Quarta-feira,
21/8/2002
Digestivo nº 95
Julio
Daio Borges
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SEXO FRÁGIL
Por ironia do destino, ou dos editores da Abril, Veja trouxe nesta semana um especial "Mulher" ao mesmo tempo em que publicou uma entrevista com Mario Amato. A relação entre ambas as coisas não é imediata; ocorre que, a despeito da emancipação feminista, o ex-presidente da Fiesp tira conclusões nada favoráveis a respeito da presença feminina no mercado de trabalho. A briga é boa, e antiga; embora homens dela participem, quem tem perdido mesmo são as mulheres. É uma mistura de modismo, com falta de personalidade, com teorias para sociólogo ver: convencionou-se que elas têm de conquistar posições que antes eram exclusivas dos homens e, concomitantemente, preservar a feminilidade, a maternidade e o casamento. Já deu para perceber que a equação não fecha. Até porque eles (os companheiros, maridos, ou o que quer que hoje sejam) não assumiram nenhuma outra parte desse fardo, continuando na mesma situação, desfrutando dos mesmos privilégios maritais que antes dessa reviravolta desfrutavam. O que se percebe, e até mesmo as revistas apontam, é um enfraquecimento da figura viril e arrebatadora que antigamente caracterizava a maioria dos machos. Pois, se não há mais territórios sob seu único e exclusivo domínio, ou tarefas para as quais naturalmente se considerem mais aptos, eles não têm mais onde levantar a voz - e ver suas ordens prontamente acatadas. Isso acarreta numa perda de identidade que, mais cedo ou mais tarde, prejudica novamente as fêmeas: os homens não têm mais a prerrogativa das principais decisões, não podem mostrar pulso (pois seriam taxados de sexistas) e, como a resultante da disputa entre as forças é zero, cai-se na inércia do relacionamento que não sai do lugar, não anda. Como se não bastasse, não parece haver solução fácil a curto e a médio prazos (já que, na maioria dos casos, o problema nem foi levantado). Uma vez que o mulherio não quer arredar o pé (de suas "conquistas"), eles ["eles" quem mesmo?] ficam cada dia mais reduzidos àquela figura triste e estritamente necessária à perpetuação da espécie, e olhe lá.
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Veja Mulher | Mario Amato nas páginas amarelas |
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SURRENDER
Never know how much I love you. Never know how much I care. When you put your arms around me, I get the fever that's so hard to bear. You give me fever. When you kiss me. Fever, when you hold me tight. Fever. In the morning. Fever, all through the night... Todo mundo tem a sua favorita do Rei; não do "Rei Roberto Carlos", não "desse" tipo de realeza - mas do Rei Elvis Aaron Presley. John Lennon dizia que há duas maneiras de alguém encerrar a sua carreira no show business: ou indo para Las Vegas; ou indo para o inferno, que é para onde - segundo ele - Elvis foi. Dizia também que, apesar desse destino faustiano, os Beatles, desde o início, só queriam conhecer e ser maiores que Elvis. Para quem sabe da reputação que o conjunto desfruta no universo pop, dá para se ter uma idéia da importância de Elvis Presley. Claro, hoje o mito não tem mais nenhum poder transformador, como teve, reduzindo-se ao efeito decorativo de um cinzeiro, de um selo ou de uma folhinha de borracharia. Elvis perdeu toda a humanidade para transformar-se em ícone; e os ícones do século XX são melhores empalhados (mortos) do que vivos. Suas músicas também: adquiriram a incômoda familiaridade de um "Parabéns a você", impedindo qualquer avaliação técnica mais isenta. Talvez sobreviva o cantor "folk" dos anos 50, que, aos 18, depois de estacionar seu caminhão no pátio da gravadora Sun Records, pagou para cantar duas faixas: "My happiness" e "That's all right", dedicando-as à sua mãe. Nunca mais saiu. Emblemáticos também os filmes dos anos 60, no melhor estilo "Sessão da Tarde" (ainda existe?), em que Elvis, já deificado, encarna, em seus melhores momentos, o "american hero". E, nos anos 70, as últimas performances, em que, gordo e suando em bicas, entrega-se mansamente ao sacrifício (não morreu no altar, como oferenda, mas quase). Hoje a pretensa ressurreição, no mundo publicitário, não é mais que o velho abuso da imagem que moveu montanhas; o reavivar tímido da velha chama. A revolução já passou; enquanto a alma penada vaga entre Graceland e os bonecos de cera. [Everybody's got the fever. That is something you all know. Fever isn't such a new thing. Fever started long ago...]
