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Quarta-feira, 19/12/2001
Digestivo nº 61

Julio Daio Borges

>>> TOMORROW NEVER KNOWS O futuro. “Negócios Exame” reuniu, em sua edição de despedida, sete grandes cérebros para opinar sobre o que virá. A regra de ouro é duvidar sempre desse tipo de prognóstico. Não porque seja difícil acertar – afinal sempre é –, mas porque as publicações invariavelmente convidam sujeitos em fim de carreira (ou no penúltimo estágio dela), sem muito interesse, portanto, em revolucionar alguma coisa. Trocando em miúdos: eles não vão querer mudar o jogo que os fez vencedores. Quem cria o futuro, de fato, está muito mais preocupado em fazer a coisa acontecer, sem tempo para discorrer sobre conceitos que a maioria ainda não domina ou nem sequer assimilou. O futuro, ou as bases para ele, assim sendo, só existe na cabeça de algumas pessoas – e certamente elas não vão botar a boca no trombone. É preciso lembrar que os verdadeiros visionários padecem de extrema solidão (pois ninguém crê neles), passando muito longe da popularidade dos heróis das capas de revista, como a Exame. A impressão mais freqüente que se guarda desses textos que descrevem as casas, os empregos, os automóveis do futuro é a de que se faz necessário seduzir os operários do “mundo corporativo” a fim de que eles alimentem alguma esperança de estabilidade. A mesma que jamais alcançarão. É como a isca do condutor de muares: os animais jamais irão abocanhá-la, mas correrão atrás dela enquanto tiverem pernas e disposição para tal. Os mitos foram criados, na Antiguidade, para aplacar o medo e a dor. Do mesmo modo, as grandes empresas forjaram os seus: para infligir, em seus empregados, justificados sofrimentos e corretivas humilhações. A diferença é que o homem do século XXI acredita ter evoluído enormemente – embora, volta e meia, caia em lorotas como essa: sobre o “futuro”.
>>> Visões do Futuro Digital
 
>>> QUEM NÃO CHORA NÃO MAMA O choro morreu. O choro não morreu. Há controvérsias. Não resta dúvida, porém, que um dos melhores discos do ano tenha sido o novo álbum de choros de Paulo Sérgio Santos: “Gargalhada”, pela Kuarup Discos. Virtuose, integrante do Quinteto Villa-Lobos desde os 16 anos, companheiro de Raphael Rabello, presença constante nos CDs de Guinga, esse clarinetista é hoje considerado o maior do Brasil. “Gargalhada” é a segunda incursão solo de Paulo Sérgio Santos, que já havia recebido o Prêmio Sharp por “Segura Ele”, de 1994. Se há sete anos, ele preferiu um passeio pelos nomes consagrados (como Pixinguinha e Villa-Lobos), neste ano ele estréia com três composições próprias, guardadas a sete chaves – e à altura de sua habilidade técnica. Uma delas, inclusive, é uma homenagem a Abel Ferreira, seu mestre e um dos primeiros a apontar sua grandiosidade. O músico é acompanhado ainda por Caio Márcio, seu filho de 19 anos, ao violão, e por Oscar Bolão, um percussionista de mão cheia. Complementam o repertório de “Gargalhada”, a faixa título (de Pixinguinha), “Bebê” (de Hermeto Pascoal), Nítido e Obscuro, Caiu do Céu e Canibailes (as três de Guinga), mais Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, João Lyra e Maurício Carrilho. Não bastasse a beleza quase celestial da clarineta de Paulo Sérgio Santos, que já havia surpreendido a todos com a sua interpretação das Bachianas Brasileiras nº 5, o disco ainda funciona como uma injeção de alegria, devolvendo o orgulho da música contemporânea que se produz no País. Gargalhada sim, de satisfação.
>>> "Gargalhada" - Paulo Sérgio Santos - Kuarup Discos
 
>>> DIA DE LUZ, FESTA DE SOL Junto com “A onda que se ergueu no mar” (Novos mergulhos na Bossa Nova, de 2001), Ruy Castro retornou ao tema que lhe é mais caro com o relançamento de “Chega de Saudade” (A história e as histórias da Bossa Nova, de 1990). Este último é uma grata surpresa para aqueles que querem saber como João Gilberto inventou a original batida, como Tom Jobim encontrou Vinícius de Moraes, e como se formaram as turminhas e as turmonas de Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, Nara Leão, Carlinhos Lyra, João Donato, Johnny Alf, Sylvinha Telles e mais uma lista interminável de cantores, compositores, instrumentistas e entusiastas da Bossa Nova. Ruy Castro, provavelmente o nosso mais competente biógrafo, volta aos primórdios com Dick Farney, Lúcio Alves, o Bando (os Garotos e os Namorados) da Lua – e a inesquecível Murray, a loja de discos que introduziu as novidades melódicas, harmônicas e vocais do Jazz. Busca João Gilberto em Juazeiro e narra toda a sua trajetória, seus abismos e suas quedas, até desenvolver aquele jeito peculiar de tocar e cantar (depois de peregrinações pelo Rio, por Porto Alegre, por Diamantina e pela Bahia, em incontáveis sessões no banheiro de pijama). Compõe um dos mais representativos painéis da noite carioca, nos anos 50, em que se formaram todos os principais artífices do movimento. Relata também, com detalhes, a batalha que a nova música teve de travar com a “velha guarda”, que não compreendia aquele jeito de quase se sussurrar ao microfone, adiantando e atrasando o fraseado, abandonando as lamentações aboleradas e exultando o sol, o amor e o mar. Ruy Castro dá a entender que a Bossa Nova acabou por causa de seus sucessivos “rachas” (Carlos Lyra saindo da Odeon e partindo para a Philips; Nara Leão abraçando o “populismo” e a “ideologia da pobreza”). Também pela introdução, a fórceps, do rock, do pop, e do ieieiê. Sem contar a debandada dos bossa-novistas para os Estados Unidos. O livro termina com a gravação de Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, de 1967. Foram acrescentados um epílogo (o que ficou das canções e das pessoas hoje), e uma discografia de mais de 600 CDs. “Chega de Saudade” é, portanto, mais que um retrato de uma época: é uma das explicações para o que fomos, e para o que nos tornamos, como país e como música. Lê-lo é uma doce inevitabilidade.
>>> "Chega de Saudade" - Ruy Castro - 461 págs. - Cia das Letras
 
