Quarta-feira,
24/11/2010
O Prêmio Nobel para Mario Vargas Llosa
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 473 >>>
Talvez por uma dessas injustiças da História, Gabriel García Márquez foi laureado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1982, enquanto Mario Vargas Llosa ficou esperando até agora. Em algum momento do boom latino-americano dos anos 70, eles estavam juntos, vinham de países periféricos — Colômbia e Peru, respectivamente —, lutavam para publicar seus livros e para sobreviver como escritores concomitantemente. Talvez pese o fato de que García Márquez escreveu uma obra-prima, Cem Anos de Solidão (1967), mas Vargas Llosa foi um dos primeiros a reconhecê-la. Tanto que, na edição de 40 anos da Real Academia Española, Vargas Llosa concordou que fosse reproduzido seu ensaio "Cien Años de Soledad. Realidade Total, Novela Total". Reza a lenda que romperam relações quando García Márquez, de tão íntimo que era de Vargas Llosa, foi consolar sua mulher, Patricia, numa crise... De qualquer forma, divergiram em política: García Márquez se fez amigo de Fidel Castro e, lamentavelmente, defensor do regime cubano (até hoje); já Vargas Llosa reavaliou sua posição, mudando de lado e combatendo as ditaduras de esquerda e seus tiranetes (até Chávez). Como a Academia Sueca tem uma certa tradição de premiar autores mais "à esquerda" que "à direita", no telefonema que lhe fizeram comunicando o prêmio, Vargas Llosa confessava não mais esperá-lo, ao ponto da quase indiferença... De 1982 pra cá, não escreveu talvez a redentora obra-prima, embora muita gente considere que já houvesse escrito (Conversa na Catedral, 1969). Alternou-se entre a literatura dita séria (A Guerra do Fim do Mundo, 1981, uma homenagem a Euclides da Cunha), a (semi)biográfica (A Cidade e os Cachorros, 1963; Tia Júlia e o Escrevinhador, 1977; Travessuras da Menina Má, 2006) e a "de entretenimento" (Pantaleão e as Visitadoras, 1973; Elogio da Madrasta, 1988; e Os Cadernos de Dom Rigoberto, 1997). Flertou, ainda, com o jornalismo literário, digamos assim, em A Festa do Bode (2000); e, com a reconstituição histórica, em O Paraíso na Outra Esquina (2003). Esse, talvez, "compromisso com a realidade" afastou Vargas Llosa da fabulação, do que provavelmente fosse o "realismo fantástico", aproximando-o do jornalismo, do ensaísmo e da opinião pública. Logo, esse Nobel de 2010 tem um sabor especial, porque não vai para uma obra-prima da literatura, como possivelmente foi o de 1982, mas vai para o "conjunto da obra". (Sem esquecer que Mario Vargas Llosa foi candidato à Presidência da República do Peru, em 1990.) Desde a ascensão do romance, no século XVIII, sua consagração, no século XIX, e sua sobrevida, no XX, a literatura ficou muito identificada com obras de ficção e o Nobel, a premiação máxima do nosso tempo, seguiu essa tradição. Talvez Vargas Llosa, laureado agora, abra caminho para tantos outros autores identificados com outras modalidades de escrita, como os mesmos jornalismo e ensaísmo. (Quanto ao Brasil não ter sido, novamente, contemplado, o prêmio dirigido a um escritor do Peru só indica que os olhos da Academia Sueca estão cada vez mais perto de nós...)
>>> O peruano Mario Vargas Llosa lembra os curtos mas intensos momentos que viveu antes de ser mundialmente anunciado como vencedor do Prêmio Nobel
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Julio Daio Borges
Editor |
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