Quarta-feira,
24/4/2002
Digestivo nº 78
Julio
Daio Borges
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NÃO FOI SUFICIENTE
E a imprensa silenciou estrondosamente sobre o fim do “no”. Nem procurando com lupa de investigador; no máximo algumas “notas de falecimento”, publicadas regiamente nos diários e semanários brasileiros. Tudo bem, era um site de internet – mas, convenhamos, metade da imprensa carioca estava nele (!). Como é que a primeira empreitada séria, tendo designado profissionais por tempo integral, contando com homens-fortes (ou ex-homens-fortes) da Veja, do JB, e de O Globo, de repente, sai do ar e ninguém dá um pio sequer a respeito? Está bem, a agonia da empresa foi lenta, não se pagava os salários dos colaboradores desde dezembro, mas, mesmo assim, onde é que fica a experiência, os ganhos e as perdas, os acertos e erros desses dois anos e quase dois milhões de pageviews por mês? Ninguém sabe dizer. O fato é que alguém precisava escrever a história do “Notícia e Opinião”. Do pouco que se sabe, porém, as evidências apontam para a debandada de um dos investidores (Opportunity, GP Investimentos e La Fonte). Não importa muito quem saiu ou quem ficou, o que importa é que a internet brasileira (salvo raríssimas exceções) ainda não chegou a um modelo razoável, que equilibre receitas e despesas, permitindo independência editorial e conteudística. Eis o que há para se lamentar. Resumindo: se nem o “no.”, com seus ases e estrelas, com o esteio de holdings e ventures, conseguiu alcançar “resultado operacional” positivo, o que será das próximas iniciativas eminentemente jornalísticas na internet brasileira?
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no. |
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SEGURA ELE
“Será que nós poderíamos pedir a Chopin uma definição de ‘polonaise’?”, pergunta Heitor Villa-Lobos, na França, ao ser indagado sobre o que vem a ser o choro. Embora tenha desejado fugir à pergunta capciosa, ensaiou uma explicação, enquanto tentava imitar (com a boca) o fraseado de cada instrumento. Isso foi registrado na caixa com 6 CDs “Par Lui-Même”, que agora sai no Brasil. Como Villa-Lobos, muitos outros arriscaram também uma explicação. Para o folclorista Câmara Cascudo, o termo vem de “xolo” (depois “xoro”), uma espécie de baile que reunia os escravos das fazendas. Já para José Ramos Tinhorão, o eminente crítico, o gênero (“choroso”) deriva da melancolia produzida pelas notas mais graves do violão. Por fim, Henrique Cazes, autor do mais completa referência bibliográfica sobre o assunto (o livro “Choro – Do Quintal ao Municipal”), o estilo se caracteriza pelo jeito sentimental de abrasileirar as danças européias. Independentemente de quem tem a definição mais precisa, neste 23 de abril, segundo Lei Federal, instituída por Arthur da Távola, comemora-se o Dia Nacional do Choro. As gravadoras especializadas revitalizam seu catálogo, como a Kuarup, que prepara promoções e sorteios. No Rio, casas de espetáculo promovem encontros musicais, como o que acontecerá no Sesc Copacabana, juntando Paulo Moura e os Batutas (os mesmos cujo álbum faturou um Grammy). 23 de abril também é aniversário de Alfredo da Rocha Viana Júnior, o Pixinguinha, nascido em 1897; saxofonista, maestro, arranjador e compositor de pérolas como “Carinhoso”, “Rosa” e “Lamento”. Se o jazz tivesse nascido antes, acusariam o choro de ter sido influenciado por ele. Mas como isso não aconteceu, o choro merece hoje os parabéns de todos os brasileiros.
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Dia Nacional do Choro na Kuarup |
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MULHER: O MEIO É A MENSAGEM
Muita expectativa em relação à estréia de “Saia Justa”, no GNT, um programa feito unica e exclusivamente por “mulheres inteligentes”. O anúncio se insurgia, na verdade, contra a onda de peitos e bundas que costuma assolar a televisão brasileira, desde o advento dos chamados “shows de realidade”. O temor era de que – como tudo que é embalado pela tevê – a intenção inicial se perdesse, dando lugar a mais uma atração rasteira de “variedades” ou de puro blablablá (leia-se “talk show”). Para a surpresa geral, não foi o que aconteceu. Fernanda Young, Rita Lee, Marisa Orth e Mônica Waldvogel furaram a barreira do “politicamente correto”, garantindo uma alternativa senão brilhante, ao menos, destoante do marasmo e da passividade que governam a telinha. Foi, por exemplo, incomum e contrário às convenções, o ataque descarado da jovem Fernanda à ex-candidata à presidência, num discurso que, em canal aberto, não passaria. Já no último bloco, Rita Lee desbarata a atração musical que viria a seguir (uma certa cantora americana), sem papas na língua ou possibilidade de represália. Marisa Orth, embora escrachada, esteve mais séria do que o normal, destilando opiniões muito além do “humor pastelão” com que andou associada. Mônica Waldvogel, no papel e na responsabilidade de apresentadora, foi a mais tensa e contida das quatro, tendo se soltado muito pouco; sem comprometer, no entanto, a “performance” das demais. O formato de “Saia Justa” pareceu ágil, apesar do roteiro muito “livre” [a palavra é “loose”], às vezes descambando para a autêntica conversa fiada. Para os que não gostaram (as mulheres que não estavam lá; as telespectadoras enciumadas; os críticos de tevê que não a assistem), um recado: Calma, foi só o primeiro episódio; vamos dar-lhes uma chance; afinal de contas, ao contrário da grande maioria, elas estão tentando.
