Terça-feira,
25/5/2010
Maria Bethânia em Amor Festa Devoção
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 463 >>>
Maria Bethânia talvez seja uma das últimas sobreviventes de sua geração. Gal Costa, a comparação mais frequente, pendurou as chuteiras ainda nos anos 90, num exílio que começou em Trancoso, e cujo melhor fruto, para a humanidade, foi a pousada Estrela D'Água. Caetano Veloso, o irmão, se desencaminhou, antes ou depois de Paula Lavigne, não se sabe ao certo se pelo desbunde dos anos 90 ou se pela decrepitude musical dos anos 00. Gilberto Gil foi brilhante no Acústico (1994), depois flertou com a "ciência", aceitou o MinC (2003), voltou para a internet, mas só agora tenta se reencontrar num novo "acústico" (com o filho). Saindo dos Doces Bárbaros, Chico Buarque preferiu ser escritor, ainda que não tenha sido bom em nada (nas décadas passadas), e Roberto Carlos chamou mais a atenção por tirar um livro de circulação, apreendê-lo e sugerir queimá-lo, revivendo a censura (e a ditadura). Nesse cenário musical de terra arrasada, Maria Bethânia se mantém criativa, inquieta, aprendendo a conviver com a independência, gravando non-stop e mantendo uma rotina de shows que desafia Mick Jagger e as leis da física. Para completar, sua nova turnê, "Amor Festa Devoção", tem sido um sucesso de público (que, apesar de não entender tudo conceitualmente, termina embevecido pela força, que nunca seca, da artista). Com o cenário de Bia Lessa — que acertou bem mais que na Flip; e que se relançou no teatro em Curitiba —, Bethânia destila o vozeirão em quase 40 (sim, quarenta) números, entre dois atos e uma porção de rosas vermelhas. Sua presença cênica não encontra equivalentes nas novas gerações e sua capacidade de amarrar repertório & roteiro — além da performance — deixa as "cantorinhas" de agora — que não podem sair nem na rua sem um produtor — no chinelo (ainda que Bethânia dispense os calçados). Reabilita até Zezé Di Camargo & Luciano, que musicalmente só funcionam em cinema, sem falar nas apostas que faz em Vander Lee ("Estrela") e Vanessa da Mata ("Ê Senhora"), e nas que continua fazendo em Adriana Calcanhotto ("Tua") e Chico César & Paulinho Moska ("Saudade"). Não faltam, obviamente, clássicos em sua voz, como "Explode Coração" e "Ronda", e outros que ela, para variar, recria, como "Serenata do Adeus" (Vinicius), "Não Identificado" (Caetano) e "Vida" (Chico Buarque). Tudo isso entremeado pelo repertório de Encanteira (2009), seu último registro em estúdio, dando força ao igualmente longevo Paulo César Pinheiro e valorizando o universo das modas de viola, que, possivelmente, nunca tinham recebido tanta atenção da MPB. Aliás, Jaime Alem, seu maestro e arranjador, soube desconstruir a orquestra de Maricotinha, recriando tudo, harmonicamente, com sua musa. Maria Bethânia é, hoje, uma verdadeira embaixada da música brasileira; e esse show é, no mínimo, imperdível, para quem ama o nosso cancioneiro. Que Bethânia viva (e produza) tanto quanto Dona Canô!
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Julio Daio Borges
Editor |
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