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Elvis |
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CORAÇÃO GENEROSO
Wittgenstein é o tema da nova Cult, nš 60, edição de agosto, remodelada também na capa. O filósofo que no século XX quase acabou com a filosofia, reduzindo tudo a um problema de linguagem, veste um de seus paletós mais surrados e contrapõe o rosto enrugado (e o cabelo desgrenhado) a uma parede toda rabiscada. Vivia seus últimos momentos, antes do câncer que o liquidaria aos 60 e poucos anos; o mesmo que ele - diz a lenda - receberia de bom grado. Aliás, a reportagem não se furta a perpetuar toda a mítica em torno do jovem, do adulto e até do velho Ludwig. Uma das histórias mais saborosas envolvendo o autor do "Tractatus logico-philosophicus" é aquela registrada nas memórias de Bertrand Russell: Ludwig, então com 20 e poucos anos, aborda Russell em Cambridge e lhe pergunta, de chofre, se é um completo idiota (para se dedicar tão somente à engenharia aeronáutica); depois de examinar uma composição filosófica do intrépido rapaz, o autor de "Principia mathematica" profere o veredicto: "Não, Wittgenstein, você não deve ser um simples aeronatura, mas sim dedicar-se ao ofício de Platão e Sócrates". Enfant terrible típico da literatura moderna e fragmentária, Ludwig só viria a publicar um livro em vida: o "Tractatus", que elaboraria no front de batalha da Primeira Guerra Mundial, depois de arriscar-se e medalhar-se inúmeras vezes por bravura. Então viriam as "Investigações filosóficas", póstumas (uma reação ao "Tractatus"?), livro que ele jamais daria por terminado. Há, claro, uma infinidade de trabalhos entre a primeira e a segunda (última?) publicação: desde a gramática da língua alemã, escrita quando Wittgenstein decidiu abandonar tudo e dedicar-se às crianças, até os "blue and brown books", quando lecionava filosofia para gente grande; há ainda as polêmicas conferências e os reveladores diários. Louvável que a Cult procure ultrapassar a imagem superficial do sujeito de família abastada, que privou, ainda moço, da companhia de Mahler, Brahms e Klimt (para citar apenas alguns nomes). Wittgenstein é quase o indizível no Brasil - ainda que, sobre ele, o melhor não seja "calar" e sim "falar".
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Cult | Russell sobre Wittgenstein |
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ANOS REBELDES
Foi inaugurado, há uma semana, um novo site de crítica de mídia: o Mídia Sem Máscara. Apresentando-se como uma alternativa ao Observatório da Imprensa, de Alberto Dines, é comandado por Diego Casagrande e Olavo de Carvalho. Para além da discussão ideológica, convém analisar o significado dessa nova empreitada dos dois jornalistas internautas. Dines vem fazendo seu trabalho de fiscal da mídia há 6 anos; por ser declaradamente de esquerda, seu discurso é o do jornalista desamparado, premido entre a tirania dos "patrões" e os interesses escusos dos donos de jornal. Ataca portanto o aspecto "patronal" da coisa: os abusos perpetrados pelas "elites", há mais de 500 anos. Já o Mídia Sem Máscara é ostensivamente de direita e acredita justamente no contrário: de algumas décadas para cá, as redações foram tomadas pelos ideais de esquerda e, ainda que jornalistas se declarem vitimados pelo "sistema" (capitalista), dominam a linha editorial dos periódicos, promovendo a "revolução gramsciana" e deixando seus empregadores de mãos atadas. Quem tem razão? Ninguém tem razão. Dines por achar que continuamos em 1968, debaixo do AI-5 e da "censura" do governo militar, quando a grande mídia, que está aí, vive agonizante entre dívidas (de bilhões) - subserviente à única ditadura que hoje rege o mundo: a do público. Já Carvalho e Casagrande por acharem que a União Soviética ainda existe e que, junto com Fidel Castro, organiza levantes e ações armadas, colocando o Brasil na iminência do comunismo (o socialismo, para eles, já foi instaurado). Como se vê, estamos falando de duas linhas radicalmente opostas, que remontam a quase 40 anos (!); totalmente obsoletas e simplistas em suas obsessões, portanto. Para confirmar o caráter "fora de moda" da pregação em ambos os lados, basta observar a faixa etária do grosso dos colaboradores (dos dois sites) e as reações da novíssima geração internética ao lançamento do Mídia Sem Máscara. Tudo bem, nós sabemos que aqueles anos "politizados" foram mesmo emocionantes, mas alguém precisa avisar esses senhores que eles acabaram e que os tempos, agora, são outros.
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Observatório da Imprensa | Mídia Sem Máscara |
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WHOOPEE
Aos olhos do grande público, o cinema se converteu em grande arte já no século XX. Por isso, ainda nos anos 2000, compositores continuam se desmanchando quando são convidados para escrever trilhas sonoras para tela grande - como, aliás, se desmancharam os integrantes do Belle & Sebastian (aquele grupo de Glasgow que veio ao Brasil para cantar "A Minha Menina", dos Mutantes). Stevie Jackson, por exemplo, fala, no encarte, em "grandes expectativas", "sonhos" e também em "grandes empreendimentos". Já Mick Cooke fala em "longo mas prazeroso processo"; lembra ainda de terem feito, inicialmente, o que Todd Solondz, o homem por trás de "Storytelling" (o filme), considerou não exatamente "a coisa certa". Solondz, no entanto, parece ter desistido de se impor musicalmente, já que o CD inteiro soa como o mais puro Belle & Sebastian (sem qualquer interferência maior, portanto) - principalmente nas faixas cantadas, como "Black and White Unite", a própria "Storytelling", "I Don't Want To Play Football", "Wandering Alone", "Scooby Driver" e "Big John Shaft". Entre essas, há vinhetas naquele estilo setentista bufante, querendo ser "new age", sugerindo portanto "climas" - mas sobretudo acreditando numa humanidade "melhor", conforme a geração do "paz & amor" (dos anos 60) ia se casando, tendo filhos e renovando seus votos de esperança. Há igualmente uma enorme crença na America (não no continente, mas naquela para os americanos [do norte]), como país, como nação, como modelo para o mundo. São sintomáticas, nesse contexto, as referências a "the King" (sim, Elvis Presley), por parte do Belle & Sebastian, como se ele efetivamente fizesse parte da realeza, tendo interpretado temas considerados "clássicos" como "Rock a Hula Baby" (no caso, em "Blue Hawaii"). O resultado, por conseqüência, é assumidamente retrô e, por isso mesmo - numa época de formas eletrônicas estranhas -, talvez agrade tanto.
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Storytelling - Belle & Sebastian - Trama |
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Julio Daio Borges
Editor |
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