Terça-feira,
29/8/2006
Freischaffender Komponist
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 294 >>>
Muita gente lembra que viveu, por aqui, a moda dos saraus – mas lembra, também, que as intenções ficavam sempre restritas ao amadorismo dos participantes, ao ponto de “sarau”, a palavra, tornar-se um termo até pejorativo. Então é difícil para alguém da nossa época imaginar o que teriam sido as “Schubertíades”: no início do século XIX, reuniões que aconteciam em torno de Franz Schubert. Schubert, o compositor, carrega consigo a contradição de ter produzindo muito, proporcionalmente (em alguns anos) mais que Mozart, e de ter arrastado a fama de bon-vivant, afinal, a sífilis, que o matou, está, em seu tempo, associada a isso. As Schubertíades combinavam, portanto, diversão de altíssima qualidade (e de altíssimo risco) com gênio e elevado rigor técnico (ao menos, musical). E se pudermos considerar que o melhor de Schubert está no compositor e não no “farrista”, teremos a chance de vivenciar, nos dias de hoje, algo artisticamente próximo das Schubertíades originais. Como aconteceu nos Concertos BankBoston, em fins de agosto. O Espaço Cultural BankBoston transpirou Schubert com o violino de Régis Pasquier, o piano de Emmanuel Strosser, ambos franceses, o violoncelo e o contrabaixo de Michel Haran (de Israel), mais o reforço das cordas dos Solistas Interarte, do Brasil. O ponto alto foi, sem dúvida, o célebre quinteto “A Truta” – um tour de force a exemplo da Nona Sinfonia do mesmo compositor. João Marcos Coelho, no libreto e na platéia, aliás, observou que, na contramão de Mozart e Beethoven, que reforçavam seus quintetos com uma segunda viola, Schubert preferia realçar os extremos, introduzir um contrabaixo e criar uma aura sinfônica dentro da música de câmara. Um ótimo exemplo disso foi o Quinteto para cordas em dó maior op. 163 D 956, outra prova de fogo para as mesmas cordas, embora não fosse muito mais fácil para o piano. Strosser deu, além disso, uma demonstração de brilho desde o início – com Klavierstücke em mi bemol menor nº 1 D 946. (Depois do intervalo, a Sonatina para violino e piano em ré maior op. 137 nº 1 D 384 teria uma execução igualmente correta.) Tendo viajado quase duzentos anos para trás, o espectador contemporâneo sai da sala se perguntando se os participantes das primeiras Schubertíades tinham consciência de que esse ritual se repetiria não no outro século apenas, mas no outro milênio... Eles poderiam não saber, mas Schubert certamente sabia, o festeiro e o compositor.
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Julio Daio Borges
Editor |
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