Quarta-feira,
26/9/2001
Digestivo nº 51
Julio
Daio Borges
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MAIS QUE CEGO EM TIROTEIO
Quinze dias depois dos atentados ao Pentágono e ao World Trade Center, a Imprensa continua remexendo os escombros atrás de explicações e respostas. Dado o amontoado de bobagens, erros e imprecisões publicados mundialmente, já se fala em outro atentado à humanidade - e à inteligência. Não existe, porém, mistério no atual fenômeno. A opinião pública, a que mais pressiona os grandes cérebros atrás de soluções e esclarecimentos, acaba sendo a mais prejudicada e desorientada nessa história toda. Luís Fernando Veríssimo uma vez escreveu que se deveria trocar os astronautas por poetas e, numa visita hipotética à Lua, cobrar-lhes metáforas e frases de efeito a cada nova visão ou fato marcante. É mais ou menos o que se faz agora, com a diferença que os ases da pena no Ocidente ainda estão muito mal preparados para compreender o Oriente (pior até que o “astronauta inspirado” de Veríssimo, pisando na Lua pela primeira vez). Para começar, existe um horizonte de tempo diferente. Qualquer entrevista de Bin Laden remonta às Cruzadas, percorrendo milênios de História. Já o melhor jornalista da CNN tem como referência a Guerra do Golfo – recorrendo, quando muito, a Pearl Harbour (nem sempre com conhecimento de causa). Outro aspecto – por demais óbvio – é o religioso. Para os terroristas, Alá, o Alcorão e os profetas são como o pão-nosso-de-cada-dia. No Ocidente, ao contrário, fé, crenças, cultos são, antes de tudo, prova de debilidade mental, recorrente motivo de chacota. Por último, há o caráter “coletivista” dos orientais, que faz do indivíduo mero instrumento dentro de uma causa maior – coisa incompreensível para o homem pós-moderno, que só se solidariza em tragédias (como, aliás, esta). As coberturas e as análises ainda vão patinar e tropeçar muito – mas valerá à pena, um dia, como choque e aprendizado.
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Carta Capital |
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O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE)
O Nello's fica na rua Antonio Bicudo, em Pinheiros. É a cantina italiana comandada pelo célebre ator Nello de Rossi. O mesmo que, no Brasil, popularizou-se com a frase: "Mas que bonita camisa, Fernandinho!". (Fernando é um nome quase proibido na política, mas a exclamação se refere apenas a um comercial vinculado pela tevê há uns 15 anos atrás.) Gastronomicamente falando, o Nello's produz alguns dos pratos mais tradicionais e saborosos - por preços que, em São Paulo, são milagrosos. Um macarrão com molho de tomate e pequenas almôndegas, por exemplo, custa pouco mais de 10 reais; um carpaccio, com tempero autêntico, pouco mais de 5. Dentre as suas especialidades está o tartufo: coberto por uma camada branca, que lembra marshmallow, tem o recheio amolecido, que derrete na boca (não vem congelado, nem é difícil de mastigar). As paredes são forradas por posters de filmes, em que Nello atuou, ou que produziu ou dirigiu. Não muito raramente, ele aprece para contar as histórias do tempo em que era galã, das suas participações em A Festa (de Ugo Georgetti), e da direção que fez de Lúcia Veríssimo. Para ele, os franceses inventaram o cinema; os italianos, o longa; os brasileiros, a narrativa em computação gráfica. Tem muitos projetos para o futuro e garante que seus amigos de infância são influentes junto a "Sua Eccellenza" Silvio Berlusconi. A maneira quase quixotesca com que Nello acredita em si e nas possibilidades que virão é altamente entusiástica - um antídoto contra a apatia e a descrença na vida. Não se fazem mais italianos como antigamente. Nem cantinas. Pequenos quadros contêm as anotações de quem passou pelo restaurante e registrou suas impressões, enquanto prazerosamente matava a fome. O Nello's deveria entrar para os anais gastronômicos da cidade. É visitar antes que acabe.
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Nello's - R. Antônio Bicudo, 97 - Tel.: 3082-4365 |
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I SEE LIVING PEOPLE
Inteligência Artificial estreou, excepcionalmente, sem repercutir em campanhas publicitárias ou de merchandising (coisa dada como certa quando se trata de uma produção de Steven Spielberg). A aparente timidez ou "low profile" com que o filme foi lançado no Brasil (e no mundo, provavelmente), talvez se explique por uma peculiaridade bastante marcante. Inteligência Artificial acabou como um "crossover" entre o braço tecnológico de Steven Spielberg e o traço cruel no esboço original de Stanley Kubrick. É ao mesmo tempo a desgraça e a salvação do filme. Quem não gosta nem de um nem de outro, não devia nem tentar assistir porque, embora a sua forma final seja a de um "frankenstein", o longa ainda assim é extremamente autoral. A primeira parte e, portanto, a concepção (como já se disse) é puro Kubrick. O projeto de montar um robô que emule o comportamento e, principalmente, as emoções de uma criança é um iniciativa que não é estranha ao universo "desumano" do diretor de Laranja Mecânica. Dar vida própria e, em certa medida, "sentimentos" a esse andróide infante, para depois abandoná-lo e condená-lo à sina de um pinocchio do século XXI, não tem nada de Spielberg, mas tudo de Kubrick. É nesse ponto da história que o diretor de E.T. assume o timão. A pureza e a fantasia do garotinho que interpreta o mundo "feio e sujo" dos adultos faz-se presente em cada cena, culminando com o final, que é de um sentimentalismo desnecessário e extenuante. A questão aqui não é saber se Spielberg fez ou não jus ao legado de Kubrick. O último certamente previa que o primeiro conduziria a saga do robô-mirim, David, à sua maneira, ou seja, ressaltando o que havia de fabular e de "irreal" na história. O balanço é, portanto, positivo, para quem se dispõe a analisar as pegadas de Stanley e de Steven, mas não para quem está atrás de entretenimento puro (principalmente nestas épocas em que não é de bom tom falar no fim do mundo).
