Quarta-feira,
3/7/2002
Digestivo nº 88
Julio
Daio Borges
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A ARTE DA CRÍTICA
Circula em blogs a frase de Daniel Piza, que, em sua coluna de domingo no Estadão, teria classificado o “jornalismo internético” como “pródigo em ataques superficiais” e “paupérrimo em idéias provocantes”. Para esclarecer, a frase está fora de contexto: originalmente, ela compõe uma nota sobre o recém-lançado livro da jornalista Adélia Borges. (Claro, não consta que ela tenha feito “jornalismo internético” e, como o lançamento se restringe aos domínios da moda, o ataque guarda certa dose de revide ou desabafo.) Enfim. A colocação é representativa de certa mentalidade, dominante no reino dos grandes jornais, que desqualifica – no atacado – qualquer manifestação do jornalismo através da internet. Acontece que publicações como o próprio Estadão, a Folha, O Globo e o JB também estão na World Wide Web, explorando seus recursos (vide as edições extraordinárias sobre os jogos da Copa). E agora, José? Lógico, Daniel Piza e aqueles que engrossam esse coro referem-se ao “jornalismo ‘puramente’ internético”. [Como este.] O mal-entendido permanece, porque não consta que um site surgido na era da internet (geralmente povoado por escribas diletantes) faça frente a instituições centenárias (como O Estado de S. Paulo), plenas em assinaturas para se talhar em mármore. A comparação, portanto, não faz sentido; e o ataque (de qualquer um dos lados) tampouco. É preciso superar essa disputa. O “jornalismo internético” não vai acabar com o jornalismo feito em papel (este, por sua vez, não parece mais tão auto-suficiente e onipresente, como antes). As duas mídias vivem cada qual a sua crise: uma porque, segundo muitos (não só “jornalistas internéticos”, vale assinalar) constitui uma era em seus últimos estertores; outra porque, na sua necessidade jovem de auto-afirmação, apela para recursos de caráter duvidoso. O caminho para a sobrevivência (de ambas) passa, certamente, pelo diálogo e pelo entendimento. É necessário transpor esse Grand Canyon, absolutamente fictício. Alguns sites já ensaiam essa ponte (reproduzindo textos de grandes jornalistas; como, aliás, Daniel Piza). Falta, portanto, a iniciativa por parte dos grandes jornais: enquanto permanecerem ignorando ou desprezando as manifestações puramente eletrônicas, continuarão como o alvo preferencial das críticas.
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Fla-Flu verbal |
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DEPOIS DE UM PILEQUINHO
É impossível ouvir o CD de Paulinho Nogueira e não se perder entre os cacos de um tempo que passou. Oscilando entre a nostalgia e a reverência, ele registrou suas próprias versões para “as primeiras composições de Chico Buarque, quando ainda não tinha feito parcerias”. A frase sugere muitas interpretações; dentre elas, a de que muita gente sente saudade do jovem sambista puro (a continuação de Noel Rosa?), pedra bruta, na espontaneidade dos primeiros versos, nas intuições harmônicas (que o próprio Paulinho Nogueira aponta), nas melodias que impregnaram décadas. Chico Buarque de Hollanda, porém, sofreu de consagração precoce (antes dos 25 anos). E ninguém melhor no mundo para saber o que é se sentir amordaçado pelo próprio sucesso. Teve de mudar (ainda que tantas pessoas não tenham se conformado). O CD, portanto, é de uma singeleza ímpar; econômico até nos músicos (fora o violonista, só há mais dois: João Parahyba, às vezes na percussão; e Teco Cardoso, às vezes na flauta). Bate de frente com a orquestra que acompanhou o compositor de “A Banda”, na sua última turnê (“As Cidades”), engessado pelos arranjos e pelos próprios clássicos. Evoca o João Gilberto mais recente (2000), minimalista extremado, raspando os dedos nas cordas do violão, gravando as nuances do próprio bafo. Numa das fotos do encarte, Paulinho Nogueira parece oferecer o instrumento ao jovem compositor que – acredita – o tempo não levou. O mesmo de “Carolina”, “Olê, Olá”, “A Banda”, “João e Maria”, “Joana Francesa”, “Com açúcar, Com afeto”, “Quem te viu, quem te vê”, “Rosa dos Ventos”, “Roda Viva”, “Olhos nos Olhos” e “Noite dos Mascarados”. Chico Buarque, porém, está ocupado. Escreve seus livros e afaga seus netos. Enquanto isso, seu cancioneiro segue. Livre.
