Quinta-feira,
29/11/2001
O herói da minha própria profecia
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 59 >>>
Muito bafafá por causa de Lavoura Arcaica de Luiz Fernando Carvalho. É quase impossível dar um parecer definitivo sobre o filme, mas os nossos ases da pena já o estão chamando de obra-prima para cima. Será? Mais intrigante ainda é a necessidade de afirmar que Lavoura Arcaica não tem nada a ver com todo o precedente cinema brasileiro. Uma falácia tremenda. Principalmente porque Selton Mello – que finalmente foi consagrado como grande ator que efetivamente é – teve sua formação enriquecida justamente por participações em longas que a crítica pretensamente ignora ou execra. Ou seja: para essa gente que não quer se comprometer com a sétima arte à brasileira, Luiz Fernando Carvalho, os produtores, os técnicos e o elenco aportaram no País como marcianos na Terra, sem qualquer parentesco com seus antecessores a não ser o idioma português. É óbvio que, em termos de realização, Lavoura Arcaica é um grande acontecimento. Como também o foram, O Auto da Compadecida, Glauber Rocha e Eu Tu Eles. Aliás, outra postura tremendamente previsível dos nossos cinéfilos na imprensa é a necessidade que eles têm de combater o bonito, o positivo o alegre para em seguida endeusar o feio, o negativo, o triste. De acordo com esse raciocínio, nossos resenhistas reconheceram, por exemplo, o talento de Matheus Natchergaele, mas encheram de “senãos” o filme de Guel Arraes, porque João Grilo era uma figura por demais otimista, simpática, altiva. Não combinava com o retrato “tipo exportação” do Brasil. É chique, é cool, é elegante: esmiuçar dramas psicológicos; compor vastos painéis com traumas de infância; subverter a moral e entronizar a porção animalesca do homem. Nesse sentido, Lavoura Arcaica é um prato cheio. Talvez um clássico no gênero, mas daí a querer recomendá-lo como “programa obrigatório” para o fim-de-semana – quando as pessoas tentam amortecer a realidade e encarar o mundo com mais esperança – existe uma grande distância. De concreto, pode-se apontar como excepcionais as performances de Raul Cortez (um estudo sobre a incomunicabilidade), a fotografia e a trilha (casadas como não se via há décadas) e o texto de Raduan Nassar (que imperdoavelmente parou de escrever). O resto é especulação barata.
>>> Lavoura Arcaica
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Julio Daio Borges
Editor |
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