Quarta-feira,
10/7/2002
Digestivo nº 89
Julio
Daio Borges
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COMPROMISSO COM A MUDANÇA?
Agora a expectativa tem nome, e ela se chama Ciro Gomes. Nem tanto à terra, nem tanto ao mar; nem tanto à oposição (descaracterizada por Lula), nem tanto à situação (amarelada por Serra). Afirma-se o “terceiro elemento”, o candidato que sobe na “esteira do imobilismo”, como tão bem colocou Raymundo Faoro, em Carta Capital. E a classe média – que tem justamente a propriedade de não aderir nem ao “andar de cima” nem ao “andar de baixo” – pode descarregar seus votos nele sossegada. Afinal, é o namorado da Patrícia Pillar. [Quem? Aquela! A artista de televisão...] 38 pontos no Jornal Nacional (ancorado pela superstar Fátima Bernardes), discurso amarrado, lógico e bem articulado, boa pinta, com passagem por Harvard – em suma, que mal pode haver em torcer por Ciro Gomes? Collor. [Como “Collor”?] Eis a palavra mágica e a pedra-de-criptonita que parece enfraquecê-lo nas principais rodas e conversas em que seu nome é cogitado. Por ser tão elástico nas suas alianças (do heróico Roberto Freire ao ardiloso Antonio Carlos Magalhães), Ciro Gomes se apresenta como um cheque-quase-em-branco, não fossem suas passagens pelo Governo Federal (um advogado no Ministério da Fazenda) e pelo Governo do Ceará (dizem que Tasso Jereissati é incitado a apoiá-lo nos bastidores). E, mais grave que o futuro collorido que muitos receiam, é a volta dos que não foram: exatamente, dos donatários das capitanias hereditárias, do PFL, do Partido da Frente Liberal, que vai ser maioria novamente no congresso (eles sempre conseguem) e que vai congelar as reformas por mais 4 ou 8 anos. Até lá, FHC já estará escrevendo placidamente as suas memórias (no posto de secretário da ONU, que lhe reservam), Lula terá vendido a alma ao diabo (se é que já não vendeu), para tentar se eleger pela 5ª ou 6ª vez, e José Serra se aproximará de sua idade bíblica, regredindo ao útero (cada dia mais calvo e gengival). A História se repete? No Brasil tantas vezes que as denominações de Marx (primeiro como farsa, depois como tragédia) não nos servem mais. Enquanto perdemos tempo com elucubrações, “Ciro” [repare na simpatia e na familiaridade que esse prenome desperta: Ciro] pega o vácuo emocional dos eleitores desguarnecidos.
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Mudar sim, mas sem aventura |
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O TEMPO REDESCOBERTO
Enquanto a MPB se digladia por causa da numeração (ou não) dos CDs, o choro pede passagem e exige que – no mínimo – todas as rotativas sejam paradas. Estamos falando dos primeiros frutos do programa Petrobrás de Música. Além do Centro Petrobrás de Referência da Música Brasileira, inaugurado em fins de maio, no Rio de Janeiro, disponibilizando 12 mil fonogramas a melômanos e ao público em geral, já estão igualmente disponíveis: o livro do pesquisador Humberto Franceschi “A Casa Edison e seu tempo” (contando a história da primeira gravadora do País), a caixa de 15 CDs “Memórias Musicais” (com as primeiras gravações realizadas em solo brasileiro) e a coleção “Princípios do Choro” (reunindo 215 obras inéditas, saídas das partituras direto para os compact discs). Essa arca perdida da música brasileira é também resultado do esforço, do empenho e do apoio da Sarapuí Produções Artísticas (leia-se Biscoito Fino), do Instituto Moreira Salles e da Acari Records. A qualidade do material e o impacto que ele ainda vai causar na musicologia, na crítica