Quarta-feira,
1/5/2002
Digestivo nº 79
Julio
Daio Borges
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DIREITA, VOLVER
E o mundo se espantou com a vitória de Jean-Marie Le Pen no primeiro turno das eleições presidenciais na França. Para começar, como disse Alfredo Valladão, em entrevista a CartaCapital: não foi Le Pen quem ganhou, foi Lionel Jospin quem perdeu. Outro paradoxo que salta aos olhos: se a esquerda foi mesmo sepultada, com a queda do Muro de Berlim e com o desmonte da União Soviética, o que vem a ser esse uivo, quase em uníssono, quando um candidato de direita ameaça tomar o poder na França? Existe ainda uma confusão muito grande entre o que vem a ser a “nova ordem neoliberal” e os anseios do que se costumava configurar como um “programa de direita”. Afinal, se o neoliberalismo é soberano hoje em dia, como é que a imprensa do mundo inteiro, de repente, se insurge contra um representante do “direitismo francês”? Trocando em miúdos: embora a “ordem neoliberal” tenha sido amplamente adotada, ela não foi combatida por essa atual “esquerda unida”, quando da sua implantação; já a direita, pelo visto, não se identifica “tanto assim” com o neoliberalismo (como provam conservadores como Le Pen) – mas, dentre os males apontados pela “imprensa esquerdizante”, a ela (a direita) permanece como o “mal maior”, a ser combatido a ferro e fogo. [Parece complicado? E é mesmo.] Resumindo a ópera: Le Pen não leva certamente no segundo turno, na França; Chirac será reeleito em massa e baterá recordes. Fica, no entanto, o alerta: mais do que a “direita” (que a “esquerda” tanto teme), deve-se combater esse sistema eleitoral mundial absurdo que, de uma hora para outra, pode apontar um representante que simplesmente não representa a maioria. (Representa apenas a minoria que efetivamente votou.) E isso também vale para o Brasil.
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O medo do novo ganhou a eleição |
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TOCAR E CARREGAR O PIANO
Viva Música! Tudo começou em 1994, quando a jornalista Heloísa Fischer resolveu lançar, no Rio de Janeiro, uma revista mensal sobre música clássica. Foram 30 edições, de 1994 a 1997, que cresceram e se multiplicaram, resultando num programa de rádio, num site com atualizações diárias e no mais completo guia de música erudita feita e tocada no Brasil: o guia “VivaMúsica!”. A versão 2002 (a quarta desde 1998), recheada de comentários elogiosos (incluindo detalhes sobre a parceria com a Unesco), é um prato cheio não só para profissionais da música, mas também para melômanos e curiosos por esse universo rico que, ao contrário do que se pensa, encontra-se em processo de franca expansão no País. Para quem duvida, o anuário “VivaMúsica!” apresenta uma retrospectiva da vitoriosa temporada 2001, os destaques, mês a mês, da temporada 2002, e – numa iniciativa digna de quem não se acomoda sobre os louros da glória – lança o manifesto “Mobilização já!”, que culminará, em 2004, com o Ano da Música Clássica no Brasil. Além dessa atitude positivista e altruísta, o que faz do guia “VivaMúsica!” a referência fundamental no meio são seus cadastros, que abrangem desde as salas de concerto (com detalhados mapas) até as sociedades musicais; desde as orquestras até os festivais; desde as instituições de ensino, os centros de documentação e acervos até os concursos e os agentes. São mais de 300 páginas para se ter à mão, desfrutando de um belo projeto gráfico e de textos saborosos. A Heloísa Fischer, diretora-editorial do “VivaMúsica!”, um forte e retumbante “bravo!”.
