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Terça-feira, 13/11/2001
Digestivo nº 56

Julio Daio Borges

>>> CAPITANIAS HEREDITÁRIAS Parece incrível mas conseguiram colocar Roseana Sarney no segundo lugar, com 20% das intenções de voto, entre o rol dos pré-candidatos à Presidência da República. A política nacional tem dessas reviravoltas, desafiando a criatividade até mesmo dos terroristas de Bin Laden. É desanimador. Quando se pensa que os meios de comunicação amadureceram, prometendo apurações mais rigorosas de fenômenos de fim-de-semana (como esse), eis que surge uma ilustre desconhecida (pelo menos fora do Norte e Nordeste), na capa dos principais semanários de Pindorama. Pouco mais de dez anos sem Sir Ney, estamos prestes a reeleger a família, que é sinônimo do nosso atraso histórico, só porque Roseana é bonitinha, tem a saúde debilitada e aparece nos comerciais de Nizan Guaranaes sem falar nenhuma palavra. Em boca fechada não entra mosca. O brasileiro médio continua julgando pelas aparências. Nesse aspecto, ninguém precisa se preocupar: Serra, Lula, Brizola, etc., não têm a menor chance de ganhar, são muito desagradáveis esteticamente. Nem mesmo Ciro Gomes, apesar da Patrícia Pillar. O País vive, ao mesmo tempo, um deslumbramento ante as candidatas mulheres, que – supostamente livres das paixões da testosterona – trariam mais serenidade a um governo hipotético. Marta Suplicy está aí para provar: as únicas notícias, que se tem dela, referem-se às suas disputas com os vereadores, com o próprio PT, e com o ex-marido de décadas. Uma TPM que dura meses. Enfim. Os modismos e as ondas são sempre abomináveis, toda a unanimidade é burra. O que há de mais lastimável, porém, nesse episódio todo, é que – depois de tudo – ainda seja aventada a possibilidade, mesmo que brincalhona, de se trazer os Sarney de volta para o Planalto. Será que todo mundo esqueceu do bordão “brasileiros e brasileiras”? Da inflação de mais de 80% ao mês? Da “conversa ao pé do rádio”? Dos “Marimbondos de Fogo”? De um “poeta” que, dentro da América Latina, falava em “ranelas” (ventanas) e “desinvuelvimiento” (desarrollo)? De uma primeira-dama que desfilava, no Exterior, com anéis no dedão? Da salada de cruzeiros, cruzados e cruzados novos? Do “tem que dar certo”? Da ferrovia Norte-e-Sul? Dos “fiscais do Sarney”? Sim, são lembranças de causar engulhos. Mas antes passar mal agora do que depois.
>>> Veja
 
>>> TUDO É TUDO, E NADA É NADA Apesar de um cartaz de tamanho considerável na porta de algumas lojas de disco, muita gente não entende o que vem a ser o Gorillaz. É mais uma daquelas campanhas publicitárias que a indústria fonográfica considera “auto-explicativas”, mas que se perde na miríade de subentendidos ou referências. Um jipe, um macaco, um sujeito com cara de mau. Será um desenho animado? Tons de verde, padrões quadriculados que lembram uma calça de camuflar do exército. Mais um “game” tendo a guerra como tema? Rebeldes sem causa pichando muros, aquele ar de subúrbio. Um novo autor de história em quadrinhos que é sensação no Japão? Não, não e não. Mas podia ser. O Gorillaz, na verdade, resumindo, é o projeto paralelo de Damon Albarn, líder do Blur, aquela banda que já foi cool e que emplacou There’s No Other Way, há dez anos atrás. Desta vez, ele se juntou a outras cabeças e criou um conjunto em que todos os integrantes são personagens virtuais: o baixista esteve preso; o vocalista quase morreu atropelado; o baterista ficou quatro anos em coma; e a guitarrista é uma oriental anã que chegou pelo correio encaixotada. Essas pessoas só existem na internet, mas lançaram um CD. Em termos musicais, “os” Gorillaz padecem de um certo ecletismo que cansa um pouco. Descobriram – como muitos outros artistas – que o compact disc abriga até 80 minutos, de modo que é quase impossível ouvir-lhes as 17 faixas. Começam com “levadas” de baixo e bateria, evocando Beastie Boys. Passam pela crueza punk, num crossover de Sex Pistols e Toy Dolls. Resvalam no reggae e no niilismo à inglesa. Terminam atirando para todos os lados, com tecno, Ibrahim Ferrer (o herói do Buena Vista), e sopros que se inspiraram nas séries de tevê. Por Albarn ser um sujeito talentoso, sobram alguns bons momentos. O álbum fica, no entanto, como símbolo de uma era que quer ser tudo e que acaba sendo nada. A era atual.
>>> Gorillaz.com
 
