Quarta-feira,
16/3/2011
Correspondência Walter Benjamin e Gershom Scholem
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 477 >>>
Um contraponto à ascensão de Hitler, na recente biografia de Kershaw, é a Correspondência entre Walter Benjamin e Gershom Scholem, lançada pela editora Perspectiva, em 1993. Benjamin, já considerado um dos maiores escritores da língua alemã em sua época, vaga sem destino, pela Europa, naturalmente perseguido em sua condição de judeu. As cartas têm início em 1933 e se encerram em 1940, com o suicídio de Benjamin (que suportara, até então, estoicamente). Ainda que flerte com a possibilidade de tirar a própria vida desde a primeira missiva, é com sua saída da Alemanha que começam seus tormentos. Nota, já em 1933: "[a] simultaneidade quase matemática com que me devolveram manuscritos em todos os lugares possíveis, foram interrompidas todas as negociações em curso ou prestes a chegar a uma conclusão, e as minhas interpelações não obtiveram sequer resposta". Nem Max Brod, o homem que legara ao mundo a obra de Kafka, poderia ajudá-lo. Quase sem publicar seus escritos em periódicos ou sequer editá-los em livro, Benjamin reconhece já em 1934: "O mais elementar da existência tornou-se tão precário que não toco no assunto [dinheiro] sem necessidade; quanto àquilo que não é tão notório, sem por isso deixar de ser precário, a minha produção lhe dá uma ideia de vez em quando". Lembraria, com nostalgia, "[os] tempos em que comprar um livro era a coisa mais natural do mundo para mim". E, mesmo com a existência em frangalhos, seguiria produzindo: "Fico admirado de encontrar forças, que não sei de onde vêm, para iniciar outro [trabalho]". Numa mesma carta, de 1935, menciona o ensaio "A Obra de Arte na Época da Reprodutibilidade Técnica" (um título ainda provisório). E encerra, definitivo: "Com todas as minhas dificuldades, não sei quando irão esgotar minhas forças para resistir, pois só disponho do necessário, no máximo, para uns quinze dias por mês. A aquisição mais insignificante sempre depende de acontecer um milagre". Materialmente combalido, Benjamin sofreria cada vez mais abalos psicológicos: "O isolamento em que vivo, e às vezes trabalho, cria uma dependência anormal da receptividade que encontra aquilo que faço" (escreve em 1939). E conclui, finalmente, sobre o autor de A Metamorfose algo que poderia ser aplicado a si próprio: "Para fazer justiça à figura de Kafka em toda a sua pureza e peculiar beleza, não se pode perder de vista uma coisa: trata-se da pureza e da beleza de um fracassado. Poder-se-ia dizer que uma vez seguro do fracasso final, tudo deu certo para ele no caminho, como em sonho" (profetizava Benjamin em 1938)... Volta e meia, escrevinhadores tupiniquins redigem manifestos para tentar salvar a própria "literatura", querendo salvar, na verdade, a própria pele — sendo que a literatura, a grande literatura, padeceu de sofrimentos que eles nem conseguem imaginar...
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Julio Daio Borges
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