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VivaMúsica! - Guia 2002 - Manifesto |
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AVASSALADOR
Presença da prefeita. Discurso do ministro. Autoridades. Escritores. O que é a Bienal do Livro senão uma festa para quem movimenta as engrenagens da indústria editorial? Interessante observar como, logo na abertura, tudo corria bem, dentro dos conformes, já que sem a incômoda presença dessa abstração para quem, supostamente, se objetiva toda a festa: o público. Machado dividia o Brasil em dois: um oficial e um real. Ambos os Brasis continuam existindo, sendo que o “primeiro” continua organizando solenidades e acontecimentos onde o “segundo”, se não é convidado, entra apenas como “detalhe”, sem consulta prévia, tendo suas vontades e seus desejos todos adivinhados. Mas é importante que os nossos escrevinhadores estejam na mídia, embora ainda não saibam lidar com ela. Nesse sentido, uma das iniciativas mais louváveis desta 17ª edição do evento é o dito Salão de Idéias, em que escritores, jornalistas e artistas vão falar de suas vivências e influências – mostrando que a literatura não é coisa de dinossauros ou do homem de Neandertal, perfeitamente conciliável, inclusive, com as necessidades do dia-a-dia e da chamada “vida moderna”. O Centro de Exposições Imigrantes, onde a Bienal foi montada, é de uma vastidão admirável, provando que ainda é possível encher 45 mil m² com livros e com gente interessada neles. O gigantismo começa já no estacionamento, o qual se deve atravessar de trenzinho, e termina na praça de alimentação, ao fundo, depois que todos os estandes já se foram. Se a leitura fosse uma coisa mais presente e os escrevinhadores pessoas menos ausentes, não precisaríamos de tudo isso. Mas já que temos a 17ª Bienal do Livro, desfrutá-la é quase um imperativo.
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Bienal do Livro |
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O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE)
A rua Graúna tem se convertido numa das mais pródigas de São Paulo em termos de bares. Há 20 dias foi inaugurado mais um: o Nicola. Apesar de tomado por vips, beldades e jovens viçosos, a proposta é repetir a tradição do Café Nicola, de Lisboa, fundado em 1784 e freqüentado por tipos como Pessoa, Eça e Bocage. As instalações da versão brasileira combinam a decoração moderna (cores claras, muita iluminação e detalhes em madeira) com o desenho do sobrado de 1954, mantido e recuperado especialmente para a ocasião. Ao contrário do modelo que prega mesas abarrotadas, pouco espaço entre as cadeiras e garçons se desviando da clientela, o Nicola escolheu ser amplo, dando-se ao luxo, inclusive, de dispor de um belo jardim ao fundo, para quem quiser se arejar. A culinária (sim, há culinária) tem por base pratos típicos da região do Alentejo; entre os destaques estão o Bife a Marrari e, obviamente, o Bife a Nicola – além, é claro, dos seculares bolinhos de bacalhau português e dos respeitáveis vinhos. Quem chega é convenientemente recebido por manobristas, tendo diante de si uma escada suave, que conduz à entrada do bar, e um pinheiro (que poderia ser ornamental) de quarenta anos de idade, preservado junto à fachada. Embora sirva almoços e jantares aos sábados e domingos, o Nicola é mais indicado para o fim de tarde e para quem quer seguir noite adentro. A disputa com a concorrência vai ser acirrada. E todos, principalmente os clientes, tendem a ganhar.
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Nicola - Rua Graúna, 87 - Moema - Tel.: 5094-1777 |
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ALWAYS IN ALL WAYS
Existe um princípio de anarquia em Lubitsch (segundo Sérgio Augusto, o diretor mais unanimemente admirado do cinema). Diariamente, às 22 horas, o Telecine Classic exibe um dos nove filmes que escolheu para compor um painel do realizador alemão. As produções são da década de 30 e 40, mas o cinismo e a irreverência das personagens são do tempo presente. No que se refere ao branco-e-preto, porém, não estamos acostumados a topar com o excesso de modos e, em menos de um minuto, com a mais absoluta falta deles. Não se pode confiar no que se vê, afinal, o roteiro promove reviravoltas incessantes, conduzindo as emoções do espectador como se numa montanha-russa permanente. Em alguns casos, o acompanhamento musical serve para nos despertar de um possível transe, mostrando que nada ali deve ser levado tão a sério. A ausência de moral dos protagonistas, que têm quase sempre objetivos bem mesquinhos, choca um pouco no começo; mas, tal como as vítimas no longa, somos também seduzidos por eles, e terminamos torcendo para que inclusive os “maus” acabem bem. Eis o poder da obra-de-arte: subverter as nossas crenças mais firmes e certeiras. Há também uma quantidade invulgar de charme em cada cena, de modo que é quase natural os homens saírem apaixonados pela mocinha; e as mulheres, pelo galã. O virtuosismo de Lubitsch está igualmente na maneira como faz cada diálogo acontecer, acomodando todos os gêneros dentro de um só gênero: a comédia-musical-romântica (invenção nada moderna, portanto). Enfim, todas as razões estão aí, para que não se perca esse ciclo. Até porque, como poucos filmes hoje, ele permite que se termine com um sorriso estampado no rosto.
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Nove noites com o toque malicioso de Lubitsch |
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Julio Daio Borges
Editor |
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