Quarta-feira,
11/4/2012
Chamadas Telefônicas, de Roberto Bolaño
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 487 >>>
Roberto Bolaño tem sido ovacionado, em prosa e verso, como o novo herói trágico da literatura latino-americana. O fato de não ter sido devidamente reconhecido, o fato de não ter alcançado sucesso e o fato de desfrutar de uma glória póstuma, complementada por uma morte precoce, fazem de Bolaño o eleito para uma literatura que vê a geração do "realismo fantástico" à beira da aposentadoria. A verdade é que Roberto Bolaño é, mesmo, um grande escritor, apesar de toda a ovação que hoje o precede, e que, transformando-o num sucesso póstumo, gera desconfiança em leitores de agora. Uma boa introdução para Bolaño é, justamente, Chamadas Telefônicas, aparentemente mais uma coletânea de contos (para ele, que escreveu tanto...). Acontece que o livro fisga o leitor desde o primeiro conto, "Sensini". Desde as primeiras frases se percebe a observação fina e as colocações sábias de quem entende do que fala. Uma das obsessões de Bolaño era o mundo literário. Falou de sua geração como ninguém. Mas falou de escritores, em geral, como poucos também. Sensini, o personagem, aliás, conclui: "O mundo da literatura é terrível, além de ridículo". Bolaño não esquece os detalhes comezinhos, da literatura como trabalho (ou quase isso): "De vez em quando recebia um cheque por algum de seus numerosos livros publicados, mas a maioria das editoras se fazia de esquecida ou havia quebrado". Ou das tentativas de sobrevivência dos escritores (latino-americanos ou não): "Quis voltar para a universidade mas, entre trâmites burocráticos e invejas e rancores dos de sempre, o acesso lhe foi negado e ele teve que se conformar em fazer traduções para algumas editoras". A ironia de Bolaño lembra Villa-Matas, o espanhol, um dos grandes do nosso tempo: "Os maus poetas costumam sofrer como animais de laboratório, sobretudo ao longo de sua dilatada juventude". Esse trecho, inclusive, é do conto "Enrique Martín", dedicado a ninguém menos que... Enrique Villa-Matas (!): "Naquela época eu tinha vinte e cinco anos e pensava que já tinha feito de tudo. Enrique, pelo contrário, queria fazer de tudo e se preparava à sua maneira para engolir o mundo". O que pensavam da obra um do outro? Bolãno teria influenciado Villa-Matas? Ou teria sido o contrário? Uma pergunta que as vindas de Villa-Matas ao Brasil provavelmente nos deixaram sem resposta. "A princípio, seu livro passa despercebido. Depois, num dos principais jornais do país, publica[-se] um resenha absolutamente elogiosa, entusiasta, que arrasta os demais críticos e transforma o livro num discreto sucesso de vendas". Mas nem só de escritores vive Chamadas Telefônicas. Um dos contos mais líricos, e um dos mais tristes também, é "Joana Silvestri": sobre uma atriz pornô italiana que vai reencontrar o amor em Los Angeles. "(...)ele tinha me chamado de Joannie, por uns segundos flutuei no ar como que drogada ou como se estivesse tecendo uma crisálida ao meu redor, mas depois me dei conta e ri e Jack soube do que eu ria sem precisar perguntar e sem precisar que eu dissesse nada". Outro dos melhores contos do volume é "Vida de Anne Moore": praticamente a crônica de desamores da personagem, que, em grande parte, transcorre nos Estados Unidos, sendo de uma verossimilhança quase absurda, para um autor "latino". Nessa história, Bolaño não fala de escritores, mas fala de arte (ou de, ao menos, um artista): "Às vezes era insuportável, mas também sabia quando era insuportável e tinha então a virtude de se trancar no ateliê e pintar o tempo todo em que estivesse insuportável(...)". No Brasil, a consagração de Roberto Bolaño tem se dado, logicamente, por Os Detetives Selvagens, sua obra-prima. Mas canhestramente, também, por 2666, uma obra póstuma, incompleta, que, na sua ambição, tem sido comparada até ao Dom Quixote. Nem tanto à terra, nem tanto ao mar: antes de encarar o gênio de Roberto Bolaño e se engasgar com sua inventividade, numa obra magna ou inacabada, a sugestão é se embrenhar pelos contos. Afinal, todo grande escritor se manifesta em qualquer formato, ou não se manifesta jamais.
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Julio Daio Borges
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