Quarta-feira,
27/2/2002
Digestivo nº 70
Julio
Daio Borges
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LECTURIS SALUTEM
Não é todo dia que topamos com uma edição das “Vidas Comparadas” de Plutarco; ainda mais, ricamente ilustrada e em tradução primorosa, como nesse volume dedicado a “Alexandre e César”, que a Ediouro, sob o selo Prestígio Editorial, acaba de colocar nas lojas. É, sem dúvida, uma ocasião rara, a de visitar a Antiguidade, pelas mãos do possivelmente inventor das biografias de heróis e de figuras notáveis. Sem contar que uma fonte consagrada pelo tempo, como Plutarco, vem para salvar os incautos da profusão dessas “versões romanceadas”, que hoje ornam as vitrines e as estantes das livrarias sem oferecer, nem de longe, a mesma confiabilidade. Alexandre Magno e Caio Júlio César são, para nós, como mitos fundadores: sabemos mais ou menos da sua importância (e a reconhecemos), mas nunca paramos para ler realmente sobre sua época e trajetória. Alexandre, filho de Felipe da Macedônia, conquistou a Europa, a Ásia e a África, portanto, naquele então, o mundo. Teve como preceptor Aristóteles, o Filósofo, e carregava consigo, em campanha, um exemplar da Ilíada de Homero. Defendeu e propagou os ideais gregos, vingando a derrota da Grécia para Xerxes, ao subjugar o imperador Dario, em plena Pérsia. Depois partiu para a Síria, a Babilônia, o Egito (em que fundou Alexandria) e a Índia, de onde resolveu voltar, mas morreu no caminho, de febre. Tinha pouco mais de trinta anos. Além das peripécias mil, chama a atenção, sua disciplina fervorosa, condenando, segundo o autor, a lassidão e a devassidão. E também a maneira quase religiosa como interpretava os sinais (os da natureza e os dos sonhos, por exemplo), consultando oráculos e visitando templos onde quer que estivesse. Já César, viveu numa Roma fustigada pela disputa incessante pelo poder, cercada de traição e de intrigas. Plutarco conta que, jovem, leu a vida de Alexandre e terminou chorando, pois julgava, na sua idade, não ter em comparação conquistado nada. Orador hábil, César enfraqueceu o Senado, e a República, contrapondo-os à Assembléia, e ao povo, em inúmeras ocasiões. Fez da Gália, e da conquista da mesma (custosa e interminável), sua arena, derrotando, em seguida, Crasso e Pompeu, para proclamar-se ditador. O resto (até Bruto), o leitor deve descobrir por si só. Poucas leituras, em qualquer tempo ou lugar, foram, como as “Vidas Comparadas”, tão valiosas.
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"Alexandre e César" - Plutarco - Prestígio Editorial - Ediouro |
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MUITO MAIS QUE VENCER
Por fim, Ed Motta, um dos maiores conhecedores de música brasileira, pôde colocar em prática tudo o que aprendeu. O resultado é “Dwitza”, um disco quase 100% instrumental, como ele queria ter feito há, pelo menos, 5 anos. Assinou, inclusive, o contrato com a Universal nessa base: a cada dois CDs lançados de acordo às diretrizes da gravadora, Ed Motta teria o direito de produzir um trabalho totalmente seu – sem qualquer compromisso com a indústria fonográfica e o mercado. Chegou finalmente a hora. O resultado, ao contrário do que se poderia esperar, não é purista nem virtuosístico. O cantor e compositor aparece amadurecido e, embora extremamente sofisticado, continua acessível como sempre foi. Tanto que almeja incursões por outros tipos de público que não só o brasileiro. Deve-se reconhecer que ele atingiu, de fato, um patamar universalizante, o que lhe permitirá comunicar-se independentemente da língua e da linguagem. O gênero preponderante é o Jazz, combinado ao melhor da Bossa Nova instrumental e a gigantes da invenção e do arranjo, como o trompetista Moacir Santos. A ele, reabilitado em disco no ano passado (com o magnífico “Ouro Negro”), ao autor de “Coisas”, “Dwitza” é dedicado. Além de cantar em todas as 14 faixas (ainda que só 2 tenham letra de fato), Ed Motta alterna-se nos pianos rhodes e wurlitzer, na guitarra semi-acústica e em “complementos” variados. Graças aos primeiros, têm enriquecidas suas harmonias (nas quais até arrisca “solos”), e graças aos últimos, têm garantido o pleno domínio do ritmo (em quebras, alternâncias e brincadeiras muito sérias com o “tempo”). Apaixonado pela sonoridade dos LPs dos anos 50, 60 e 70, abdicou dos processos “digitais”, mantendo-se no reino do “analógico” e prometendo edições de “Dwitza” em vinil. As faixas falam por si. O que se ouve é um verdadeiro músico atingindo a sua essência. E, com ela, deixando, como os mestres, uma contribuição perene.
