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Quarta-feira, 7/11/2001
Digestivo nº 55

Julio Daio Borges

>>> MAS ISSO EU NÃO SEI SE ELE É Podem falar o que quiserem, mas Fernando Henrique Cardoso vai ficar como grande personalidade do nosso tempo. Tanto é fato que, como o Brasil, FHC é uma fonte inesgotável de paradoxos. Os jornalistas contaram por quantos minutos ele foi aplaudido de pé na Assembléia Nacional da França, e quantas vezes foi interrompido em seu discurso, mas há menos de um ano da eleição presidencial de 2002, Fernando Henrique Cardoso não tem um único nome para sucedê-lo no cargo mais alto da Nação. Todos criticam a atual política-econômica, os juros escorchantes, a subserviência às regras impostas pelo FMI, mas quem neste momento ousa atacar o homem que falou com proficiência o francês, citando Tocqueville, Montesquieu e Camus, e que terminou elogiado por Lionel Jospin, Jacques Chirac e Alain de Tourraine? Por mais à esquerda que se esteja: qual é o Lula (ou similar) que dá um show equivalente (sem gaguejar)? Um dia, certamente, vamos sentir saudades desse tempo. Ah, vamos. Intelectuais ainda clamam por um Governo menos dedicado às “elites” (daqui e de lá). Outros, mais sagazes, apontam para o horário nobre da televisão e indagam provocativos: “Vocês (em 1968) não queriam o povo no poder? Pois então, aí está.” Essa é a grande ameaça: com FHC, ainda há a possibilidade do diálogo, a conversa estabelecida com um mínimo de educação, a garantia de uma representatividade perante o mundo – eleito, porém, qualquer um desses “líderes de massa”, o que restará das nossas instituições? Não que elas sejam inabaláveis, ou acima de qualquer suspeita hoje, mas com a queda de FHC, ficamos à mercê da barbárie, literalmente. O choque de civilizações, no Brasil, é outro. Aliás, é esse o discurso que o Presidente deveria fazer, inclusive dentro de seu próprio País, se é que pretende levar adiante princípios e idéias que, dependendo de quem vier, serão esquecidos ou soterrados, como os túneis de uma certa prefeitura.
>>> O Discurso
 
>>> INÚTIL PAISAGEM Sebastião Maia morreu meio de supetão e, brigado com a mídia, alguns de seus últimos discos não receberam a cobertura necessária. Foram relançados em CD, pela Paradoxx, e merecem ser redescobertos. Um deles é o álbum Bossa Nova, com músicas naquele estilo que todos sabem. Logicamente que não dá para fugir de Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, mas Tim Maia procurou revisitar compositores e standards esquecidos, quando resolveu homenagear o gênero. Acontece que a sua voz extremamente grave, com notas longas, estendidas, condenaram-no à caricatura de “organista” solitário, que anima casamentos, bares e hotéis decadentes. Ele ressurge em releituras exemplares, de um fraseado (e de um inglês, quando é o caso) irretocável, cercado por instrumentistas corretíssimos, com bateria de Wilson das Neves e arranjos de Almir Chediak – mas não vai adiantar. Seus discos continuarão exibidos numa prateleira periférica de alguma loja mais popular. Pelo menos por causa de Folha de Papel (Sérgio Ricardo), Eu e a Brisa (Johnny Alf), e A Rã (João Donato e Caetano Veloso), Sebastião Maia já deveria ser alçado ao panteão dos grandes intérpretes de MPB pós-João Gilberto. Enquanto isso não acontece, não custa procurá-lo nas casas especializadas. A capa e o encarte (e até o preço) podem enganar, mas a música, não.
>>> Clique Music
 