e na classe musical é coisa que não se consegue estimar ou mensurar. Qualquer avaliação, neste momento, é precipitada (quem se meter a palpitar sobre o assunto, estará cometendo algum tipo de arbitrariedade ou leviandade). O mergulho na arca, ou seja: a audição atenta de mais de 30 discos, a leitura estudada do livro de Franceschi, a análise da documentação (em 5 fartos CD-ROMs), requer meses ou mesmo anos de convívio. Por enquanto, podemos apenas nos embasbacar com a vivacidade, a riqueza e o nível dessa produção que, um dia, – acreditem se quiserem – foi música popular. Fred Figner, o imigrante tcheco, fundador da Casa Edison, entrou nesse negócio para ganhar dinheiro. Ganhou e legou à posteridade, nada mais nada menos que: Pixinguinha (e seus Oito Batutas), Luís Americano, Ratinho, Patápio Silva, o Grupo Terror dos Facões, João Pernambuco, Ernesto Nazareth, Pedro Galdino e tantos outros. Para quem não se impressiona com ancestrais gravações, há ainda as regravações (os tais “Princípios do Choro”), igualmente impressionantes, de Maurício Carrilho, Luciana Rabello e grande elenco, que resgataram a música escrita por: Henrique Alves de Mesquita, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Antônio da Silva Callado Jr., Viriato Figueira da Silva, Luiz Borges de Araújo, Porfírio de Sá, Mário Álvares da Conceição, Pedro Galdino, Ernesto Nazareth e muitos outros. Polcas, lundus, valsas e tangos. Oxalá o princípio do século seja – mais uma vez e definitivamente – do choro.
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Mais de um século de música ao alcance do dedo |
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TEMPO POR TODOS OS LADOS
Enquanto agonizava devido ao câncer que enfim o mataria, Antonio Callado concedeu uma última entrevista à Folha de S. Paulo. Nela, como um Kafka a Max Brod, desancava, uma a uma, suas obras literárias. O único romance a que talvez concedia absolvição era justamente "Reflexos do baile" (1976). A Nova Fronteira tratou de reeditá-lo com pósfacio de Davi Arrigucci Jr, e podemos finalmente conhecer essa única concessão que Callado fazia a si próprio. Não adianta: o que salta, à primeira vista, é a "dificuldade"; se naqueles politizados anos 70 ela não foi sopa, o que pensar do público (ébrio de imagens) que vai encará-lo depois de 30 anos. Acontece que a narrativa se desenvolve a partir de múltiplas vozes, múltiplos pontos de vista, e o leitor precisa montar o quebra-cabeça juntando todos os cacos. Se preferir abdicar do sentido (da história com começo, meio e fim), pode se deliciar com o estilo que, francamente (transcorrido todo esse tempo), é o que há. Antonio Callado, o mais inglês dos ingleses, a lenda que dirigiu a redação do Correio da Manhã, encontra provavelmente o apuro que tanto perseguiu nas leituras de Machado. Abandonando a couraça do homem nascido em 1917, do redator da BBC de Londres, reinventou-se no registro da realidade, varada de urgência e de sentimentos fugidios, em paralelo ao que faziam Rubem Fonseca e Raduan Nassar. A palavra vem carregada de simbolismo (o da "guerra civil" que então se instalava): seja pela oposição ao regime militar; seja pelo caos social (prenúncio da atual "violência"). O palavrão emerge das ruas e encontra seu lugar "entre capas", assim como havia encontrado na imprensa (por mais que fosse cooptado, pela censura). Para além das querelas ideológicas, eis o legado de "Reflexos do baile": o de um homem refinado, pleno em século XIX, que teve de se reinventar, atravessando o XX, e chegando até nós.
