Quarta-feira,
9/2/2011
Wrong Way, de Conrado Paulino
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 476 >>>
Existe aquele ditado preconceituoso: "Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina". (Segundo Ed Motta, os críticos brasileiros não sabem fazer nem ensinar, mas, aí, já é outra história...) O fato é que Conrado Paulino sempre foi um mestre. E todo mundo lembra dele na época áurea do CLAM (a escola de música do Zimbo Trio). Assim, seu primeiro CD, em estúdio, parece que não tinha ficado à altura do domínio que Conrado possuía da técnica do violão. Sem falar no seu profundo conhecimento de música popular brasileira. E de jazz. O CD soava um pouco insosso, talvez "produção" demais... A banda, em vez de acompanhar, ofuscava seu brilho. As participações, que inicialmente encorpariam o registro, parece que, além de não acrescentar muito, desequilibravam o conjunto. Portanto, foi sábia a sua decisão de, no segundo disco, resumir quase tudo ao violão solo. O título Wrong Way dá margem a várias interpretações, mas poderíamos arriscar que Conrado resolveu se expor, sem firulas, com, no máximo, alguma percussão. E o resultado, finalmente, está à altura do mestre de gente como Camilo Carrara, Chico César, Tomati e Fernando Corrêa. É muito difícil, tendo esmiuçado o cancioneiro do Brasil, tendo feito praticamente a autópsia do nosso songbook, ainda encontrar, nele, alguma inspiração e saber recriá-lo, à sua maneira, acrescentando novidade ao panorama. A chave talvez esteja no que sugere Fábio Zanon, no encarte: "(...) a mistura de Joe Pass com Baden Powell". Argentino, Conrado incorporou o samba de Powell, como provavelmente nem os instrumentistas americanos que "acompanharam" João Gilberto e a bossa nova conseguiram. E Pass é quase uma novidade, para os nossos ouvidos, porque, justamente desde a bossa nova, violonistas brasileiros quase não estudam mais jazz. Wrong Way abre com "Isaura", que, em sua desconstrução, é puro Pass. Já "Olha para o Céu" (Jobim), a segunda, talvez seja Baden, mas calculado, fino, sem forçar as cordas e sem fazer estrilar o violão. "Dindi" soa meditativa, à la Sinatra-Jobim, enquanto "Feitio de Oração" soa faceira, justa homenagem a Noel e Vadico. Conrado foi corajoso em encarar "Manhã de Carnaval", que João Gilberto basicamente esgotou, e foi sábio ao introduzir "Todo o sentimento", deixando Chico Buarque e Cristóvão Bastos como alguns dos únicos contemporâneos na lista. Outro é Caetano Veloso, que comparece com "Luz do Sol" e que Conrado sofistica, muito além do polemista, rivalizando com a versão de Gal Costa. O toque de humor, depois de tanta reflexão, fica por conta de "Ai ai ai ai ai", de Ivan Lins e Vitor Martins. "Samba da minha terra" ressurge, à altura de Caymmi, fechando, na seção "bonus tracks". Se nos fosse permitido comparar discos, este Wrong Way, na linha do tempo, se aproximaria do álbum que Paulinho Nogueira, no início da década passada, dedicou à primeiras composições de Chico Buarque. Conrado, como Nogueira, soa exato, maduro e definitivo. E se esse "way" (caminho) for "wrong" (errado), que a nossa música siga cada vez mais "na contramão" ;-)
>>> Wrong Way
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Julio Daio Borges
Editor |
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