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Chico Buarque - Primeiras Composições - Paulinho Nogueira - Trama |
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UM BRADO RETUMBANTE
Catarse. Caos. Carnaval. Todas as considerações ficam menores diante da comemoração do Pentacampeonato. Talvez o dionisíaco de Nietzsche seja isso: uma impossibilidade de racionalizar o que quer que seja, entregando o corpo e a alma às festividades alucinadas. E o Brasil parou. E, pelo menos por um dia, fugimos à imposição do calendário. Até mesmo do domingo ficamos livres. Por um tempo. O dia seguinte exige, nem que seja, um esboço de explicação para o que aconteceu. Bem. O mais importante, e o mais duro para o brasileiro certamente, é admitir que essa seleção (tanto quanto a de 94) não faz jus às campeãs de 58, 62 e 70. Aliás, é quase um chavão. Apesar de Ronaldo Nazário (fenômeno para uns, amarelão para outros). Apesar de tantos outros (inclusive Luiz Felipe Scolari, para quem o futebol tático tinha como modelo supremo [adivinhe se puder...] Carlos Alberto Gomes Parreira). Ainda que a celebração tenha libertado, por algumas horas, os brasileiros das amarras, em campo, o talento nunca esteve tão sufocado. Não havia definitivamente uma “campanha” em curso. As oportunidades de gol pareciam, quase sempre, tão aleatórias que, por um momento, qualquer time poderia sair vencedor. Qualquer um (vide os arroubos de países como Coréia do Sul, Turquia e Senegal). A teoria da “caixinha de surpresas” nunca esteve tão em voga. Ainda que exorcizados por Ronaldinho, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo, é de se pensar que os melhores jogadores em campo tenham sido os goleiros, como Kahn e Marcos. Que raio de esporte é esse em que a defesa pode brilhar mais que o ataque? Mas, como foi dito, considerações como essa se tornam menores diante do Pentacampeonato. Por mais alienado que pareça aos nossos olhos, o País esteve unido, pôs as diferenças de lado, e acreditou em si mesmo. Não é um exercício fácil. Nem deve ser desprezado. E isso não tem nada a ver com gostar ou não de futebol. O Pentacampeonato está aí. Que inspire então as melhores ações e os melhores sentimentos.
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2002 FIFA World Cup |
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O CONSELHEIRO TAMBÉM COME (E BEBE)
Apesar do caótico Largo da Batata, Pinheiros vem se modernizando como bairro e se afirmando como promessa urbanística a médio prazo. Anuncia-se, por exemplo, a construção de um boulevard, por conta da estação de metrô que chegará até lá. Projeta-se, ainda, uma filial do Sesc, mais pujante até do que a da Vila Mariana (à rua Pelotas). E, saindo do terreno da abstração, conta-se já com o Centro Brasileiro Britânico, uma vistosa e imponente edificação à rua Ferreira de Araújo. Em mais de um ano de discretas porém marcantes atividades, parece que ainda não foi descoberto pelo paulistano, dada a tranquilidade e a bonomia com que se circula pelo átrio, pelas exposições, pelo teatro e pela biblioteca. Dentro dele, estão também o bar Poet’s Corner e o restaurante The Bridge. Administrados pelo Terras Altas, buffet com mais de 15 anos de experiência no mercado, sob a direção de Andy Beebys, oferecem respectivamente happy hours e almoços de excepcional qualidade, em ambiente diferenciado. O bar, de clima mais sóbrio, tem as paredes forradas por versos (tralhados na pedra), tanto de autores ingleses quando de autores brasileiros. O restaurante, na cobertura, proporciona uma das vistas mais privilegiadas do bairro, um silêncio à toda prova, e uma culinária saborosa, combinando as tradições do Brasil e da Inglaterra. É o lugar ideal para almoços longos e conversas animadas com os amigos. Sem falar nos eventos organizados para empresas, que têm levado a iniciativa adiante, e que têm consolidado a posição do buffet como um dos mais conceituados da região. Andy, o proprietário, começou prestando serviço para o Club Transatlântico (na sua sede original, à rua Treze de Maio), passou pelo restaurante do Alumni e realiza hoje “happenings” para até 4 mil pessoas. Trabalhou em multinacionais, cozinhou sempre como hobby, e agora recebe elogios da clientela, que aprecia sua culinária leve, suave e pouco condimentada. No equilíbrio entre a pessoa física e jurídica, torce-se para que o Poet’s Corner e o The Bridge continuem como alternativa à balbúrdia na metrópole.
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Buffet Terras Altas - CBB - Rua Ferreira Araújo, 741 - Tel.: 3819-4120 |
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DAR DE COMER AO ÓDIO
Embora a intenção não tenha sido a mesma, o espectador, quando vir “As três Marias”, vai ficar com a impressão de que o tema da vendeta se repete (como em “Abril Despedaçado”). Afinal, Maria Francisca (Julia Lemmertz), Maria Rosa (Maria Luisa Mendonça) e Maria Pia (Luiza Mariani) nada mais são do que três irmãs, instigadas pela mãe, com sede de vingança. O filme começa bem (leia-se: é, nos primeiros minutos, convincente), com as cenas de violência (por quê sempre ela?), quando o pai e os dois irmãos das referidas Marias são brutalmente assassinados, a mando do amante de sua mãe (elas não sabem, é amor antigo), o patriarca da “família inimiga”. Apesar do roteiro que se segura firme na primeira meia-hora, o grande destaque fica por conta, sem dúvida, das tomadas, dos planos, da fotografia em paisagens pedregosas, árias e tensas, do nordeste brasileiro. Aluizio Abranches (também diretor de “Um Copo de Cólera”) foi igualmente feliz no registro da dor e do horror da viúva, Filomena Capadócio (Marieta Severo), na cena em que esta recebe a notícia das mortes. É, portanto, a matriarca que comanda o esquema de vingança, ordenando a cada filha que encomende a cabeça de cada um dos culpados. Como se vê: olho por olho, dente por dente. Um início cheio de possibilidades, não fosse por Walter Salles (que não tem culpa nenhuma) e pela má condução do longa a partir daí (culpa dos realizadores, certamente). O que ocorre é que, graças às três histórias agora em paralelo (cada uma das Marias atrás de um matador), a carga dramática se dilui e acaba irremediavelmente prejudicada, até pelas performances pouco convincentes do elenco. Como dizia Machado, lágrimas não são argumentos. No final, a vingança, obviamente, se consuma; mas sem aquele efeito redentor sobre quem pagou o ingresso. Fica para a próxima vez.
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"As três Marias" - Aluizio Abranches - Lumiere |
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Julio Daio Borges
Editor |
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