma outra construção "posta abaixo" (nem mesmo Times Square ou Wall Street) faria a Terra parar de rodar, como o WTC fez. Sem falar que o ocorrido tem todo um simbolismo digno de uma catástrofe bíblica, do Antigo Testamento. Os mestres de cerimônia dos cultos ecumênicos, aliás, já perceberam isso, evocando os "velhos profetas" em alto e bom som. Quando o Homem se vê diante de um acontecimento irreal, que não consegue entender nem explicar, volta-se para Deus. (Deus? Que Deus? O Deus do capitalismo ou o Deus da guerra?) George W. Bush traveste-se de Moisés norte-americano, junto com seu fiel escudeiro, Colin Powell (ou seria o contrário?). Agora vão ter de abrir caminho pelo mar - e libertar seu "povo" de uma humilhação sem precedentes, que coloca os EUA num transe hipnótico, dadas a persistência e a velocidade com que são repetidas imagens e palavras. De delírios coletivos assim é que nascem as declarações de guerra, e os movimentos mais sangrentos da humanidade (vide nazismo, stalinismo e maoísmo). Quem acredita em Nostradamus ou na Era de Aquário, anda se esbaldando em interpretações. Parece que, entre as profecias, está a de um conflito que, uma vez encerrado, traria mil anos de paz. Obviamente, àqueles que "sobrarem". Junto com as baratas.
|
|
>>>
Folha Online |
|
|
|
>>>
Julio Daio Borges
Editor |
|
|