Quarta-feira,
24/10/2001
Digestivo nº 53
Julio
Daio Borges
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SEXO, MENTIRAS E VIDEOTEIPE
Terrorismo, ou simplesmente “o terror” (como se diz agora), dá Ibope. É o que atesta a miríade de reportagens, manchetes e capas de revista sobre o assunto nas bancas de jornal do País. Houve um tempo em que, realmente, havia interesse em se saber mais sobre os atentados, o bioterrorismo e a “primeira guerra do século XXI”. Hoje, porém, tudo tem gosto de comida requentada, aspecto de jornal velho, oportunismo de retrospectiva anual. Para que se tenha uma idéia, encontraram até uma possível conexão do Brasil – mais precisamente de Foz do Iguaçu – com os muçulmanos fundamentalistas, que estariam usando as nossas linhas telefônicas para conversar entre si e tramar golpes. Mesmo que isso seja verdade, é o tipo de notícia que leva do nada a lugar nenhum. Quantos outros países não servem de entreposto para operações ilegais, crimes e falcatruas? Não é absolutamente novidade que o Brasil vem asilando foragidos da justiça do Primeiro Mundo, tendo alguns inclusive se incorporado ao folclore nacional (como Ronald Biggs). Acontece, porém, que a imprensa vive de surpreender a si mesma. Requenta o escândalo do dia anterior, do último mês ou da década passada, assume aquele tom de horror, e estampa hipocritamente a denúncia. Quando é que o jornalismo vai abandonar esse ar de virgem violada, fingindo ignorar temas que passam debaixo do seu nariz para – no momento oportuno – exibi-los como se fossem um tremendo furo de reportagem? (Ainda mais no Brasil, onde as ligações entre Governo e os meios de comunicação são pra lá de licenciosas.) Parece que faz parte do “show”. O show da vida. Enquanto o termômetro for o da audiência, pura e simplesmente, a tendência é alimentar cada vez mais a indústria do escândalo. E do terror.
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O terror por aqui |
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O ORVALHO VEM CAINDO
Um disco que passou em brancas nuvens e que merecia mais consideração foi o álbum de canções de Noel Rosa, na voz de Cristina Buarque (a irmã mais nova da dinastia) e no violão de Henrique Cazes (um ás que já dividiu o palco com Raphael Rabello). Ambos interpretam as extremamente bem-humoradas canções do Poeta da Vila Isabel, entremeando faixas com casos e histórias acerca de cada composição. Tem, por exemplo, a reconstituição do duelo que Noel Rosa travou com Wilson Batista, então um principiante. A polêmica, como os artistas preferem chamá-la, foi na base do verso-a-verso e teve inicio a partir dos sambas Rapaz Folgado (de Noel para Wilson) e Mocinho da Vila (de Wilson para Noel). Passando pelo clássico “São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba”, culminando com “Quem é você que não sabe o que diz? Meu Deus do céu, que palpite infeliz!”. Lembranças de um tempo em que ainda existia um negócio chamado inspiração poética. O CD foi gravado com base em shows feitos no Rio, na segunda edição da turnê intitulada “Sem tostão... a crise continua”. Um título sintomático. Ao lado dessa iniciativa, por assim dizer altruísta, está a gravadora Kuarup, que vem construindo um catálogo acima-de-qualquer-suspeita, no que se refere à música brasileira. Noel Rosa, um autor de uma simplicidade quase infantil, merece ser conhecido pela geração do MP3, que entende a MPB como uma sigla muito recente (do Tropicalismo pra frente). Esse disco é uma boa oportunidade para tanto, já que as versões estão à altura (técnica) do que se produz hoje, sem falar na devoção modelar de Henrique Cazes e Cristina Buarque ao mestre.
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Kuarup Discos |
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DIARIAMENTE
Foi às bancas recentemente, o Diário de S. Paulo. A questão é: São Paulo precisa de mais um diário? A pergunta parece que não foi feita, e também não interessa àqueles que lançaram o novo jornal. De visual limpo, com espaçamento maior entre os textos, o Diário de S. Paulo transmite mais leveza e equilibra palavras com imagens (um diferencial anunciado, inclusive, quando do lançamento). As matérias são curtas e se estendem verticalmente numa única coluna (ou horizontalmente numa única linha) com notinhas complementares para quem quer, por exemplo, “saber mais”. A proposta mais ágil, com diagramação “agradável”, vem sendo adotada pelo Jornal da Tarde há tempos. O Diário de S. Paulo, porém, não quer ser sofisticado, nem dirigir-se às classes ditas médias – quer propor um cruzamento entre o Diário Popular e um certo pendor televisivo (que se traduz na escolha dos colunistas, populares na tevê, e numa tentativa de “celebrizar” o dia-a-dia, a exemplo do que a Caras vem fazendo com as “estrelas” tupiniquins). Isso é o que se vê, contudo. Ou seja: é apenas a embalagem escondendo as reais intenções do novo diário. Pela escolha das cores e dos tipos (letras), não fica difícil perceber um parentesco provável com a revista Época, das Organizações Globo. (Revista que, aliás, já conquistou o segundo lugar entre os semanários de preferência nacional, perdendo apenas para a Veja.) Juntando a essa suposição, o fato de que O Globo (o jornal) não tem praticamente penetração na capital paulista, está lançada a hipótese de que os Marinho planejam tomar de assalto a imprensa escrita brasileira. Exagero? Um quadro, colocado abaixo do artigo de Heródoto Barbeiro, acena com a evidência que faltava: “Diário de S. Paulo: empresa coligada à Infoglobo Comunicações Ltda.” Muitos afirmam que a orientação “global” não afeta em nada a conduta dos jornalistas e dos formadores de opinião que trabalham para esses veículos. Pode até ser. Mas monopólio é monopólio. E o Diário de S. Paulo, embora tímido na aparência, não parece ter vindo ao mundo à toa.