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Dwitza faixa a faixa |
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MALDITO É O FRUTO
Plínio Marcos foi, no panorama do teatro brasileiro, um dos autores mais anárquicos. Assim sendo, não se poderia esperar dele uma versão bem comportada da vida de Jesus. Em “Jesus Homem”, ele aposta num viés revolucionário, não só do mestre mas também dos discípulos, transformando Judas Iscariotes e até Pedro, o pai da Igreja, em entusiastas da conversão pelas armas, através da tomada do poder, e não simplesmente fazendo uso da pregação ou do evangelho. É uma visão bastante radical e, de certo modo, até anacrônica, porque alguns desses conceitos fogem ao contexto de tantos séculos atrás. O resultado, contudo, é no mínimo provocador. Outra faceta assaz característica da produção de Plínio Marcos, a sua inclinação mambembe, também pode ser encontrada nesta montagem (a terceira desde que a peça foi escrita em 1980). O fato da obra ser construída como ópera-samba já aposta no estranhamento do espectador, que se vê obrigado a conciliar a “missa” com o “morro”, a solenidade com a descontração. Nesse sentido, igualmente, abundam os palavrões de efeito jocoso e mesmo intervenções propositalmente desconcertantes (como a do soldado romano que, do meio da platéia, atende a um telefone celular). O elenco conta com o reforço de grandes nomes (como Jairo Mattos e Vera Zimmerman), e teve o apoio de João Acaiabe, o “Jesus Negro” da primeira versão, em participação afetida quando desta estréia. Eles e o diretor Marcelo Medeiros saúdam o espírito contestador de Plínio Marcos; e, quem sente falta da sua ternura e do seu deboche pode, com prazer, revisitá-lo.
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Jesus Homem - C.C.S.P. - R. Vergueiro, nš 1000 - Tel.: 3277-3611 |
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O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE)
O “Dalmo” ou, por extenso, o “Dalmo Bárbaro Restaurante”, é uma filial, na rua Bandeira Paulista, do tradicional “Dalmo do Guarujá”. Inaugurado em 1996, nos mesmos moldes do original (que tem mais de 40 anos), o Dalmo de São Paulo é uma opção de alto nível para quem aprecia os chamados frutos do mar e também a culinária caiçara. Numa linha menos despojada, mas mantendo a leveza da decoração praiana, o Dalmo da Bandeira Paulista apoia-se no branco e na luminosidade natural, garantindo uma atmosfera simples e, ao mesmo tempo, elegante. O ambiente divide-se, basicamente, entre o bar (na entrada) e o restaurante (ao fundo). No primeiro, é possível desfrutar de apetitosos petiscos, como as lulas à doré, as iscas de peixe e os mariscos à base de tomate e vinho branco – reunindo todos os elementos para se estar entre amigos em ritmo de “happy hour”. No segundo, o forte são os pratos principais, em porções generosas e impecavelmente bem temperadas. Dentre os destaques, estão a “Scarpa Special” (pescada cambucu, à base de alcaparras), o “Camarão Africano” (grelhado e aberto pelas costas, acompanhado de arroz com ervas) e o “Camarão a Biquíni” (grelhado sem casca, ao alho e óleo). Os preços são plenamente compatíveis com a excelência e a fartura apresentadas. No entanto, quem preferir alternativas mais modicas, pode contar com os “menus executivos” (com opções chegando a custar até a metade do que habitualmente se paga). O Dalmo se revela ideal para quem quer, sem sair da metrópole, se sentir um pouco mais perto do mar; seja no meio do dia, durante o jantar, ou no fim de tarde.
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Dalmo Bárbaro - R. Bandeira Paulista, 520 - Tel.: 3071-3156 |
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NASH EQUILIBRIUM
Os entusiastas do gladiador que nos perdoem, mas o melhor desempenho de Russell Crowe até agora foi em “Uma Mente Brilhante”. Ele já havia conseguido alguma projeção, anteriormente, em “O Informante”, mas tropeçava, aqui e ali, ao interpretar uma testemunha perseguida pelos poderosos que denunciava. “O Gladiador” nem conta muito, apesar do estardalhaço e dos oscars, pois nele o ator australiano se limitou a empunhar sua espada e a proferir algumas palavras, mantendo praticamente inalterado o semblante. Agora, no entanto, na pele do matemático John Nash, ele promove um salto até então inesperado, para uma trajetória tão curta e não tão, digamos assim, brilhante. Russell Crowe, candidato a sucessor de brutamontes, em filmes ditos de ação e romancecos água-com-açúcar, de repente, toca a platéia, no degenerar de um cérebro promissor padecendo de esquizofrenia. E é ele, não os efeitos especiais ou a presença de grandes nomes (como Al Pacino), que elevam “Uma Mente Brilhante” a um patamar superior, expondo dramas atemporais e humanos, para além das veleidades da estação. O longa não trata apenas de sujeitos geniais, encalacrados em paranóias inerentes à sua própria inteligência, mas também explora a questão dos limites e da impotência, ambos presentes na vida de qualquer pessoa. Envolvendo a aceitação do cruel destino e a luta pela sobrevivência, em batalhas diárias, em obstáculos superados muito paulatinamente, torna a existência de John Nash um fardo, enfim, belo e justificável. Uma lição que vale à pena ser aprendida, e que vai mergulhar muito fundo na alma de alguns. Isso tudo graças a Russell Crowe. Se as tais estatuetas fossem realmente meritórias, ele mereceria uma agora.
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A Beautifil Mind |
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Julio Daio Borges
Editor |
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