>>> MASTIGAR MINHAS RELAÇÕES O que uma roteirista de bem-sucedidas séries televisivas como “Comédias da Vida Privada” e “Os Normais” viria buscar na literatura? É a pergunta que salta, quando se depara com O Efeito Urano, livro de Fernanda Young, na coleção 5 Dedos de Prosa. Apesar de um certo comercialismo que paira sobre os escritores de lançamentos monotemáticos (como esse), a autora parece ter levado a tarefa a sério. Ainda que encerre, em sua prosa, o ritmo atropelado de uma obra escrita sob encomenda, a narradora consegue envolver o leitor na maior parte das páginas. Conta a história de Cristiana, casada com Guido, vivendo uma união estável. Eis que surge Helena, a mulher fatal, que seduz a primeira, passando por cima do segundo. Cristiana desmancha um casamento hetero para entrar num homo, mas Helena pula fora, apaixonando-se por outra moça, e deixando a amiga na rua da amargura. O Efeito Urano tem, no fim, gosto de manifesto feminista, embora combata, em certas frases, as reivindicações das protagonistas. Sente-se também a influência do vocabulário desbocado de Patrícia Melo, onde palavrão e escatologia sexual são como ponto. Só não tem crime. É necessário reconhecer, porém, o esforço de Fernanda Young em decantar o relacionamento entre duas mulheres, expondo-o ao grande público sem os estereótipos e preconceitos todos. Os voyeurs (homens) vão adorar. As minúcias estão lá. Por enquanto, não se pode falar numa escritora, contudo. O Efeito Urano é, no máximo, literatura fast-food. Mas se a autora não desse tanta bola para a tevê, talvez pudesse almejar aquele “algo mais”. Enfim, para quê esperar décadas ou séculos, de glória literária, se o ibope está ali na esquina, acenando?
>>> O Efeito Urano - Fernanda Young - 142 págs. - Ed. Objetiva
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) A história do Obará, Recanto da Bahia, se confunde com a de seu proprietário, que há 30 anos veio de Pernambuco para São Paulo. O restaurante, que antes se chamava Oxalá, virou ponto de referência na rua Maria Antônia, e é o único que traz certas especialidades da culinária baiana: o Abará, como entrada, não pode ser encontrado em qualquer outro lugar da cidade; a Moqueca de Cajú, como prato principal, exótica e saborosa, não tem equivalentes em outro cardápio; as Batidas, “para equipar” (como diz o barman), são invenções da casa, ou foram transmitidas de pai para filho (atenção para os nomes: Umbigo de Freira, Gogó de Ema, Atrás do Saco). É a própria Família Silva quem administra o local, recebendo os clientes com muita presteza e uma atenção fora do normal. A decoração é simples e o visitante sente-se transportado para algum canto do Nordeste, desde a música até a sobremesa (pudim de côco ou aipim). Completando a ambientação, frutas raras, nas mais variadas formas, desde sucos até licores, até compotas. Os garçons são todos “filhos da terra”, naturais de lá mesmo, – e o melhor de tudo –, têm anos de praça, entendem do riscado. Vale reforçar que a comida baiana não é para qualquer um. É preciso ter estomago forte para encarar um vatapá, um bobó, um caruru ou um sarapatel sem se balançar ou pedir, literalmente, água. Acontece que a experiência é indescritível. Pessoal, intransferível. E nada como se aventurar com quem, há décadas, sabe do que está falando.
>>> Obará - Rua Maria Antonia, 72 - Tel.: 256-8062
 
>>> MAS FALEM DE MIM Queridinhos da América, o filme, não é tão bobinho quanto parece. Ou melhor: talvez o seja, mas só no final. Conta a história de dois superstars cinematográficos (vividos por John Cusack e Catherine Zeta-Jones) que se separam e que têm de participar de uma “première” juntos, depois de brigas pela imprensa. Segue uma tendência hollywoodiana de mostrar os “bastidores”, elogiando subliminarmente todo aquele “pessoal” que cuida da produção (no caso, Billy Crystal e Julia Roberts) sem receber quaisquer créditos adicionais pelos abacaxis que descasca. Nesse aspecto, é louvável: retrata ironicamente (mas com fundamento) o dia-a-dia inútil e desinteressante dessa ralé em que se converteu a classe “artística” no mundo inteiro. O Brasil, com suas revistas de fofocas e seus programas sobre “celebridades”, daria um prato cheio para os realizadores de America’s Sweethearts. O longa se constrói a partir das trapalhadas que os dois queridinhos aprontam, com suas exigências infantilóides e seus caprichos adolescentes. Não à toa, enfatiza igualmente o lado canalha dos “assessores de imprensa” que, na primeira oportunidade, revelam aquele segredo mais picante, ou transformam aquele fato banal em uma crise de proporções supranacionais. O mal do filme, obviamente, é que ele acaba “bem”: com todos os bonzinhos se confraternizando e com todos os corações solitários encontrando um lugar ao sol. O destaque de “performance” fica por conta de Christopher Walken, que faz um diretor metido a maluco, mas de quem dependem os grandes estúdios, provavelmente inspirado em Kubrick (o único que ainda desfrutava desse tipo de “regalia”). O negócio é ir ver sem grandes expectativas, e preparando-se sempre para aquelas reflexões não mais elevadas que as nascidas sob o prisma de uma sessão da tarde.
>>> America's Sweethearts
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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