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Quinta-feira, 31/10/2002
Cinema de Poesia

Julio Daio Borges




Digestivo nº 106 >>> É famosa a frase de Wittgenstein em que ele afirma que se um leão falasse não seríamos capazes de entendê-lo. Em "Uccellacci e Uccellini" (1966), de Pier Paolo Pasolini, Totò e Ninetto Davoli, atendendo a um pedido de São Francisco de Assis (em pessoa), passam meses em meditação e finalmente se entendem com as grandes aves e os passarinhos. Pasolini, um dos grandes homenageados pela 26ª Mostra BR de Cinema, acreditava que o cinema era importante porque antecedia toda linguagem: comunicando por imagens - como a vida. Ao mesmo tempo, acreditava que sua "pesquisa cinematográfica" acontecia no campo da linguagem ("corporal", quem sabe?) e que, por isso, também no campo da filosofia. No documentário "Pier Paolo Pasolini e a Razão de um Sonho" (2001, de Laura Betti, igualmente na "Mostra"), o cineasta explica que uma pessoa é mais do que aquilo que fala, escreve, transmite através da linguagem; é também um modo de andar, um jeito de sorrir, uma presença e uma maneira de fazer-se presente na memória (quando parte, por exemplo). Pasolini foi um dos últimos grandes diretores a ter uma sólida formação literária, um apego à "palavra escrita", que as novas gerações simplesmente aboliram do currículo. Por isso, a sua obsessão em filmar os clássicos, como "O Evangelho Segundo Mateus" (1964), "Édipo Rei" (1967), "Medéia" (1970), "Decameron" (1971), "Os Contos de Canterbury" (1972) e "Saló - 120 Dias de Sodoma" (1975). E Pasolini, claro, foi poeta; não apenas da Sétima Arte, mas poeta de escrever poesia, com livros publicados, antes de sucumbir ao cinema e se lançar como roteirista de Frederico Fellini. É comum, hoje em dia, relativizar sua obra e destacar seu lado "agitador": comunista, homossexual, intelectual, etc. O paralelo que se traça com o Brasil remonta a Glauber Rocha, outro gênio da película e da polêmica. Nem sempre compreendidos por todos, embora de inteligência vibrante, dentro e fora do cinema.
>>> Retrospectiva Pier Paolo Pasolini | Pier Paolo Pasolini e a Razão de um Sonho
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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