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A.I. |
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AMANHÃ, SÓ FAÇO O QUE EU QUISER
Foi maldade o que os resenhistas fizeram com Roberto Frejat, que recentemente se aventurou em carreira solo. Dezesseis anos depois da saída de Cazuza do Barão Vermelho, a banda ameaça desabar. Não por falta de inspiração ou pela repetição incessante de fórmulas, mas sim porque os seus líderes (remanescentes) não se entendem desde 1998, ou antes. Guto Goffi gravou Puro Êxtase a contragosto, classificando o CD (posteriormente em entrevistas) como um dos piores da discografia do Barão. Dada a verve descontraída (leia-se não-roqueira) que Frejat pretende imprimir daqui pra frente, os dois resolveram se separar, por tempo indeterminado. Voltando aos críticos, parece que eles não perdoaram as incursões aboleradas do ex-parceiro de Cazuza em “Amor pra Recomeçar”. De fato, em algumas passagens (principalmente aquelas em outras línguas), ele soa como a mais pura cafonália “latin lover”. Mas isso não basta para compremeter definitivamente a obra. O disco tem pulso e batida forte, como em, por exemplo, “Som e Fúria”; o disco tem violões e o peso dos blues, como em, por exemplo, “Quando o amor era medo” e “Homem não chora”; e o disco tem seu pendor sociológico e intelectualóide (para quem gosta), como em, por exemplo, “Mão-de-Obra Ilegal” e “Ela”. Tem ainda Cazuza (“Você se parece com todo mundo”) e Marisa Monte (“No escuro e vendo”). Em resumo, não pode ser tão ruim quanto pintam. E realmente, ouvindo, não é. Frejat - aquele sujeito correto, sistemático, “low-profile” - está aprendendo a ser menos modesto e a se impor como personalidade. Enquanto isso, Guto Goffi prepara algo, em aparições relâmpago, nos bastidores. O fãs da banda, em princípio, não perderam nada.
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Clique Music |
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ENSABOA, MULATA, ENSABOA
Lush. Visto à distância, o símbolo oval, com letras que vão aumentando da esquerda para a direita, lembra um ícone dos anos 50, de super-herói, de história em quadrinhos. Mas não é nada disso. A loja, que de longe parece um armazém de secos e molhados, na verdade, vende produtos de beleza. Fresh handmade cosmetics - é o que diz o catálogo “Lush Times”. Um estabelecimento, no mínimo, curioso. Anacrônico, fora do tempo. Os sabonetes são vendidos em barra, em pleno shopping center. A vendedora corta uma “fatia” na hora, e cobra um valor que é proporcional ao peso. Explica a função de dezenas de tipos de sais de banho, em formato de laranja, que esfarelam na mão e têm um cheiro maravilhoso. Servem para todo o tipo de coisa: estresse, depressão, romance, mau-olhado. E todos os astros e estrelas (descolados) usam: o Leonardo de Caprio, por exemplo, adora uma massa que serve para massagem e é puro chocolate; já a Madonna adquiriu um líquido, que mais parece uma poção, e que promete acabar com a TPM; a Courtney Love e a Uma Thurman consomem a linha Lush, de olhos fechados, há décadas. Bem. É o que dizem as vendedoras. Mas não há que se duvidar tanto do entusiasmo e da empolgação de quem trabalha em uma das 6 lojas que já se espalham por 5 shoppings em São Paulo. Os “limpadores”, tonificantes, desodorantes “sólidos”, cremes, talcos e máscaras são feitos com ingredientes 100% naturais, resultando em misturas de dar água na boca. É um dos segredos da marca: oferecer cosméticos como se oferece comida, e seduzir o consumidor através de instintos que ele só teria despertados num supermercado, num restaurante ou numa feira livre. Flores, frutas, verduras, algas e essências - ao invés de embalagens, marketing, publicidade, grifes e top models. Pode funcionar. Apesar do preço, que é alto. Só comprando e experimentando as fórmulas dignas de Panoramix.
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Lush |
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Julio Daio Borges
Editor |
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