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http://www.diariosp.com.br/ |
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O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE)
Existe uma fronteira entre os anos 50 e 60 que confunde ambas as décadas no imaginário popular. Nessa fronteira se localiza a lanchonete The Fifties. Os topetudos, as “cheerleaders” e a rebeldia bem-comportada “teen” ornam os cardápios, os forros de mesa, e a atmosfera em plena rua Tabapuã. O Fifties foi apontado, num recente guia gastronômico, como o rei da batata frita, do “burger” de picanha e da banana split. Quanto ao primeiro item, a audiência, os conhecedores e apreciadores, confirmam que não há “palitos” mais crocantes por fora e tenros por dentro que os de lá. Quanto ao segundo item, é invenção de brasileiro. Só pode ser. Onde já se viu moer picanha e transformar em bife para vender em forma de sanduíche? Apesar da idéia, e da fama do corte, não há grande acréscimo no sabor. (Talvez valha apenas pela curiosidade.) Quanto ao terceiro item, é possível avaliar, através da prévia do milkshake (com licor de cacau, chantilly e cereja), que a banana com três ou mais bolas de sorvete merece estar entre o ranking das mais-mais. Na verdade, em plena era light-diet, as lanchonetes se transformaram no último reduto dos glutões. Ainda é possível encontrar aquele vizinho de mesa ventripotente, apalpando seu “sanduba”, com a mesma delicadeza de quem acaricia seu animalzinho de estimação. Ainda é possível também topar com aquela secretária cordata, repositório de mágoas e ressentimentos, prestes a se afogar em caldas e poças de gordura saturada. Enfim. Esses lugares não vão durar. Logo logo, os fiscais da silhueta e os contabilistas do valor calórico interditarão o local. Antes disso, compensa visitar e se esbaldar. Nem que seja por um certo saudosismo adolescente. Nem mais, nem menos.
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The Fifties - R. Tabapuã, 1100 - Tel.: 3168-6068 |
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THOU SHALT NOT BE AFRAID FOR THE TERROR
Nestes tempos de polarização, Oriente versus Ocidente, Os Dez Mandamentos, em DVD, é um filme que cai como uma luva. Impossível não lembrar dos terroristas atuais quando se vê Charlton Heston, o Moisés, invocando pragas de Deus contra o Egito de Ramsés. Pode ser que daqui a milênios, o Islã pinte os Estados Unidos como um império opressor, intolerante para com os fracos, tendo “escravizado” (economicamente) povos que nasceram também à imagem e à semelhança do Criador. Livres. Os fundamentalistas suicidas podiam encontrar a analogia ideal nesta fita. Talvez a tenham assistido. Cinematograficamente falando, o longa se escora na bela história bíblica, do príncipe que se descobriu plebeu, exilou-se e voltou para libertar seu povo das garras do Faraó. Quem encarna este último, exemplarmente, é Yul Brynner, provavelmente a interpretação mais relevante em mais de três horas de filme. A duração excessiva se apóia num dramatismo desnecessário que, transcorridas as devidas décadas, não é muito melhor que o sentimentalismo barato que se vê agora. O lírico perde para o épico. As melhores cenas são as que almejam a grandiosidade, embora num “home theater” soem irritantes as trombetas, expondo os efeitos especiais em toda a sua imperfeição. Ainda assim, Os Dez Mandamentos fica como um documento da época monumental de diretores como Cecil B. DeMille. A sétima arte arrolava para si certa função didática, educando através da História, formando moralmente (com exemplos e contra-exemplos) cidadãos ao redor do globo. É notável que o realizador venha a público, logo no início da projeção, afirmar que tinha pesquisado fontes alternativas, autores contemporâneos do próprio Cristo. Havia, ao menos, um princípio edificante que hoje, em qualquer arte, diluiu-se em puro “entretainment”.
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The Ten Commandments |
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>>> MINHA PÁTRIA É MINHA LÍNGUA
"Caso não queira mais receber nossos e-mails, respondam o mesmo cancelando."
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Julio Daio Borges
Editor |
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