Quarta-feira,
8/6/2011
Inglourious Basterds, de Quentin Tarantino
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 480 >>>
Depois de Kill Bill, a obra-prima de Quentin Tarantino, o mundo esperava por outro filme grandioso. Inglourious Basterds, ou Bastardos Inglórios, portanto, talvez seja uma decepção nesse sentido. O tema, da Segunda Guerra, é certamente grandioso. Mas o tratamento dado é, no mínimo, naïf, de quem não conhece História. Talvez ler só histórias em quadrinhos, se especializar em filmes B e cultuar a violência acima tudo não seja exatamente a receita para se adquirir uma formação sólida. Todos respeitamos Tarantino como realizador, e a produção de Inglourious Basterds é quase virtuosística nos detalhes ― mas não foi suficiente para reconstituir personalidades complexas como as de Adolf Hitler e Joseph Goebbels. O personagem Hans Landa, por exemplo, interpretado por Christoph Waltz ― poliglota, destilando alemão, francês e italiano (sem nenhum sotaque) ― talvez pareça mais sofisticado que duas das mentes mais diabólicas do século passado... No longa de Tarantino, o Ministro da Propaganda está mais interessado em sua intérprete, e em agradar o Führer (essa parte talvez seja verdade), do que em maquinar qual o próximo passo no esforço de guerra (a verdadeira verdade). Já o Führer oscila entre infantil e abobalhado, quando, na vida real, estava mais perto de um megalomaníaco que levou a Europa, a Alemanha (e a si próprio) a um destino trágico. Ou seja, dois dos homens que quase acabaram com a civilização ocidental não poderiam ser representados como simples vilões de filmes de super-herói da Marvel. Tarantino, nesse ponto, errou a mão. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos que salvou a Europa ― ou o que restava dela ― não poderiam ser representados por um grosseirão, sem modos, como Aldo Raine, o personagem de Brad Pitt. A licença poética de construir um final "onde os judeus vencem a guerra" é até respeitável, mas os verdadeiros nazistas não se deixariam envolver dessa forma, e nem os Estados Unidos da América confiariam a um cowboy "monoglota" a missão de libertar a Europa. Podemos conceder que a representação da França ocupada esteja um pouco mais fiel à realidade, fazendo sentir a opressão nazista até num cinema ou numa confeitaria. Também a tensão do diálogo inicial, típica de Tarantino, desde Cães de Aluguel, onde o pai de família entrega os judeus em seu sótão... Reconstituição histórica, contudo, exige mais do que a leitura de almanaques, a reprodução de estereótipos e a imaginação desenfreada de quem não viveu o período nem respeitou os sobreviventes. Não foi à toda que Le Monde acusou Tarantino de "se perder" ao "ficcionar" a Segunda Guerra. Assim como a imprensa israelense sentiu falta de "profundidade" nas questões morais. Ainda o crítico Daniel Mendelsohn acusou Tarantino de converter "judeus" em... "nazistas". Enfim, o diretor de Pulp Fiction é mestre em retroceder até a década de 70, mas sua autonomia parece que não chega a meados do século XX...
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Julio Daio Borges
Editor |
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