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Quarta-feira, 20/3/2002
Auctoritas

Julio Daio Borges




Digestivo nº 73 >>> A maior parte dos livros tem, sobre nós, o efeito de uma conversa proveitosa: entretém por algumas horas, provoca contentamento e, às vezes, certa contrariedade. “Nenhuma Paixão Desperdiçada”, de George Steiner, logo nas primeiras páginas, parece que vai pelo mesmo caminho: seja através da introdução convidativa; seja pela perspicácia de seus pontos de vista. No fim, contudo, revela-se muito mais que inocentes preliminares poderiam sugerir. Cada ensaio do volume desdobra-se em conseqüências mil, abalando as estruturas do leitor e transformando, para sempre, o seu panorama da Literatura Ocidental. George Steiner teve uma vida pródiga em leituras; é patente. Atravessou literalmente tudo o que havia de importante na língua inglesa (pelo menos). Por isso, suas análises de, por exemplo, Shakespeare não encontram paralelo em nenhuma outra frugalidade que se lê por aí. Ele não apela para os truques fáceis e engodos como o “psicologismo”, a “reconstituição do contexto histórico” e o “autor como ‘ser social’”. George Steiner leu; e pode – finalmente – contrapor a literatura à literatura (como, aliás, se espera de todo e qualquer crítico literário, embora seja raro). Além de Shakespeare (que ele contrabalança com as objeções de Tolstói, T.S. Eliot e Wittgenstein), são imperdíveis os ensaios sobre os muitos “Homeros” e as traduções da Bíblia ao longo dos séculos. Sem contar as passagens por Simone Weil, Freud, Kafka, Kierkegaard e Husserl, dentre outros. Na era do “pós-verbo”, “Nenhuma Paixão Desperdiçada” é mais que um oásis no deserto: é a própria definição de oásis; e de deserto.
>>> Nenhuma Paixão Desperdiçada - George Steiner - 418 págs. - Record
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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