Terça-feira,
15/10/2002
Supressão de ruídos
Julio
Daio Borges
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Digestivo nº 103 >>>
Em cidades barulhentas, poluídas e densamente povoadas, como as nossas, o minimalismo passou de "estilo de vida" a "tática de sobrevivência". Na luta diária, nos embates com os outros, na imposição publicitária do consumo, o indivíduo tenta preservar sua essência. Procurando reduzir-se a um mínimo necessário, reafirma suas características e distingue sua voz em meio aos gritos da multidão. Foi mais ou menos assim que pensou Adriana Calcanhotto, em seu mais recente CD, "Cantada". Na capa, por exemplo, apenas uma boca vermelha, uma moldura preta, o nome do artista e da obra em questão. Na apresentação, algo como "tirar os enfeites, as sobras, as gorduras, os 'over-actings'". Nas músicas, uma harmonia sugerida, uma melodia assobiada; nas letras, versos de uma, duas ou três palavras, sujeito oculto, vocabulário simples, repetição enfática. E, claro, para não negar uma tendência de toda a MPB ultimamente: as injunções eletrônicas. Na verdade, no caso de Adriana Calcanhotto, continua a disputa entre analógicos e digitais, uma vez que o álbum alterna momentos moderníssimos com inflexões bossa-novísticas; ou seja, não se decide. Traduzindo em termos de convidados: oscila entre Moreno+2 (Kassin no baixo, Domenico no MPC2000 e Moreno no cello) e Daniel Jobim (piano de uma nota só). Ainda que esse arranjo soe um tanto quanto esquelético, ao ouvinte de primeira viagem, a opção de La Calcanhotto acaba convencendo. Talvez a experiência do acústico (imediatamente anterior), tenha ressaltado o início, o fim e o meio, em sua carreira: a voz e o violão. (Às vezes, nem mesmo o vilão; só a voz.) "Cantada" abre com a poesia silábica de Waly Salomão em "Programa"; estende um pouco as vogais em "Justo Agora"; experimenta menos na radiofônica "Pelos Ares"; evoca Tom Jobim em "Noite", de Antonio Cicero; desmancha-se na atmosfera cool de "Sobre a Tarde"; sofre um pouco com a faixa-título ("Cantada"); anuncia um encerramento nada ortodoxo com Péricles Cavalcanti ("Sou Sua" e "Intimidade"); surpreende com "Music", de Madonna; entrega-se ao classicismo ("Se tudo por acontecer") e a Carlos Drummond de Andrade ("Jornal de Serviço"). A moça trabalhou; e não se saiu mal. O esforço minimal, no fim, parece que compensa.
>>> Cantada - Adriana Calcanhotto - BMG
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Julio Daio Borges
Editor |
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