>>> O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE) Chegou às bancas e livrarias, a versão 2002 do guia gastronômico de Josimar Melo. Não estamos falando de qualquer aventureiro (que, às vezes, se mete a conselheiro), desfolhando brejeirices e superficialidades – estamos falando de um jornalista sério, que carrega 10 anos, 10 quilos, e mais de mil estabelecimentos nas costas, espalhados por quase 300 páginas. Mas o livro não é uma bíblia (no sentido pejorativo do termo). Vem em formato pocket, quase de bolso, recheado de papel jornal, em edição econômica. Talvez por isso, não atraia, logo de cara, a geração da imagem e do som: funciona como um catálogo, uma lista de grande eficiência, mas não vem equipado com fatos, fotos, colunistas e colunáveis. As descrições são breves, para cada lugar, indicando se, por exemplo, são servidos bons vinhos, se o local é ideal para se ir “a dois”, se há mesas ao ar livre, se está aberto depois da meia-noite, e por aí vai. Josimar Melo contem-se, ao contrário de seus colegas gastrônomos, no número de estrelas: só vai até três (e não até cinco). Três estrelas, ele só dá para o Antiquarius, o Café Antiqüe, o Fasano, o Le Coq Hardy, o Massimo, o Roanne e o Vecchio Torino. Duas estrelas, ele dá para mais uns quinze ou dezesseis. Dentre eles: o Carlota, o Don Curro, o Empório Ravioli, o Jardim di Napoli e o Tartari’s. Uma estrela, ela dá para o resto, ou então não dá nada (estrela nenhuma). Podemos elencar, portanto, algumas injustiças: Charlô (uma estrela), Rubaiyat (também uma estrela) e Chef du Jour (igualmente uma estrela). Mas essas discussões, no nosso caso, são pura subjetividade. Até porque acabamos concordando com ele no atacado. No final (nas últimas páginas), Josimar Melo cita, complementarmente, escolas e cursos, para quem quiser se aperfeiçoar. Também enumera mercearias, sorveterias, rotisserias e padarias para quem preferir se esbaldar – em casa. Por tudo isso, tem-se “a” referência. Não só para curiosos, mas principalmente para aqueles que pretendem se aprofundar de verdade.
>>> Guia Josimar Melo
 
>>> THOSE WERE THE DAYS Cruise. Kidman. Ninguém apostava que pudesse encontrar esses dois sobrenomes unidos novamente. Mas eis que eles surgem junto aos créditos de Os Outros: ele como produtor executivo; ela como atriz principal. E não é que eles montaram um belo suspense? Ainda que low-profile, vem conquistando seu séquito de fãs. É interessante notar que, embora coisas como religião e espiritualidade tenham caído de moda, existe uma demanda insistente por produções que tratem do “além”. Os Outros se passa numa época em que as pessoas ainda morriam por quase nada (primeira metade do século XX), e em que a convivência com a morte era um negócio muito natural. Daí, por exemplo, os fantasmas. Se morrer era um ocaso ao alcance de qualquer pessoa, mesmo os mais jovens (o longa fala em tuberculose), era reconfortante criar ilusões de que “quem se foi” voltava. Apesar de não ter nada a ver com assombração e sustos, os atores falam um inglês impecável e as duas crianças (filhas de Kidman na história) são convincentes como poucos infantes na sua idade. Os Outros não é uma revolução em matéria de cinema, nem em matéria de nada, mas, de tão bem cuidado e astuto (que ninguém conte o final!), acaba cativando o espectador. Sai-se da sala sobressaltado, à espera de rever o espectro daquele parente antigo ou desconhecido. Quanta gente já não firmou pactos por toda a eternidade, prometendo vir puxar o pé (justo o pé) do ser amado? Paulo Francis disse uma vez que, se pudesse dar o ar da graça novamente, procuraria infernizar a vida daquele pessoal lá em Brasília. Esse troço de virar ectoplasma não é perspectiva das mais agradáveis. Mas melhor isso do que virar pó ou comida para minhocas. Todos. Cruise. Kidman. Outros. Nós.
>>> The Others
 
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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