Quarta-feira,
20/4/2011
As Entrevistas da Paris Review, pela Companhia das Letras
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 478 >>>
Hoje "entrevista com escritor" virou commodity. Porque escritor virou commodity. Se cada pessoa que possui um blog pode ser considerada "jornalista", cada individuo que possui Word instalado em seu computador pode ser considerado "escritor". Não foi a internet que degradou o jornalismo, nem foram os PDFs que degradaram a literatura, foram os processadores de texto! Abra uma página eletrônica em branco, convide alguém a preenchê-la com letras de forma e, voilà, mais um ego-que-escreve no mundo... Antes não era assim, claro. E uma amostra de verdadeiros escritores pode ser encontrada no primeiro volume de Entrevistas da Paris Review, que a Companhia das Letras reedita agora. Óbvio que nem a editora de Luiz Schwarcz pôde resistir ao apelo dos falsos escritores contemporâneos - lançando-os até num selo à parte -, mas cumpre o seu papel nos lembrando quem foram, por exemplo, William Faulkner e Ernest Hemingway. O primeiro anuncia, inclusive, a explosão de autores-de-Word (em 1956!): "O artista não tem importância. Só é importante o que ele cria". E um recado especial para quem fica atrás de subsídio para a (própria) literatura: "As pessoas realmente têm medo de descobrir o quanto de privação e pobreza elas suportam." Concluindo: "Se um homem não é um escritor de primeira, então não há nada que possa ajudá-lo muito". Com a palavra, o autor de Adeus às Armas (em 1958): "Uma vez que escrever se torna o seu maior vício e o seu melhor prazer, só a morte pode detê-lo". Puxando a orelha dos escritores-palestrantes: "Quanto melhores forem os escritores, menos falarão sobre o que eles mesmos escreveram". Concluindo, mais uma vez, com realismo: "Quanto mais longe você vai na escrita, mais fica sozinho". As verdades de Faulkner e Hemingway, infelizmente, vão se diluindo à medida que o volume avança, a ponto de sermos resgatados apenas por Borges (em 1967): "Se um escritor descrê do que escreve, então ele dificilmente poderá esperar que seus leitores creiam nisso". E sobre seus contemporâneos (poderiam ser os nossos...!): "Eles não eram realmente poetas ou escritores. Era só um truque que aprenderam, e o aprenderam para valer..." Lamentavelmente, Capote se perde em seu esnobismo, Céline, na sua amargura, Auden, na sua consagração. E a nossa produção "liliputiana" - expressão cunhada por Paulo Francis - não redunda em grandes entrevistas, nem com gente como Ian McEwan. Na realidade, fica a impressão de que a Companhia procurou focar muito em seu próprio catálogo de autores, poupando-nos de outros raros momentos, como os propiciados pelas declarações de Faulkner e Hemingway (nas primeiras páginas). De qualquer forma, algumas breves palavras desses dois gigantes já servem para chacoalhar a árvore de frutas podres em que se transformou a nossa "literatura" contemporânea.
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Julio Daio Borges
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