Segunda-feira,
11/2/2002
Porisso e Poraquilo
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 68 >>>
A Editora Globo, numa iniciativa inédita, está relançando toda a obra de poesia, ficção, teatro e crônica da controversa escritora Hilda Hilst. Para inaugurar a bela coleção (com títulos em relevo, fotos esplendorosas da Casa do Sol, num formato leve e elegante), Alcir Pécora, o organizador, escolheu duas produções bastante significativas da autora: “Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão” (de 1974) e “A Obscena Senhora D” (de 1982). A primeira compreende um conjunto de poemas que, apesar da introdução ao volume (que indica o contrário), evocam as cantigas de amigo, presentes na escrita feminina ou naquela feita para mulheres. Túlio é o grande inspirador do “eu” que se esconde por detrás dos versos. A estrutura, bastante livre e despretensiosa, apóia-se basicamente no coloquialismo, na palavra-viva, conferindo à poética um traço, digamos, mais “mundano” (no melhor sentido do termo). Hilda Hilst procurou, constantemente, dessacralizar a vida e os atos pretensamente elevados do homem – feito que atingiu, e que lhe garantiu a admiração de sujeitos como um certo Carlos Drummond de Andrade. Já “A Obscena Senhora D” aborda, contundentemente, o tema do isolamento, da solidão e da afirmação da personalidade perante o mundo. Pauta-se, certamente, no exílio voluntário de Hilda Hilst, na mudança para a sua chácara em Campinas, onde desde 1966 reside. A protagonista destila reminiscências que envolvem: “invasão de privacidade” (para usar uma expressão atual) por parte de seus vizinhos; registros que misturam alucinação e memória; e a consagração solene do “amor carnal” (eternamente renegado ao sexo feminino, mas que “D” toma como uma bandeira a ser defendida). Os caminhos são tortuosos e, às vezes, cutucam trevas, que preferimos não enxergar. Eis o grande mérito de Hilda Hilst: por meio da obscenidade, incutir-nos lucidez, como ela própria profetizou.
>>> Hilda Hilst
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Julio Daio Borges
Editor |
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