Segunda-feira,
4/2/2002
Gênero, Número e Grau
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 67 >>>
Há tempos não se via uma peça tão badalada quanto a adaptação do livro de José Saramago, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, em cartaz no Teatro do Sesc Vila Mariana. Só pela acolhida de crítica e de público, o espetáculo já teria méritos inquestionáveis. Mas ele vai além: tem a direção do irrepreensível José Possi Neto; tem a atuação sólida de Walderez de Barros; e tem a revelação de um nome que trabalha pelo desenvolvimento da arte de encenar, Celso Frateschi, no papel de Diabo. A transposição do texto original foi bastante feliz, no sentido de que procurou manter o essencial, sem sacrificar a escrita (que privilegia o uso da segunda pessoa), e sem simplificar a discussão que, em alguns momentos, envolve conceitos filosóficos ou, no mínimo, psicológicos. As duas horas de duração exigem concentração e silêncio do espectador, e é gratificante constatar que, apesar dessa disciplina (necessária), as pessoas voltam a lotar a sala, no fim de semana seguinte. Ou seja: ao contrário do que pregam os apocalípticos dos meios de comunicação, ainda existem interessados em temas inteligentes e aprofundados (que provocam estranhamento e não apenas “entretêm” a audiência). A história é aquela do Jesus Nazareno, que todos já conhecem. Com algumas modificações. Modificações radicais, que custaram muito caro ao autor. A idéia é humanizar as figuras bíblicas, de modo a incutir-lhes aspectos tão comuns à civilização, mas tão propositalmente ignorados em mitos sagrados. Assim, Jesus cede, por exemplo, aos prazeres da carne; Deus revela sua ânsia de poder; e o Diabo, num lance de esperteza (muito à brasileira, aliás), sai-se melhor que os demais. Antes de se pensar em “sacrilégio”, no entanto, é preciso lembrar que – a rigor – não se fala de religião, e sim de inconsciente coletivo (no máximo). Que a temporada continue vitoriosa para todos os envolvidos na realização.
>>> O Evangelho Segundo Jesus Cristo
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Julio Daio Borges
Editor |
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