>>> PAIS E FILHOS Qualquer um que visita as bancas regularmente pode perceber a onda das “revistas finas”. São publicações de baixo custo, em cores fortes, com 50 ou 60 páginas, tendo redação, editoração e diagramação quase que artesanais. Dois grandes nomes nesse setor são a Digerati Editorial e a Editora Europa. Ambas publicam periódicos sobre tecnologia (informática, internet) e sobre variedades (viagens, paisagens, bobagens). O grande atrativo, na maioria dos casos, é a inclusão de um CD ou CD-ROM com utilitários, filmes ou músicas. A pessoa que adquire a revista, leva um brinde que cabe dentro da sua área de interesse: o usuário de computador ganha um programa ou um “demo”; o viajante ganha um videoclipe ou fotos do paraíso que planeja visitar; o jovem musicista ganha as faixas que o seu artista predileto ainda não lançou. O que mais interessa, nesse fenômeno “jornalístico”, é que ele se situa em algum lugar entre a imprensa tradicional (rígida, engessada, antiga) e a World Wide Web (flexível, permissiva, up-to-date). As citadas “revistas finas” não seguem as regras do “bom jornalismo”, não são feitas essencialmente por “jornalistas”, tendo um caráter meramente informativo, sem a pretensão de “formar” quem lê. Por outro lado, como a mídia eletrônica, ultrapassam o que é considerado dentro da lei, navegam à beira da ilegalidade, perseguindo o que há de mais atual e moderno, nem sempre separando o joio do trigo. Com equipes muito jovens, no entanto, carregam aquele espírito aventureiro (de quem empreende alguma coisa na Web), reduzindo os custos praticamente a zero. E é nesse aspecto, mais do que em qualquer outro, que as “revistas finas” batem as grossas, as de capa dura, as de fotos superproduzidas e textos intermináveis dos nossos medalhões. Se as receitas na internet se converteram numa quimera, é nesse terreno (o das bancas de jornal) que se dará o enfrentamento entre as novas e as velhas gerações.
>>> Editora Europa
 
>>> CUM, PANIS, CUMPANIO, COMPAGNON, COMPANHIA Olivier Anquier, o padeiro mais celèbre du Brésil, está comemorando 2 anos do seu Diário, programa semanal de gastronomia, no GNT. De repente, várias curiosidades irrompem a seu respeito: como é que um dono de panificadora francês, de uma hora para outra, ascende ao jet set dos comes & bebes brasileiros? o que o trouxe ao País? como se deu sua ligação com a Beth Balanço, Déborah Bloch? que tipo de marketing ele faz, se não está em quase nenhum guia ou revista, e divide espaço com muitas outras marcas numa única filial do Pão de Açúcar? Para responder a essas perguntas, convém visitar o supracitado supermercado, na rua Afonso Brás, e investigar pessoalmente. Lá chegando, atendentes vestidos a caráter estão à disposição para apontar os produtos de Monsieur Anquier, e pronunciar seu nome corretamente (“Oliviê Anquiê”). Tudo se resume a uma cesta com baguetes extravagantes e pães em forma de hemisfério, recheados com tomate seco e azeitonas pretas. Mas é só? O homem de chapeuzinho branco aponta para uma vitrine de doces e salgados. Ali, o cliente pode degustar croissants, folheados e enrolados (recomenda-se os sabores: chocolate, maçã e queijo). Não é necessário, no entanto, consumir os referidos itens em meio a pães-de-forma, pães-de-mel, geléias e outros quitutes mais, o sujeito pode se encaminhar para o piso superior e saborear suas compras (mais uma bebidinha) no Bravo Café. Nesse mesmo local, mesas estão dispostas e o visitante pode folhear um exemplar de “Pães de França”, em que Matinas Suzuki e Constanza Pascolato rendem elogios o chef Olivier, que também conta a sua história. Depois dos prelúdios e da História do Pão (propriamente dito), fica-se sabendo que o homem já foi filho de médico, mau aluno, disc-jóquei, top model, restaurateur em Jericoacoara e Santa Catarina (quando conheceu a filha de Jonas Bloch). Está no Brasil porque é o único lugar em que se sente em casa, e tem uma mãe que, igualmente padeira, faz o maior sucesso na Austrália. Que coisa! O homem até que é cativante. E simpaticão. Entende de comida mesmo. Como a gente se engana com as pessoas...
>>> Olivier Anquier
 
>>> THE WHOLE IN THE WALL GANG O que trinta anos não fizeram com Paul Newman e Robert Redford, os protagonistas de Butch Cassidy and The Sundance Kid, agora em DVD. O primeiro virou pipoca de microondas e andou se arrastando na performance de O Indomável, de 1994. O segundo está na lista de Sônia Braga e, analisando bem, serviu de grande inspiração para Bill Clinton (quando este posava de sobrancelhas arqueadas, sorrisinho e boca entreaberta). Mas o filme é bonito. Tem todo aquele romantismo da bandidagem no tempo das diligências. (É de se apostar que o cinema tenha sido uma influência malévola para toda essa juventude que quis viver de ganhos fáceis, depois de tanto assalto a trem e a banco.) A seqüência de Raindrops Keep Fallin' On My Head, com Paul Newman carregando Katharine Ross na bicicleta, é de um lirismo que se tornou até banal (posto que indefinidamente replicado em videoclipes e em propagandas de cigarro). Mas ajuda a compor um longa de belas cenas (não à toa o Oscar de fotografia). A história é a de dois assaltantes do Velho Oeste que, depois de muitos golpes, são procurados e perseguidos incansavelmente até a Bolívia, até a morte (numa emboscada que fecha a fita com chave de ouro). Suscita reflexões sobre o viver à margem da sociedade, ser um “outlaw”. Hoje em dia seria impossível, pois não se faz nada sem identificação, cartão de crédito e declaração de imposto de renda. A produção impressiona por ter sido realizada em 1969 e, no gênero Western, permanecer – tecnicamente – insuperável. Vale também como viagem pelas belas paisagens dos Estados Unidos. E para cantar Burt Bacharach, é claro.
>>> Butch Cassidy and the Sundance Kid
 
>>> DIGA O SEU NOME E A CIDADE DE ONDE ESTÁ FALANDO
Garotinha anônima, de São Paulo, levada ao banheiro pelas mãos do pai: “Ai, meu Deus! Pai, por quê é que você foi fazer isso comigo? É de menino!”
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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