Quarta-feira,
29/4/2009
Ivan Junqueira desvendando Otto Maria Carpeaux
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 413 >>>
O poeta, tradutor e ensaísta Ivan Junqueira conheceu Otto Maria Carpeaux em outubro de 1962, quando este era consultor nas áreas de literatura e filosofia na versão brasileira da Enciclopédia Barsa, nomeado pelo editor-chefe Antonio Callado. Aos 28 anos, Junqueira era redator de verbetes e monografias. O projeto, depois de ingerências diversas, e da saída do mesmo Callado, seria abortado em 1963. Carpeaux e Junqueira voltariam a se encontrar apenas em 1966, no projeto da Delta Mirador, desta vez comandado pelo filólogo Antonio Houaiss. Embora verdadeiros enciclopedistas andassem pelo Rio nos anos 60, Carpeaux detestava ter sua cultura, justamente, classificada como "enciclopédica". Junqueira, no entanto, confessa-se eterno discípulo do mestre, detentor de um conhecimento que — admite hoje — jamais alcançará. E é sobre a formação de Carpeaux, ao mesmo tempo misteriosa e milagrosa, que Ivan Junqueira escreve um de seus melhores ensaios no recente Cinzas do espólio. Embora fosse opositor exaltado da ditadura militar, passando inclusive por esquerdista militante, Carpeaux adquirira sólida formação católica na Europa — a mesma que permearia, para sempre, sua visão de mundo. Otto Karpfen (originalmente judeu), ou "Otto Maria Fidelis" (depois da conversão ao catolicismo), era herdeiro da Casa da Áustria, do conservadorismo dos Habsburgos e, portanto, do Império Austro-Húngaro. Definindo o barroco como "o último estilo que abrangeu ecumenicamente toda a Europa", Carpeaux revelava sua formação barroco-católica. Junqueira detecta, em sua tendência para o "mistério" e para as "vertigens abismais da alma", uma provável dívida para com os místicos espanhóis, Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz. Ainda identifica algo de Sêneca, "o modelo do teatro barroco", segundo o próprio Carpeaux. Mas Junqueira não deixa de lado as influências de Hegel e, sobretudo, de Benedetto Croce. Com a ajuda de Mauro Ventura, conclui que, também para Carpeaux, arte era "símbolo" e não, apenas, "documento do real". Logo, sua crítica estética, mesmo objetivando valores morais, era tributária da tradição do romantismo alemão (que, igualmente, pregava a oposição entre "símbolo" e "alegoria"). Fora o barroco-católico e o romantismo alemão, haveria, ainda, um terceiro pilar na formação de Otto Maria Carpeaux: o "sentimento trágico do mundo" — que Schopenhauer e Nietzsche emprestariam das tragédias gregas e que obrigaria Carpeaux a reler, anualmente, as obras de Shakespeare e os mesmos dramaturgos gregos da tragédia. Analisando Sófocles e concluindo que o pessimismo levava à purificação da alma, Carpeaux reforçava, mais uma vez, sua visão de mundo barroca: onde o homem era naturalmente decaído, onde prevalecia a doutrina pessimista da natureza humana e onde se negava, consequentemente, a ordem cósmica estabelecida pelo renascimento... Ivan Junqueira perderia contato com seu mestre a partir de 1973, depois de participar, como colaborador, em mais um projeto de enciclopédia, o da Mirador Internacional, onde Carpeaux comandava as seções de literatura, filosofia e música. Otto Maria Carpeaux faleceria numa sexta-feira de Carnaval de 1978, depois de anos de silêncio, depressão e agonia. Mas suas lições permaneceriam — principalmente aquela segundo a qual "a literatura é a mais alta e complexa manifestação do pensamento humano".
>>> Cinzas do espólio
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Julio Daio Borges
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