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Reflexos do baile - Antonio Callado - 206 págs. - Nova Fronteira |
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O MENOS COMPREENDIDO EDIFÍCIO PAULISTANO
Sinistro. É o clima que permeia o antigo prédio do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), originalmente projetado por Ramos de Azevedo (parte da São Paulo Railway e da Estrada de Ferro Sorocabana), que hoje, restaurado e reformado (por R$ 12 milhões, sob a condução do arquiteto Haron Cohen), vai abrigar museus, memoriais, exposições e mostras. É nítido o esforço feito para tentar reabilitar a construção. Apesar de seus 50 anos de Dops, a repressão nunca foi sua única e exclusiva vocação. É, por exemplo, um marco em termos de estrutura metálica na cidade, embora pouquíssimo estudado. Claro que as vítimas de ditaduras e governos militares, que por lá passaram, fora o pessoal dos Direitos Humanos, não quer que seja removida a nódoa. Durante a abertura para visitação, inclusive, algumas vezes aflorava a disputa entre o arquiteto responsável e o casal de ex-presos políticos (lá presentes). Há também um certo sadismo em, por exemplo, manter as celas da época dos regimes de exceção, com as portas e janelas intactas. É patente a sensação de desconforto dos visitantes, ainda que as paredes tenham sido pintadas de cinza grafite, o piso tenha sido trocado e o teto tenha ganhado holofotes. Como se não bastasse, houve quem se insurgisse contra a “descaracterização”. À parte a discussão ideológica, a iniciativa se inclui no programa de revitalização do centro, que já passou pela Sala São Paulo (logo ao lado), pelo Centro de Estudos Musicais Tom Jobim (logo à frente), pelo Teatro São Pedro e pela Pinacoteca do Estado. Siron Franco é o primeiro artista convidado para preencher o novo espaço, com sua sugestiva mostra “Intolerância”. Também estão previstos trabalhos de Paulo Caruso, Maria Bonomi, Cláudio Tozzi e Mário Gruber. Que o novo centro cultural aproveite bem esse renascimento, e que a militância de esquerda lhe conceda uma chance de renovar-se.
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Museu do Imaginário do Povo Brasileiro e Memorial da Liberdade - Largo General Osório, 66 |
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BACK IN BLACK
Com esse slogan, os Homens de Preto (MIB, de 1997) estão voltando às telas. Um slogan um tanto quanto funéreo, diga-se de passagem, para um filme que beira o pastelão. Se no primeiro episódio algumas idéias sobre a vida fora da Terra eram sugeridas (e até convicentes), nessa “volta em preto” a tônica é o humor, tendo transformado os heróis “Kay” (pronuncia-se “quei”, Tomy Lee Jones) e “Jay” (pronuncia-se “djei”, Will Smith) em versões atualizadas dos ghostbusters (caça-fantasmas, que tiveram edições em 1984, 1989 e 1999). Pela entrevista do primeiro, durante première em Los Angeles, percebe-se que o “MIIB” não foi um grande desafio para os atores. Ainda assim, Tommy Lee Jones segura a onda o tempo todo; e é por ele que vale à pena sair de casa. Will Smith é também engraçadinho, com aquele ar de indeferença frente aos maiores perigos, tentando escamotear os mais humanos sentimentos. Aliás, uma das poucas novidades desse lançamento é que Mr. Jay se apaixona por uma moça, uma “latin-american” em franca ascenção. Rita, ou Rosario Dawson, para ser mais exato. Outra personagem que desponta é a do bulldog falante, obviamente um extraterrestre num corpo de cachorro. Particularmente hilariante o momento em que, de pé à janela do carro, entoa versos de “I Will Survive” (clássico de Gloria Gaynor, que se converteu no hino das encalhadas e rejeitadas [todas o sabem de cor]). Que ninguém espere porém verossimilhança, ou mesmo coerência, de “Homens de Preto II”. Todo o corre-corre atrás do vilão da história se encerra com um simples tiro de uma das poderosas armas [e a gente fica se perguntando: por quê não acabaram logo com isso, deixando mais espaço para as piadas?]. Tudo bem. Afinal, não é sempre que queremos lavar a alma no cinema, ou sair totalmente transformados da sessão. Às vezes, é importante dar algumas risadas e pronto. Principalmente quando a realidade se apresenta tão urgente, e grave.
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Homens de Preto II |
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Julio Daio Borges
Editor |
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