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Saia Justa - Quartas-feiras - 21 hrs. - GNT |
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O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE)
Maurício Wallace Guimarães era um executivo de TI (atual termo da moda para “tecnologia da informação”) quando resolveu mudar de vida. Junto à esposa, Anna Maria Sampaio Guimarães, artista plástica, decidiu montar um restaurante. Nascia o “Via Tavares”, em Pinheiros, quase na esquina da Faria Lima com a Rebouças. Recentemente, com a entrada do chef Filipo D’Ottavio (do “Funicolari”), na sociedade, passaram a assinar “Via Tavare Trattoria” – e o estilo tropical dos Guimarães, que já viveram em Manaus, recebeu o acento da cozinha italiana. A proposta é, portanto, inovadora. Embora se desfrute do melhor em massas e risotos, o ambiente é leve e arejado, com mesas ao ar livre e vegetação abundante (muito longe do formato cantina-com-garçons-suados-e-camisetas-dependuradas). Ainda que próxima a uma das esquinas mais movimentadas de São Paulo, a casa prima pelo silêncio, pela luz e pela tranqüilidade. Como entrada, sugere-se a febre que está tomando conta dos cardápios na capital: “Crostini”, fatias de pão italiano, cobertas com mozarela de búfala derretida e filés de anchova. Como prato principal, além do Risotto Al Mare (com camarão, lula, polvo e marisco) e do Ravioli Verde D’Tavare (recheado com mozarela, temperado com manjericão e molho amatriciana), há ainda as opções de peixes (Robalo ao Maracujá) e de carnes (Filé aos Queijos). A sobremesa fica entre o Crepe Suzette e a Banana Flambada. Destaca-se igualmente o buffet, durante os almoços, e a promoção de reinauguração: a cada grupo de quatro pessoas, uma não paga. Sem contar a simpatia do pernambucano Maurício e da carioca Anna Maria, combinada ao senso de humor do Filipo e de seu fiel escudeiro, Tabajara.
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Via Tavare - Rua Tavares Cabral, 145 - Tel.: 3031-6260 |
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LISTEN WITH YOUR EYES
O século XX, da imagem (ou do olho), é incontestavelmente tributário dos grandes fotógrafos. E o jazz, por ter nascido e morrido dentro dos 1900s, tem entre seus heróis um sujeito chamado William Claxton. “Clax”, para os íntimos, nasceu na Califórnia e foi estudar psicologia na UCLA, no começo dos anos 50. Por amar a música, e por colecionar retratos de jazzistas desde a mais tenra idade, meteu-se a freqüentar nightclubs e a registrar performances, por hobby. Uma noite, porém, aconteceu de Bill Claxton dar de cara com o Gerry Mulligan Quartet, de que participava Chet Baker – e, como se já não bastasse, travar contato com Dick Bock, que a partir daquele show fundava a prestigiosa Pacific Jazz. Clax fez história na gravadora, numa sucessão de inovadoras capas em que pretendeu (e conseguiu) diferenciar os jazzistas da chamada Costa Oeste. Seu olhar intimista permitiu que se aproximasse de figuras legendárias, revelando a humanidade de homens que a História quis mitológicos. Foi o único a arrancar um sorriso de Charlie Parker, por exemplo, quando, com fãs, improvisou uma sessão de fotos em sua casa. Enquadrou também a relação, quase licenciosa, entre Duke Ellington e seu piano. Eternizou o jovem Chet, em cenas domésticas e em miradas perdidas, hoje clássicas, definidoras do “cool”. Assistiu às mazelas causadas pelo uso excessivo de heroína, e teve apego a personalidades de aura trágica, como o ator Steve McQueen. Isso tudo, mais seu casamento com Peggy Moffitt, seu encontro com Helmut Newton, casos e memórias, estão em “Jazz Seen”, documentário de Julian Benedikt, que faz parte da mostra É Tudo Verdade. Os instantâneos de Claxton funcionam, esteticamente, como um colírio; e a trilha sonora está entre as melhores coisas que se conseguiu alcançar no século passado.
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William Claxton - Jazz Seen - É Tudo Verdade |
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Julio Daio Borges
Editor |
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