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Quarta-feira, 7/3/2012
Meia Noite em Paris, de Woody Allen

Julio Daio Borges




Digestivo nº 486 >>> A percepção, recorrente, de que nossa época não produz "nada de relevante" pode até estar errada, mas instalou-se de tal maneira no inconsciente coletivo que Woody Allen resolver jogar com ela em seu 41º filme, Meia Noite em Paris (2011). No longa, um roterista mediano de Hollywood, com ambições literárias, se vê transportado, sempre à meia-noite, até a Paris dos Anos 20, a da chamada Geração Perdida. Se durante o dia passeia pela capital francesa do século XXI, cheia de relíquias do passado, ratos de museu pretensiosos e turistas fúteis, na madrugada reencontra seus heróis: Fitzgerald, Hemingway e Gertrud Stein (que, inclusive, se dispõe a ler seu romance em produção). Na fantasia ― como se fosse num sonho psicanalisado ― descobre que não ama sua noiva (que, por sua vez, o trai com um conhecido); que deseja passar uma temporada na Cidade Luz (antes de voltar para os EUA); e que ― ao contrário do que se poderia imaginar ― refugiar-se nos 1920s não é a solução para seus dilemas existenciais. Já Marion "Piaf" Cotillard, companheira de jornadas no tempo, abandona o nosso anti-herói, interpretado por Owen "Marley" Wilson, ao trocar a Paris de Picasso & Matisse pela da Belle Époque, de Lautrec & Rodin. (Esses, por sua vez, trocariam sua época pela da Renassença ― e assim por diante.) O que Woody Allen parece nos dizer é que uma "era de ouro" nem sempre é precebida assim, por quem a vive de fato; que o passadismo e a nostalgia são eternamente mais confortáveis; e que grandes experiências ainda são possíveis (quando decidimos encarar, sem rodeios, o agora). Meia Noite em Paris não parece ter sido um desafio para o cineasta, de quem reconhecemos os trejeitos, sem nos incomodar ― como se Woody Allen usasse clichês oportunamente, para que fãs, como nós, se sentissem "em casa". As personalidades de quase um século atrás vão surgindo, como num "jogo da memória"; também os cenários e as falas ― que, mais do que reconhecer, desejamos adivinhar. Se não podemos mais fazer grande arte, podemos, como coadjuvantes, participar? A Paris contemporânea dirige seu acervo de grandes realizações contra nós, que, intimidados, afundamos em história da arte estéril. Hemingway, em Adeus às Armas, escolheu como tema a Primeira Guerra Mundial; Fitzgerald, a Grande Depressão, o jazz e o álcool, produzindo consequências nefastas. Owen "Marley" Wilson, de sua existência comezinha, não vai, definitivamente, tirar nada. É de se admirar, inclusive, que Gertrund Stein ― uma das maiores sensibilidades artísticas do período ― tenha se disposto a revelar seu medíocre triângulo amoroso. Woody Allen, igualmente, parece acenar, com maturidade um pouco desiludida, para seus velhos ideais de juventude. A literatura não para (do verbo "parar") o trânsito como parava ― como o cinema hoje, talvez, pare. (Ou nem o cinema mais.) Como Allen, devemos abandonar os grandes temas, a ambição das grandes obras, engatando flashes, em série, da vida cotidiana? Woody Allen sabe o valor da Paris dos Anos 20, mas, ao mesmo tempo, não resiste aos apelos do gênero "comédia romântica". O que nos resta é compartilhar filosofices no Facebook?
>>> Meia Noite em Paris
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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