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Quarta-feira, 30/5/2001
O homem é o menino perene

Julio Daio Borges




Digestivo nº 34 >>> Está em cartaz, há mais de um mês, no Cinesesc, uma das mais belas obras de François Truffaut, Os Incompreendidos (Les quatrecents coups, 1959). Estréia do impiedoso crítico da Cahiers du Cinéma, Os Incompreendidos projetou Truffaut mundialmente, como cineasta, e garantiu-lhe vaga no panteão da Sétima Arte, calando a boca de seus desafetos e detratores. É uma obra-prima da criação humana, perceptível a olho nu, sem a necessidade de que se evoque todo o instrumental da nouvelle vague. Assim como nos chamados romances de formação, François Truffaut retrata a si mesmo, e é sempre instigante ouvir um grande autor falar sobre seu passado, de maneira honesta. Chama a atenção, 42 anos depois, a atuação de Jean-Pierre Léaud, uma estrela de brilho raro, afinal, é preciso garimpar muito até que se encontre um jovem que saiba interpretar a juventude, em 100 anos de cinema. A história é a do adolescente mal amado pelos pais, incompreendido pelos mestres, que se atira na vida urbana, e na delinqüência infantil, como se tudo não passasse de uma grande brincadeira. Acaba repreendido, aprisionado e levado para o reformatório (uma escola militar). É pungente a lealdade de seu melhor amigo (quase uma criança), a insensibilidade da mãe e do padrasto (ela, bonita e cruel; ele, bronco e pusilânime), a crueza dos cenários (a escola de paredes lascadas, a casa em forma de cubículo, a aridez das paisagens), o sofrimento da personagem principal (violentada pela realidade dos adultos, que só enxerga homens feitos, nunca imperfeitos ou "por fazer"). Qual não seria a dor de Truffaut, ao realizar um filme assim: autobriográfico. Certamente uma dor funda, que, ainda hoje, atinge o espectador e, em igual proporção, o encanta.
>>> O Estado de S. Paulo
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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