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Quarta-feira, 26/10/2005
Arquetípico

Julio Daio Borges




Digestivo nº 250 >>> Mais até do que Freud, Jung foi vítima da diluição do homem comum. Se Freud foi incorporado à “sabedoria popular” em expressões hoje esvaziadas de sentido como “Freud explica” e “complexo de Édipo”, Jung nem teve essa chance – ou teve, mas de uma maneira ainda mais vaga e caricata. Jung terminou ligado à corrente new age, ao orientalismo de segunda mão e a toda essa massa oportunista de tópicos “espirituais”, “espiritualizados” e “espiritualistas” (o melhor seria “espirituosos”) que permeia todo o boom editorial da auto-ajuda, de Paulo Coelho até autores ainda menos cotados. Pobre Jung: se houve – se é que houve –, algum trabalho sério de sua autoria, em toda a carreira (provavelmente ligado ao popularíssimo tema do inconsciente coletivo), acabou soterrado pelos clichês e slogans de “religiosos” e “sensitivos” sem noção. Infelizmente, é o Jung diluído que prevalece em Jung: Sonhos de uma Vida, peça de Eliana Zuckermann, em cartaz em São Paulo. Jayme Periard (Jung) passeia por instantes biográficos do autor de Memórias, Sonhos, Reflexões, mas é tão óbvio e superficial que todos os seus “momentos” (as suas cenas) poderiam simplesmente fazer parte da vida de qualquer pessoa: o confronto com o pai (e com a família); a descoberta da vocação; o encontro (e a decepção) com o mestre (Freud); o amor, os laços familiares, o casamento (a separação)... Não é preciso ser Jung para ter vivido essas coisas (elas podem ser vividas, estatisticamente, por qualquer pessoa). Traduzindo: não são esses fatos, geralmente apresentados de maneira banal no espetáculo, que fazem de Jung o Jung da psicanálise (e do “esoterismo”, se quisermos acrescentar). Existe uma tendência – nas adaptações populistas de vidas & obras – no sentido de querer aproximar o grande homem do homem comum. São pura perda de tempo, porque todo mundo sabe da singularidade do grande homem. A não ser o homem comum...
>>> Jung: Sonhos de uma Vida
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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